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‘Existir no lugar que existo já é um ato político’, diz Taís Araújo

Taís Araújo é a primeira. A primeira atriz negra a protagonizar uma novela na televisão brasileira, a primeira negra a apresentar um programa dominical na Globo, o Super Pop, e a primeira negra a protagonizar uma campanha de Chivas – foi durante a gravação para a marca de whisky que atriz conversou com a repórter Sofia Patsch, em São Paulo. “Sou super orgulhosa da carreira, dos amigos e da família que construí. Tudo está sendo construído de maneira muito honesta”, diz ela, que sabe do peso que tem, ao lado do marido, o ator Lázaro Ramos, na questão da igualdade racial no Brasil. “Acho que eu existir no lugar que existo já é um ato político. Política não é só quem tá ali engravatado em Brasília.”

Taís é uma das três protagonistas da novela Amor de Mãe, ao lado de Regina Casé e Adriana Esteves – seu retorno ao horário nobre após um hiato de dez anos. “O maior trabalho que tem na vida é ser mãe”, conclui ela, que é mãe de João Vicente, de 8 anos e Maria Antônia, de 4. A atriz, que é assumidamente workaholic, conta com uma rede de apoio para criar seus filhos. “Minha mãe, meu pai, meu sogro, todos se revezam com as crianças”. Mesmo com toda a ajuda, ela desabafa: “Quanto mais pessoas temos que nos ajudem, mais sentimos que os filhos são nossos, ninguém mandou ter dois filhos.”

Mulher de fibra, aos 40 anos Taís abriu mão de ter um empresário e é ela mesma – com a ajuda de uma equipe – quem toca seus negócios. “Comecei a sentir necessidade de ter mais autonomia na minha carreira na questão comercial, porque na artística eu já tinha. A internet trouxe essa proximidade do ator com o consumidor final e entendi que essa relações tem que ser feitas da maneira mais honesta possível.” Confira entrevista a seguir.

Fez 40 anos, como está se sentindo nessa fase?

Pensei muito antes de fazer 40 anos. Fiz um bom balanço.

E o que concluiu?

Que ainda tem muita coisa pra fazer, tenho muitos sonhos, muitos desejos, muitas possibilidades, muita coisa pra melhorar. E ao mesmo tempo tenho uma maturidade que não tinha antes, que faz as coisas não terem o mesmo peso de antes. Ainda mais depois de ter filhos, de construir uma família, parece que as coisas têm o seu peso e a importância devidas. Antes de ter filho botava muito peso no trabalho, como se o trabalho fosse a única realização possível, como se o sucesso nesse lugar fosse determinante pra minha felicidade.

Começou a trabalhar cedo. Com quantos anos?

Muito cedo, com 13 anos. Tenho carteira assinada desde os 16. Minha carteira nunca deixou de ser assinada.

Tem quase 30 anos de carreira.

É. De carteira assinada estou indo para 25 anos. Caramba. Outro dia eu estava fazendo um cadastro na Globo, coisa de wi-fi, e o programa perguntou a data da minha admissão? Por acaso eu lembrava, coloquei 16/07/1998, o programa me corrigiu, era 97. Eu falei, caramba. Sendo que ainda teve Manchete antes.

Se orgulha de sua trajetória?

Sou super orgulhosa da carreira, dos amigos, da família que construí. Tudo está sendo construído de maneira muito honesta, muito bonita.

Depois que se tornou mãe reduziu o ritmo de trabalho?

Continuo workaholic. Gosto de trabalhar. Ser profissional é parte da minha construção, do que eu sou. Até porque, como comecei a trabalhar cedo, não sei ser diferente. Com 17 anos, na época que estava prestando vestibular, era protagonista de Xica da Silva.

Conseguiu se formar?

Sou formada em Jornalismo.

E nunca atuou na área?

Escrevi umas coisas, alguns perfis de atrizes para revistas femininas, fiz um texto na posse do Obama para um jornal porque eu estava lá, mas nunca estive dentro de uma redação efetivamente trabalhando. A escola do Jornalismo foi uma pressão muito do meu pai, de ter um diploma. Meus pais foram os primeiros, os únicos da família deles a se formarem, então pra eles, a partir deles todo mundo tinha que ter um diploma, era assim, fundamental. Minha irmã é médica. Ter uma irmã médica é ‘foda’, rola muita pressão para você também ser ‘alguma coisa’.

E atriz, sempre quis ser?

Não, sempre pensei que seria diplomata.

