Vinte e três trabalhadores foram resgatados de duas carvoarias em Cristalina, no entorno do Distrito Federal, em condições análogas à escravidão contemporânea, na modalidade trabalho degradante. Uma operação foi realizada entre os 7 e 11 de março pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), composto pelo Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO), Ministério do Trabalho e Previdência e Polícia Federal (PF).Na primeira carvoaria inspecionada foram resgatados 17 trabalhadores, que não tinham acesso à água potável e a equipamentos de proteção individual (EPIs). Eles também não receberam treinamento para operar máquinas e equipamentos, como motosserra e tratores, e os alojamentos estavam em péssimas condições.A maior parte das vítimas veio do interior do estado de Minas Gerais. Os trabalhadores vinham de suas cidades e permaneciam cerca de 45 a 60 dias no local de trabalho. Após esse período, retornavam cidade de origem e somente ao final do prazo recebiam o pagamento a que faziam jus pelo trabalho, acrescido do valor da passagem de volta. Muitos trabalhadores deixavam o local sem contratos formalizados e, portanto, sem receber as verbas rescisórias e sem os devidos recolhimentos de FGTS e INSS.Desse modo, embora a carvoaria estivesse em funcionamento há cerca de um ano, a maior parte dos trabalhadores presentes estava no local há menos de dois meses, o que indica uma grande rotatividade na contratação.Além disso, o pagamento era feito somente por produção, o que obrigou vários trabalhadores a laborarem em domingos e feriados, bem com a trabalharem ainda que estivessem doentes, para não sofrerem prejuízo remuneratório. Também foi verificado que as jornadas de trabalho eram exaustivas, das 5h às 18h e em alguns dias em períodos ainda maiores.Na segunda carvoaria ocorreu o resgate de seis trabalhadores, todos sem vínculo empregatício registrado em Carteira de Trabalho e oriundos de cidades do interior de Minas Gerais e Goiás. Na fazenda não eram fornecidos EPIs de forma adequada, banheiros estavam em péssimas condições, não era disponibilizada água potável, os alojamentos eram precários e também não tinha treinamento para operar máquinas e equipamentos.Segundo o auditor-fiscal do trabalho Rodrigo Ramos, que coordenou a operação, um dos alojamentos era construído com tábuas de compensado, possuindo várias frestas, que permitem a entrada de insetos e animais peçonhentos. “Nele, as camas e os colchões estavam desgastados e sem qualquer condição de uso. O local estava infestado por percevejos. Diante dessas condições, os trabalhadores ali alojados - pai e filho - estavam dormindo no porta-malas de um veículo”, afirmou ele.O outro alojamento era construído apenas com uma barraca de lona, possuindo um único cômodo, no qual estava dormindo um casal.PuniçõesOs proprietários das duas carvoarias assinaram Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT em Goiás e se comprometem a cumprir medidas de saúde e segurança no trabalho. Também foram pagos, a título de indenização por dano moral coletivo, os valores de R$ 35 mil para a primeira carvoaria e R$ 5 mil para a segunda.Quanto ao Dano Moral Individual, cada um dos 22 trabalhadores recebeu R$ 2 mil. Caso alguma cláusula do TAC seja descumprida, uma multa será aplicada.Quanto ao Ministério do Trabalho e Previdência, os auditores-fiscais do Trabalho tomaram as medidas necessárias para que os empregadores regularizassem os contratos de trabalho e realizassem o pagamento das verbas rescisórias e diferenças salariais, que resultaram em aproximadamente R$ 177 mil. Para os resgatados, foi emitido o chamado “seguro-desemprego de trabalhador resgatado”, que consiste em três parcelas de um salário mínimo cada.O que é o trabalho escravo contemporâneoConforme o artigo 149 do Código Penal brasileiro, trabalho análogo ao escravo é aquele em que pessoas são submetidas a qualquer uma das seguintes condições: trabalhos forçados; jornadas tão intensas ao ponto de causarem danos físicos; condições degradantes no meio ambiente de trabalho; ou restrição de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. É crime e pode gerar multa com pena de até oito anos de prisão.