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Ambulatório para atender população trans é alvo de crítica de vereador em Senador Canedo

Reprodução / Instagram
Vereador João Daniel (PSC) diz que "não é contra pessoas, mas contra ideias"

A inauguração do Ambulatório Regionalizado do Processo de Afirmação de Gênero (ARPAGESC), em Senador Canedo, foi inaugurado no dia 29 de julho para oferecer serviços médicos, que incluem clínica geral, endocrinologia, assistência social e psicológica para a população LGBTQI+. No entanto, o atendimento voltado para essa comunidade foi alvo de críticas na Câmara Municipal local pelo vereador João Daniel (PSC). Durante sessão ordinária na última terça-feira (9), o vereador afirmou que o dinheiro público do município não deveria ser destinado a procedimentos de mudança de sexo.

"Eles querem fazer troca de sexo, por que não vão fazer com o dinheiro deles? Por que têm que usar dinheiro público para fazer isso? Por que nossa gestão não vai atrás de políticas públicas para trazer outros recursos para o município?”, questionou o vereador.

A cirurgia de mudança de sexo faz parte da lista de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a portaria nº 1.707, publicada em 2008. Na norma diz que se deve "levar em consideração a integralidade da atenção, não restringindo nem centralizando a meta terapêutica no procedimento cirúrgico de transgenitalização, promovendo um atendimento livre de discriminação".

Em 2013, a portaria nº 2.803 redefiniu e ampliou o Processo Transexualizador no SUS com objetivo de “aprimorar a rede de atenção à saúde e a linha de cuidado de transexuais e travestis”.

Amanda Souto, que é mulher trans e coordenadora da área jurídica da Aliança Nacional LGBTI+ lamenta as falas do parlamentar. “Fico muito triste com essa situação, porque revela um despreparo dos vereadores sobre essa questão. Não sabem o que estão falando e usam falas preconceituosas para instigar o pânico moral na sociedade”, afirma.

Ela ressalta que a transexualidade, assim como a homossexualidade, já foram descartadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doenças, como sugeriu o vereador durante seu discurso. “Quando a gente fala de algo que não é doença, não existe cura ou terapia de conversão, não existe cura gay. Inclusive elas são proibidas no Brasil”, explica.

De acordo com Amanda, há três resoluções do Conselho Federal de Psicologia que proíbem esse tipo de prática. São elas: a resolução nº1 de 1999, que trata de pessoas homossexuais; nº1 de 2018, que fala de pessoas transexuais; e a resolução nº 8 de 2022, que fala das pessoas bisexuais e pansexuais, que não se atraem por um gênero só.

Em sua fala, o vereador diz que a gestão municipal deveria usar da "expertise e da vontade de ir atrás desses assuntos para trazer outros recursos", um deles seria para a maternidade de Senador Canedo ficar pronta mais rápido.

“A questão da transexualidade no SUS é reconhecida desde 2008. Temos os ambulatórios trans, que são regulamentadas pela portaria 2.083 de 2013 e desde que esses ambulatórios existem, cirurgias eletivas nunca pararam de funcionar, todo o SUS funciona como sempre, dando atendimento integral e universal a todas as pessoas”, ressalta.

Ela ainda reforça que o Brasil é signatário dos Princípios de Yogyakarta, nos quais são reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “O número 17 desses princípios declara que é direito da população LGBTQI+ o padrão mais alto de saúde e determina que os estados devem facilitar o acesso daquelas pessoas que estão buscando modificações corporais relacionadas a reassignação de gênero e sexo ao atendimento e tratamento e apoio competentes e não discriminatórios”, pontua.

“Temos de ter noção que há muitos instrumentos nacionais e internacionais que tratam dessa questão, e não é simplesmente opinião de um vereador que nem deveria estar legislando sobre essa questão que já está disciplinada no Ministério da Saúde”, acrescenta.

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou pelo enquadramento da homofobia e transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989). O chamado racismo social é punível com até cinco anos de reclusão.

Resposta

Por meio de nota, João Daniel disse que reafirma sua "posição de defesa dos princípios administrativos em que o atendimento na área de saúde deve ter prioridade". Segundo ele, "é sabido" que Senador Canedo está "em déficit de atendimentos básicos".

"Fomos, portanto, surpreendidos com o emprenho em se estabelecer políticas públicas de saúde junto às minorias enquanto outras também minorias estão sofrendo em filas de espera em busca de cirurgias, tratamentos e procedimentos igualmente importantes para a sociedade".

Denúncia

Um coletivo formado por diversas associações e pessoas LGBTQI+, nos quais estão incluídas a Aliança Nacional LGBQI+ e a Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI+ (Renosp), estão encaminhando uma petição contra a fala do vereador e vão denunciar as falas no Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e no Grupo Especializado no Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri), da Polícia Civil de Goiás.

“Uma fala terrível e que nos coloca no lugar de demoníacos, porque faz referência a Sodoma e Gomorra, nos coloca no lugar da medicalização quando faz referência à psiquiatras”, comenta Fabrício Rosa, policial rodoviário federal LGBTI+ e um dos diretores da Renosp LGBTI+, à frente das denúncias contra João Daniel.

“Pessoas  trans ficam em depressão, têm ansiedade e uma série de questões psicológicas quando elas não têm tratamento hormonizador, quando não passam pela cirurgia quando desejam”, acrescenta.

Ambulatório

De acordo com a Rafaela Damasceno,assistente social e responsável técnica pelo ambulatório, "o serviço não faz e nem fará cirurgias, as pessoas que desejarem algum tipo de intervenção cirúrgica serão encaminhadas para a Rede existente, para o HGG (Hospital Geral de Goiânia)".

Ela ainda informa que o Ambulatório Regional do Processo de Afirmação de Gênero de Senador Canedo irá oferecer o Serviço Ambulatorial do Processo Transexualizador para pessoas travestis e transexuais aos 25 municípios da regional em saúde, que são: Aparecida de Goiânia, Aragoiânia, Bela Vista de Goiás, Bonfinópolis, Caldazinha, Cezarina, Cristianópolis, Cromínia, Edealina, Edéia, Hidrolândia, Indiara, Jandaia, Leopoldo de Bulhões, Mairipotaba, Orizona, Piracanjuba, Pontalina, Professor Jamil, São Miguel do Passa Quatro, Senador Canedo, Silvânia, Varjão Vianópolis e Vicentinópolis.

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