O que achou do Eduardo Bolsonaro ter sido cogitado pelo pai para ser embaixador em Washington?

Não acho nada. Acho que tenho que me preparar, ter um caminho de carreira.

Então a vontade de ser diplomata ainda existe?

Não, é uma brincadeira. Quando fui assinar para a ONU, eu falava: “Olha, gente, olha eu aqui. Quem diria! Eu sonhei tanto com isso, tô aqui nesse lugar”. Foi super impactante estar naquele lugar assinando um documento, que de alguma maneira estava relacionado com uma profissão que eu quis ter quando era adolescente. Mas acabei desistindo depois que soube que eles até casavam entre si, de tanto problema que têm para resolver (risos).

E você também acabou se casando com um ator.

Pois é, acabei casando com um ator (risos).

Formam um casal de muita credibilidade. Como é a relação de vocês em casa?

A gente vive tentando equilibrar os pratinhos. Não existe uma fórmula, mas para atender nossa casa, nossos filhos, nós nos revezamos. Nossos pais ajudam muito, minha mãe, meu pai, meu sogro e os profissionais que trabalham com a gente. É uma força tarefa.

Sente falta de ficar mais tempo com seus filhos?

Quanto mais pessoas temos que nos ajudem, mais sentimos que os filhos são nossos, ninguém mandou ter dois filhos.

E como os prepara para a sociedade que vivemos?

Quero que eles sejam pessoas muito conscientes do País que eles vivem, conscientes do lugar de privilégio que ocupam e como eles podem fazer uso disso pra melhorar a vida das outras pessoas. Quero que sejam crianças livres, que saibam lidar com essa liberdade de maneira responsável, crianças criativas, comprometidas. Mas quero, principalmente, que sejam crianças, que tenham a liberdade e o direito de serem crianças, sem pensar em todas as questões do país, que não são questões para crianças pensarem, são questões para nós, adultos, pensarmos.

E eles, com certeza, têm um bom exemplo em casa.

Tenho que garantir o direito deles à infância. O tempo inteiro alguém fala: “Você fala com o seu filho sobre isso, sobre aquilo?” Não, falo com o meu filho sobre coisas que crianças devem ouvir. Não vou deixá-los mais duros, magoados, ressentidos, amedrontados. Quero potencializá-los para que sejam crianças livres, felizes e mais tarde adultos muito potentes. E as demandas, obviamente, a falta de segurança, elas vão aparecer, porque esse é o País que eles vivem.

O Brasil está avançando nas questões raciais?

Existem muitos Brasis dentro do Brasil. Mas essa tomada de consciência dos jovens é absurda, é muito bonito de ver. Quando você vai pra zona norte do Rio vê a população jovem negra muito orgulhosa do seu passado, dos seus antepassados, honrando a sua ancestralidade, entendendo que houve resistência sim e que não era uma cambada de gente passiva, pelo contrário. Que a abolição foi uma conquista, não foi um presente e a assinatura não foi uma assinatura benevolente, foi uma assinatura pressionada por questões comerciais com a Inglaterra. Enfim, tem toda uma parte da história que não foi contada, né.

Romantizaram a história da escravidão no Brasil?

De fato a história da escravidão no Brasil foi contada de maneira romantizada. Você pega a história da Alemanha, por exemplo, eles têm profunda vergonha e responsabilidade sobre o que aconteceu ali. Então tá, vamos mudar essa história. Mas não foi meu pai, mas não foi meu tio, mas foi meu pai, não fui eu, mas foi meu avô, não fui eu. Dane-se. Existe uma coisa chamada herança e você vai ter que lidar com ela. E aí haja com responsabilidade. É só isso, não é culpa. A palavra não é culpa, a palavra é responsabilidade.

O que acha de quase não existirem negros na política?

Não é estranhíssimo? E onde é que essas pessoas estão, se são 64% da população, se não estão em nenhum lugar de privilégio? Alguma coisa tá errada. E o que tá errado é muito óbvio, né, é só olhar pra história e falar, ih, a história não evoluiu.

Artistas estão se engajando na política. Como vê e onde se encaixa nesse cenário?

Acho que eu existir no lugar que existo já é um posicionamento político, eu apresentar um programa no domingo já é, eu protagonizar uma novela das nove já é. Política não é só quem tá ali engravatado em Brasília não, dá pra se fazer política em todos os lugares. O ser humano é um ser político e a gente faz política o tempo inteiro.

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