Goiana de 35 anos, nascida em Goiânia e criada na Cidade Jardim do Conjunto Rodoviário, Larissa Fernandes é a diretora de Amor Perfeito, próxima novela das 18 horas da TV Globo. Formada em Audiovisual pela Universidade Estadual de Goiás, a cineasta e roteirista, que já assinou trabalhos no cinema e no streaming, já toca o folhetim nos estúdios Globo ao lado dos outros três profissionais com quem divide a direção, Alexandre Macedo, Lúcio Tavares e Joana Antonaccio. A novela, livremente inspirada no romance Marcelino Pão e Vinho (1953), começa a ser exibida no dia 20 de março. Em entrevista ao POPULAR, Larissa fala sobre carreira, experiências, sonhos e profissionalização.Larissa, como foi se deu a oportunidade de trabalhar na direção da próxima novela das 18h da TV Globo?Além de diretora eu também sou roteirista. Acontece que eu e Milena Magalhães, uma outra diretora e roteirista de Goiás, temos um projeto juntas de um longa-metragem infanto juvenil. Em 2021 submetemos o argumento do filme a um concurso de roteiro e fomos semifinalistas. Ganhamos uma palestra com a equipe de criatividade da TV Globo. Aos poucos fomos conhecendo o departamento artístico da emissora. Um mês depois do encontro fui procurada pelo responsável pelo departamento artístico da Globo. Eles queriam me entrevistar, conhecer meu trabalho, estavam em busca por pessoas de outros lugares além de Rio e São Paulo, trazendo uma diversidade racial, de gênero e regional para os produtos da casa. Um ano depois, quando eu já estava trabalhando na Amazon Prime Video como roteirista, eles entraram em contato comigo perguntando se eu topava conversar com André Câmara, diretor artístico de Amor Perfeito. E deu certo. Foi um misto de alegria e nervosismo ao mesmo tempo.As gravações de Amor Perfeito já começaram. Como está sendo a experiência de trabalhar em folhetim, gênero tão amado pelos brasileiros?Amor Perfeito é uma história de amor, de diversidade, uma história de esperança. Eu estou aprendendo a contar histórias de um outro jeito. São muitas pessoas fazendo várias peças para criar essa máquina de contar histórias. É realmente uma fábrica de sonhos. Eu aprendo só de ver o funcionamento da empresa, a sua organização e os seus modos operantes de trabalho. Fui muito bem acolhida pela equipe de Amor Perfeito, já conheci muitas pessoas de outros produtos e de outras novelas. Há sempre uma palavra de afeto, de confiança e segurança pra mim. Eu estou me sentindo muito bem acolhida pela empresa. Todo mundo de braços abertos para me ajudar, me ensinar e me fazer entender a TV Globo. Porque é muito diferente. Você passa sua vida toda assistindo televisão e de repente está lá dirigindo um elenco com Camila Queiroz, Diogo Almeida, Mariana Ximenes, Zezé Polessa, Paulo Betti, Thiago Lacerda, enfim, são tantas pessoas, então aí de repente você está ao lado do Tonico Pereira. É muito emocionante! Me sinto privilegiada. Eu estou realizando um grande sonho sim, mas também estou realizando o sonho da minha mãe, o sonho da minha família. Só tenho a agradecer minha família, minha mãe, meu companheiro, meus amigos.Você é uma mulher preta, vinda da periferia brasileira, e que hoje ocupa um lugar de conquista, com muito talento e persistência. Como tem sido para você?Eu venho de Goiás, eu venho da Cidade Jardim, do Conjunto Rodoviário, que é um bairro periférico de Goiânia, e hoje eu estou num lugar que eu sempre quis estar, eu sempre quis fazer televisão e novela. Fui criada pela televisão, minha mãe tinha dois empregos para poder me manter. Eu sou filha de uma mãe solo e que teve ajuda de muitos amigos e familiares para poder me criar. A televisão foi uma superajuda porque enquanto minha mãe trabalhava, muitas vezes eu ficava só, cuidando de mim mesma com a televisão ligada, a minha babá foi a TV. Eu falo que é revolucionário ocupar este lugar porque a mulher preta na sociedade brasileira é a base da pirâmide e essa mulher está num lugar onde ela sempre quis estar, isso é revolucionário sim. Foi um caminho cheio de alegrias, mas também com um trabalho muito árduo para poder chegar nesse lugar. Eu não quero ser a primeira e eu não quero ser a última mulher goiana preta da periferia a chegar no lugar onde ela sempre quis estar tanto, no audiovisual ou qualquer lugar em qualquer carreira profissional.Você acredita que pode servir de exemplo para outras pessoas?Eu posso ser uma inspiração para muitas mulheres e para muitos goianos, mas a minha luta é para que nós, todos nós, todas nós mulheres pretas, nós goianos, possamos chegar no lugar onde sempre quisemos. E eu quero mais, quero percorrer outros lugares e desejo que os meus também percorram. Eu me sinto muito feliz, honrada e privilegiada de estar nesse lugar, mas a minha luta é pra que não seja um lugar para poucos.Você é formada em Audiovisual pela UEG e fez diversos cursos em outros Estados. Como a formação e a profissionalização no Cinema ajudam na hora da ingressar no mercado de trabalho?Qualquer formação é necessária e, exclusivamente no audiovisual, é importante porque possibilita ingressar no mercado. A faculdade te dá um certo respaldo porque ela é uma espécie de chancela. Apesar disso, temos excelentes profissionais que não tiveram a oportunidade de fazer uma formação e eles são excelentes profissionais porque a formação deles foi diretamente na prática. Mas o fato é que você aprende muito nos corredores da faculdade, você aprende muito com as pessoas que você convive dentro da faculdade para além da sala de aula. Eu acho que é uma formação de vida mesmo. Eu acredito que a faculdade para além de me trazer um diploma, cria uma carreira profissional, uma formação. A faculdade me fez uma pessoa muito consciente de quem eu sou, daquilo que eu quero fazer, uma consciência social, uma consciência de raça, uma consciência de gênero.Como você enxerga a produção e o Audiovisual goiano?Goiás tem muitos frutos e muitos talentos no Audiovisual e a gente percebe isso cada vez mais. Não é de agora. Quantos profissionais goianos, quantos produtos audiovisuais goianos andaram pelo mundo, ganhando festivais muito importantes em diversos Países e pelo Brasil. Alguns anos atrás tivemos aquela onda de vários filmes goianos ganharem o Festival de Tiradentes que é um evento de muito respaldo. Há ainda o Festival de Brasília, o Festival de Berlim, com muitos profissionais talentosos. O fato é que contamos histórias a partir do nosso olhar, do nosso jeitinho, com o nosso sotaque e eu acredito cada vez mais que é isso que o espectador quer ver. Ele deseja se sentir representado na tela. O que precisamos é de incentivo na educação, incentivo no mercado de trabalho, na gestão audiovisual, incentivo do governo.