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Ambulante vai cursar Medicina na UFG

Wildes Barbosa
Aluisio Miranda, de 40 anos, vendedor ambulante, acaba de se matricular no curso de medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG)

O vendedor ambulante Aluisio Gustavo Miranda da Silva, de 40 anos, nunca desistiu do seu sonho. Chegar a ser médico um dia parecia muito para o filho de uma empregada doméstica e de um eletricista. Na semana passada, a sua ficha caiu quando fez matrícula na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), a segunda instituição federal em que conquistou a vaga dos sonhos. “Eu entrei em pânico, parecia não acreditar. Caí no choro”, contou. Depois, gravou um vídeo para a instituição e deu seu recado: “Viva o seu processo, que viverá o seu propósito. Se você não der conta sozinho, abra a boca, peça ajuda!”

Foi assim, pedindo muita ajuda, que Aluísio Gustavo chegou aos cursos de Medicina da UFG e da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Por 40 dias frequentou a faculdade no Sudoeste goiano, mas optou pela UFG para ficar ao lado da família que vive em Aparecida de Goiânia. A persistência de Aluísio foi comemorada por um dos “anjos” que atravessou o seu caminho, abrindo portas. O vídeo que o professor de redação Beto Ferreira postou em janeiro nas redes sociais elogiando o aluno já alcançou mais de 2 milhões de visualizações.

“Quando eu ouvi que eu estava matriculado, desabei. Minha mulher e meu filho vieram correndo, pedindo que eu me acalmasse.” Aluísio detalhou sua história num fôlego quase único. Ao cair em prantos na UFG, ele levou as atendentes às lágrimas depois que explicou o motivo. “Você nem imagina o que é acordar às 5 horas e andar a pé 16 km para chegar ao cursinho. Foram nove anos de muita luta. Quando me disponho a falar não é para aparecer ou ser vitimista, mas para mostrar que é possível.”

Aluísio e os quatro irmãos sempre estudaram em escolas públicas. Quando ele era muito novo o pai seguiu rumo próprio, deixando a mulher Maria Sebastiana de Miranda cuidando da prole. “Ela trabalhava 36 horas e folgava 12 para nos dar o que comer.” Maria Sebastiana, de 66 anos, avó de oito netos, é um orgulho só da prole que criou sozinha. “Não foi fácil para ninguém, todos são muito esforçados. Eu assisti a luta do meu filho.” Além de labutar em casas de família, ela trabalhou em serviços gerais. Hoje é diarista. Foi num retorno para casa que soube da aprovação de Aluísio. “Eu estava descendo do ônibus, atendi o telefone e ele estava em prantos. Minhas pernas bambearam, achei que tinha acontecido algo grave. Ele merece tudo isso porque foi atrás do que queria.”

Foi no Colégio Estadual Cruzeiro do Sul, em Aparecida de Goiânia, onde concluiu o ensino médio, que Aluísio revelou a disposição de construir uma história diferente. Todos da turma escreveram na camiseta o que fariam no futuro. Ele escreveu Medicina na sua vestimenta e foi alvo de zombaria. “Por ser pobre, achavam que era muita ousadia.” O que os colegas não imaginavam era o tamanho da ousadia de Aluísio Gustavo. “Sabendo da minha realidade, fui atrás de cursinhos privados e pedi bolsas. Graças a Deus surgiram os anjos para me ajudar.”

Cinco escolas da região nobre da capital, preparatórias para acesso ao ensino superior, entre elas específicas de redação, acreditaram no vendedor ambulante que ocupava ruas, avenidas, feiras agropecuárias, parques de diversões e áreas públicas de lazer comercializando pequenos brinquedos e algodão doce. “Eu nunca teria condições de estudar numa escola dessas. Com chuva ou sol eu caminhava para as aulas porque alguém estava me ajudando.”

