Geral

Ações de “cura gay” acendem alerta em promotores em Goiás

Mariana Carneiro
Cepi Dr. Mauá Cavalcante Sávio, de Anápolis: palestra gerou revolta

O suicídio da influenciadora digital Karol Eller no dia 13 deste mês, notícia amplamente divulgada em todo o território nacional, foi um dos motivos que levaram 43 promotores de Justiça de Goiás a encaminhar ao Procurador-Geral de Justiça, Cyro Terra Peres, um requerimento solicitando a realização com urgência de um evento sobre a garantia de direitos da população LGBTQI+ em Goiás. A influenciadora teria frequentado um retiro espiritual chamado Maanaim, realizado pela Igreja Assembléia de Deus, em Rio Verde, no Sudoeste goiano.

Além desse episódio, no documento, os promotores de Justiça apontam diversos fatores para a urgência da ação, como o fato de que levantamento realizado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, apontou Goiás como o estado que apresentou maior aumento de assassinatos de pessoas LGBTI+ em um ano no Brasil, com alta de 375%. Os promotores de  Justiça, citam ainda “as crescentes investidas legislativas manifestamente contrárias aos direitos fundamentais da população LGBTI+”. 

Em âmbito nacional, a aprovação  pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados do Projeto de Lei n. 5167/09, que inclui no Código Civil a proibição da união homoafetiva; em Goiás, a aprovação pela Assembleia Legislativa (Alego), do projeto que proíbe o ensino de ideologia de gênero em escolar públicas e particulares. “O qual foi inclusive objeto de manifestação pública contrária do MPGO”, lembram os promotores de Justiça. O MPGO informou que o procurador-geral Cyro Terra Peres está viajando e somente ele pode responder se a demanda dos promotores de Justiça será atendida.  

Anápolis 

O suicídio de Karol Eller, um mês após ela anunciar a sua “conversão”, trouxe à tona outro episódio ocorrido em março deste ano no Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Dr. Mauá Cavalcante Sávio, de Anápolis, unidade vinculada à Secretaria Estadual de Educação (Seduc). Na última semana, denúncias feitas ao Portal 6, veículo de comunicação daquela cidade, dão conta que o movimento “Resgatados”, que pertence à Church City, teria feito uma palestra na unidade fazendo citações transfóbicas, com insinuações de “cura gay”. 

Conforme as denúncias, com a anuência dos gestores da unidade, os alunos foram obrigados a se dirigirem à quadra do colégio para a preleção. Alunos assumidamente homossexuais teriam ficado revoltados com o que estavam ouvindo. Alguns presentes, entre eles um professor, teriam saído do recinto em protesto. Uma servidora do colégio contou ao Portal 6 que a unidade, localizada na periferia de Anápolis, possui um grande grupo LGBT que, “às  às vezes, não é amparado em casa, mas pela comunidade escolar, sim”. 

Alunos contaram que uma das preletoras da Church City, no meio da palestra, começou a falar sobre orientação sexual e sua “mudança de vida após ter sido curada por Deus do homossexualismo”. “Ela disse que era trans e agora voltou a ser cis” (sic), relataram os estudantes. Líder da instituição religiosa, o pastor Thiago Cunha confirmou a realização das palestras em colégios de Anápolis, mas negou veementemente a narrativa de “cura gay”. “No dia 17 de maio a Organização Mundial de Saúde (OMS) entendeu que homossexualidade não é uma doença, portanto a Igreja não vê a questão como uma patologia.”

Thiago Cunha explicou que a integrante do movimento em momento algum falou em “cura gay”, apenas sobre sua identidade. “Ela disse que durante 28 anos não sabia quem era, mas em momento algum disse que passou por um processo de cura.” A palestra, de acordo com o pastor, integra o projeto Help, fundamentado em quatro alicerces: Humanização (a pessoa é holística e precisa cuidar do corpo); Escolhas (na adolescência as escolhas nos levarão ao nosso futuro); L (cuidados com a família); e Propósito (tem de escolher um propósito de vida). “Ser de uma igreja não me desqualifica de falar sobre assuntos transversais.”

Integrantes de movimentos reforçam pedido de investigação

Somente após o episódio ter vindo à tona, dois estudantes registraram uma queixa-crime no Grupo Especializado no Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri) de Anápolis. Na manhã desta quarta-feira (25) integrantes dos movimentos Associação da Parada do Orgulho LGBT de Goiás e Associação Grupo da Diversidade LGBT de Anápolis estiveram na delegacia para reforçar o pedido de investigação do caso. “Cura gay resulta em morte. Igrejas iludem as pessoas e quando a cura não acontece, elas entram em depressão. Não podemos falar de ideologia de gênero na escola, mas fazer esse tipo de pregação, pode?”, questiona Marcos Silvério, do movimento estadual. 

Em nota, a Seduc informou que, mesmo não tendo informações oficiais sobre o episódio envolvendo a Church City no Cepi Dr. Mauá Cavalcante Sávio, em Anápolis, determinou a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar as circunstâncias do fato. “A Seduc não corrobora, em hipótese alguma, com quaisquer atitudes, atividades ou ações que firam os preceitos constitucionais e a dignidade humana, sobretudo no ambiente escolar, que deve ser plural”, diz a pasta.

Terapia de conversão é proibida no Brasil desde 1999
 
Amanda Souto Baliza, que já presidiu a Comissão da  Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil - seção de Goiás, lembra que o viés da terapia de conversão é proibida no Brasil desde 1999 no âmbito do Conselho Federal de Psicologia (CFP). A Resolução 01/99 prevê que “psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”. Outras duas Resoluções, em 2018 e 2022, proibiram a mesma prática para pessoas trans e não monossexuais. “As três resoluções são amparadas cientificamente”, enfatiza Amanda Souto. 

A advogada acredita que no caso do Cepi de Anápolis é possível aplicar também a Lei 7.716/89, que trata de crimes de preconceito. “Estamos falando de discriminação em relação à orientação sexual e diversidade de gênero com relação à qualificadora, porque está no contexto religioso.” A mesma lei, lembra Amanda Souto, determina que o juiz pode considerar como discriminatória a prática que causa constrangimento, vergonha, medo ou exposição indevida em grupos vulnerabilizados. 

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