Em Goiás, dois casos de arritmia cardíaca foram emblemáticos em jogadores de futebol: o do meia Paulo Ramos e do atacante Fabrício Carvalho. O zagueiro uruguaio Juan Izquierdo, do Nacional-URU, faleceu na última terça-feira (27), em decorrência de morte encefálica após uma parada cardiorrespiratória associada à arritmia cardíacaPaulo Ramos defendeu equipes como o Vila Nova, Grêmio e Juventude, e morreu há quase 15 anos, no início de setembro de 2009. Fabrício Carvalho voltou a atuar pelo Goiás em 2007, após dois anos fora dos gramados por causa de exames realizados no ex-clube dele, o São Caetano (o mesmo do zagueiro Serginho, cuja morte se deu no dia 27 de outubro de 2004, após sentir mal súbito num jogo no Morumbi, entre São Paulo e São Caetano).À época, os problemas cardíacos de Paulo Ramos e Fabrício Carvalho foram diagnosticados pelo médico Sérgio Rassi, cardiologista e especialista em arritmologia, considerado uma das referências no assunto no País.Sergio Rassi explica que, para fazer atividades físicas com segurança, é preciso fazer alguns exames, como histórico do paciente (engloba os antecedentes familiares), o ecocardiograma e o teste ergométrico (também conhecido como teste do esforço). São básicos, essenciais e obrigatórios.Segundo ele, é possível detectar 95% das situações mais corriqueiras entre os atletas. Os casos mais específicos precisam de exames e avaliações mais acurados. São as chamadas doenças primárias do coração.Foi o que se fez com Paulo Ramos e Fabrício Carvalho. Ambos tinham arritmia cardíaca e cada um precisava de tratamento específico.Inicialmente, a anomalia de Paulo Ramos foi detectada quando estava no Grêmio, em 2006. Ele retornou ao Vila Nova e após ser um dos destaques da campanha do clube na Série C de 2007 houve a recomendação para que o jogador fizesse um diagnóstico com Sergio Rassi. O quadro dele havia piorado no comparativo dos exames.“Ele (Paulo Ramos) tinha algumas comorbidades. Fiz o estudo eletrofisiológico do coração”, lembrou o médico. “Falei direto aos familiares, à noiva dele e a um diretor do Vila Nova que ele (Paulo Ramos) estava proibido de jogar futebol”, atestou Sergio Rassi.A recomendação foi para que Paulo Ramos colocasse um marca-passo especial, o cardiodesfibrilador implantável (CDI) e ter uma série de cuidados com a saúde. O ex-jogador tentou retomar a carreira, sem o consentimento de Sérgio Rassi e de outros especialistas.Ele se sentiu mal durante uma “pelada”, num campo da grande Goiânia. Chegou a ser socorrido, mas teve parada cardiorrespiratória em decorrência da arritmia que precisava de tratamento adequado.O caso de Fabrício Carvalho foi um pouco diferente. Afastado do São Caetano em 2005, após avaliações médicas, o ex-jogador estava disponível no mercado e seria opção para o ataque do Goiás. “O caso dele (Fabrício Carvalho) foi o outro lado da moeda do Paulo Ramos. Tinha uma situação que não era grave, era mais benigna”, descreveu Sergio Rassi.Porém, o ex-jogador precisava usar medicamentos específicos e fazer exames periódicos a cada três meses. Fabrício Carvalho ficou no Goiás de 2007 ao início de 2008. Ele depois rodou por vários clubes, deixou de jogar em meados de 2015 e anunciou a aposentadoria do futebol em 2016, aos 38 anos.Sergio Rassi não comentou o caso de Juan Izquierdo, mas ressalta que é preciso ter cuidados no esporte, como os exames e avaliações sugeridos por ele, assim como recomenda que todos os CTs e estádios tenham o desfibrilador externo automático (DEA).Lembranças de amigosTim e Alexandre foram companheiros de Paulo Ramos no Vila Nova. Os dois eram próximos do ex-jogador. O trio fez parte da última conquista de título do Goianão do clube (2005).Depois, Alexandre e Paulo Ramos jogaram a Série C 2007 e participaram do acesso à Série B 2008, enquanto Tim se tornou diretor da base do alvirrubro.Quando receberam a notícia da morte de Paulo Ramos, no dia 1º de setembro de 2009, Alexandre e Tim se assustaram. O ex-jogador estava afastado de treinos e jogos no clube desde 2008. Isso era algo público, mas o impacto da morte dele foi forte para os colegas um ano depois. Eles contam que o ex-jogador nunca aceitou o fato de ser obrigado a encerrar a carreira jovem.