Aluísio sempre priorizou as aulas, o trabalho vinha depois. Envergonhado, escolhia o primeiro intervalo para se alimentar. “Os colegas me questionavam os motivos de almoçar tão cedo, mas eu ficava constrangido porque muitas vezes só tinha arroz para comer”, relata. Acreditando que não conseguiria passar para Medicina, em 2004 ele se inscreveu para Medicina Veterinária. “Procurei meu nome na lista de aprovados da UFG, olhei mais de dez vezes e não passei. Não voltei para o cursinho, mas meus professores me acharam na rua vendendo palhacinhos de cone e me levaram de volta.”

Alergia impediu exercício da veterinária 

Em 2005, após mais um ano de cursinho, Aluísio foi aprovado em primeiro lugar para Medicina Veterinária na Universidade Federal do Tocantins e também na UFG. “Demorei sete anos para me formar em razão das muitas dificuldades”. Ao anunciar que trancaria o curso, o então coordenador, o professor doutor Marcos Café, o dissuadiu da ideia. “Ele me disse que se eu trancasse, não voltaria, e pagou as prestações da minha casa que estavam atrasadas.” Em 2013, Aluísio se tornou oficialmente um médico veterinário.

A alegria durou pouco. “Em dez anos de formado, atendi em clínicas poucas vezes.” Aluisio Gustavo trouxe na carga genética uma bronquite crônica que virou asma alérgica. “Tenho alergia a tudo. Minha médica disse que se eu não parasse de atender em clínica, morreria de tanto tomar antialérgico. Em três meses tive umas dez crises, fui parar na emergência.” Hoje, esporadicamente, ele atende em domicílio, e a renda da família ainda depende dos brinquedos e do algodão doce. 

A guinada rumo à Medicina foi em janeiro de 2014 quando, convidado pela Escola de Veterinária da UFG, preparava a documentação para um mestrado. “Meu professor de estágio me perguntou o que eu estava fazendo com a minha vida, já que meu sonho era ser médico. Ele me disse que Deus estava mostrando que eu não deveria seguir na profissão. Saí de lá e fui direto ao Protágoras, fui aceito e minha bolsa reativada. Nos últimos nove anos, ali plantou seu esforço e dedicação, ganhando uma família. “Eles me ajudaram em todos os sentidos. Por ser asmático, na pandemia eu não podia sair para trabalhar. Eles compravam o meu remédio e os alimentos do mês.”

Finalmente, a Medicina 

Quando teve a certeza de que seria um dos alunos da Faculdade de Medicina da UFJ, Aluísio Gustavo rumou para o Sudoeste com o carro abarrotado de brinquedos e um colchão inflável. “Os aluguéis eram caros demais. Fui disposto a dormir no carro.” Perto da rodoviária, um senhor puxando um carrinho de mão deu a dica: “Tenho quartos para alugar no fundo de casa e um está vazio.” Nos 40 dias que ficou em Jataí, ele trabalhou na rua para manter a família em Aparecida de Goiânia. 

A notícia de que tinha conseguido a vaga na UFG, encheu Aluísio Gustavo de alegria. Ele é um poço de gratidão a todos os “anjos” que encontrou. Além da mãe e das pessoas que o acolheram nos cursinhos sem pedir nada em troca, a mulher Iraci e o filho Davi foram fundamentais para a conquista do sonho. “Nem se Deus a clonasse um milhão de vezes, sairia alguém como ela”, elogia. Na semana passada ele se reuniu pela primeira vez com os novos colegas na UFG e gostou do que viu. “Fui muito bem acolhido. O mascote da turma é o lobo guará. Fui eleito o lobo alfa.”  

No dia 17, quando pisar pela primeira vez em sala de aula da UFG, Aluísio Gustavo dará início ao novo propósito. “Sou asmático e boa parte da minha família, também. Meu filho foi internado com bronquiolite no dia 18 de março. No hospital vi umas 30 mães desesperadas por causa das crises respiratórias dos filhos. Sou uma pessoa teimosa, vou cavar o mundo para tentar descobrir a cura para essa doença.”  

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