“Foi um susto. Eu sabia que o Paulo (Ramos) decidiu fazer outros exames. Ele tinha alguns exemplos de jogadores que voltaram a atuar, como o Washington (artilheiro da Série A pelo Athletico-PR em 2004, com 34 gols, e outras passagens marcantes no futebol, que teve problemas cardíacos, fez uma angioplastia e implantou um Stent na artéria do coração para voltar a jogar).“No caso do Paulo (Ramos), fez outros exames que mostravam que a situação era grave”, lembrou Tim. Segundo ele, a impressão que se tinha era que o companheiro de clube queria voltar a jogar.“Era (caso) grave, mas como ele (Paulo Ramos) nunca havia sentido nada, era difícil a ideia de parar de jogar tão jovem (23 para 24 anos), não acreditava nisso. Por isso, buscou outras alternativas após os exames (primeiro no clube e, depois, com o cardiologista Sérgio Rassi). Ele esperava outras possibilidades para voltar a jogar”, citou Tim. Ele se assustou quando soube da notícia, pois imaginava que Paulo Ramos não estava mais atuando.Alexandre jogou com Paulo Ramos na base do Vila Nova e no time principal. Era um pouco mais velho que o habilidoso meia atacante e recorda que ele não aceitava a interrupção da carreira.“Foi muito triste (morte). Ele (Paulo Ramos) pegava carona comigo, até perto da casa dele. Fui jogar no exterior e quando voltei, em 2009, eu o encontrei num shopping pouco antes de morrer. Creio que cerca de uma semana antes. Ele me disse que voltaria a jogar. Foi a última vez que falei com ele”, revelou Alexandre.Fifa e CBF exigem liberação para jogar em contratoAs exigências em relação aos protocolos médicos e rigor com a realização de exames chegaram aos clubes. A morte de Paulo Ramos não foi um caso isolado e dela ficou o exemplo de que o departamento médico das equipes precisa ser rigoroso. Paulo Ramos havia sido diagnosticado com arritmia cardíaca no Vila Nova e não pode se manter na ativa como atleta profissional. Porém, buscou outras alternativas e arcou com os riscos no dia 1º de setembro de 2009. No Vila Nova, o médico Leonardo Mello explica que há uma sequência de passos a serem seguidos desde a chegada do atleta ao clube. “Temos um protocolo para admitir (contratar) o atleta. São feitos os testes cardiológicos: eletrocardiograma, ecocardiograma, teste de esforço, os exames laboratoriais, nos quais podemos detectar alterações, se houverem”, destacou.Leonardo Mello ressalta que a responsabilidade não é só do clube ou das entidades que organizam os torneios. O médico é quem autoriza o atleta a jogar. POPULAR procurou os outros clubes da capital, Atlético-GO e Goiás, mas não obteve resposta. “Isso é preconizado pela Fifa e CBF. Inclusive, vai na assinatura do contrato. Além do atleta e do presidente (do clube), nós (médicos) também assinamos o contrato dizendo que (o atleta) está apto à prática. Então, a responsabilidade é muito grande”, afirmou Leonardo Mello.O profissional do Vila Nova explica que houve evolução no acompanhamento nos jogos e treinos e no atendimento, quando há necessidade de que sejam feitos.“Sempre temos a preocupação de ser o mais ágil possível. Acompanhamos todos os treinos, estamos nos jogos, temos o desfibrilador conosco, temos o suporte de duas ambulâncias, uma para cada equipe nos jogos”, detalhou o médico do time colorado.