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Aparecida terá de transferir aterro e despoluir área, decide Justiça

Wildes Barbosa
Aterro Sanitário de Aparecida: problema está relacionado à contaminação do Córrego Santo Antônio

Aparecida de Goiânia tem até 60 dias para destinar o lixo recolhido no município para outro aterro sanitário. Uma decisão judicial da semana passada atendeu a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), em 2018, que denunciou o depósito irregular de chorume no aterro municipal, o que estaria contaminando o solo da área, localizada ao lado do Córrego Santo Antônio, no Setor Vale do Sol.

A sentença assinada pela juíza Vanessa Estrela Gertrudes, proferida na última sexta-feira (23), retifica uma decisão de outubro passado. Naquele mês, a magistrada já havia determinado que a Prefeitura de Aparecida parasse de depositar resíduos no local sem o devido tratamento, além de adotar medidas técnicas para adequar o espaço ao tratamento do chorume. O prazo para regularização era de 60 dias, “a fim de cessar definitivamente quaisquer contaminações de fonte hídrica, do lençol freático e do solo.”

Após a sentença, a Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), que participa da ação como amicus curiae, colaborando com o processo judicial, ingressou com recurso alegando que a decisão não foi clara sobre quais seriam as obrigações do município para o tratamento do líquido gerado no local. Além disso, solicitou que fosse feita “a interrupção, ainda que temporária, das operações do aterro e a necessária descontaminação da área, com o tratamento de todo o chorume que ali se encontra.”

Na atual sentença, foi determinado um novo prazo de 60 dias para que a Prefeitura faça a regularização do aterro sanitário municipal, mantendo a multa, já fixada, no valor diário de R$ 10 mil em caso de descumprimento. Além disso, a magistrada atendeu aos pedidos apresentados pela ABLP e MP-GO para que seja feita a destinação do lixo “para outro aterro que cumpra os requisitos legais, a fim de efetuar a descontaminação da área afetada, tratando todo o chorume que ali se encontra.”

Para o promotor Élvio Vicente da Silva, da 9ª Promotoria de Justiça da Comarca de Aparecida de Goiânia, que ingressou com a ação civil pública, a sentença atende aos pedidos da parte. “A continuação do serviço de depósito de lixo no local, o qual se mostrou ineficiente e danoso, onde está havendo vazamento, é permitir que o ilícito perdure por tempo indeterminado em situação flagrancial”, aponta.

“É um absurdo um município do tamanho de Aparecida deixar de obedecer reiteradamente a lei ambiental. O que está ocorrendo no aterro é criminoso, pois o líquido do lixo está extravasando e contaminando solo, subsolo, córrego e lençóis”, acrescenta. Conforme ele, o dano ambiental continuaria ocorrendo “enquanto existirem vazamentos de chorume no local, enquanto não se retirar tal líquido do solo e subsolo”. “O ilícito existe e deve ser cessado”, finaliza.

Representando a ABLP, o advogado José Tietzmann vê positivamente a sentença judicial. “É uma vitória, porque é um tema bastante sensível, e que não tem o devido cuidado. (A decisão) enfrenta a questão de maneira exemplar, e reconhece uma situação que todo mundo já conhece. A realidade é que o aterro opera de maneira irregular e a situação foi só piorando (desde o início da ação)”, opina.

Conforme ele, há solução para o problema em Aparecida. O advogado cita, por exemplo, um aterro sanitário localizado logo ao lado da área municipal. “É um serviço essencial. Mesmo que se encerre as atividades, os resíduos podem ter a destinação correta e o solo descontaminado. A quantidade de chorume que deve ter ali embaixo é enorme. São várias consequências, tem um rio ali. Não pode ter a continuidade de uma ação que é um crime ambiental ali e em vários outros municípios brasileiros”, acrescenta.

Ex-gestor de limpeza pública de Aparecida, o geógrafo e gestor ambiental Juliano Cardoso explica que quando ingressou na gerência da unidade, onde permaneceu de 2009 a 2011, encontrou o local como um lixão a céu aberto. “Quando o recebi, ele estava na condição de lixo. Já tinha sido aterro sanitário, mas por ingerências políticas, nomeações de pessoas não técnicas, foi infelizmente trazido a condição de lixão novamente aí em meados de 2005 a 2008. Nós conseguimos em um curto espaço de tempo devolver o aterro sanitário nas condições e nos moldes que a legislação exigia à época”, explica.

No entanto, conta, a partir de 2014 a realidade se transformou. “Infelizmente, na atual gestão temos um total desgoverno no tocante aos resíduos. Não tem sido fiscalizado e monitorado. Temos notícia e imagem do chorume sendo extravasado para o córrego. Vemos que têm várias falhas, que são encobertas. Os problemas são os mais diversos. Há falta de política pública na questão ambiental”, acrescenta.

O aterro sanitário de Aparecida contava com licenciamento ambiental até dezembro de 2022. A Prefeitura entrou com pedido de renovação dentro do prazo estipulado, mas, até o momento, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) não respondeu à solicitação. Em nota, a pasta alega que “a licença fica prorrogada até a manifestação final” da mesma.

“Em dezembro, a Semad solicitou a migração do processo do sistema SGA para o Ipê, dando 120 dias de prazo. Então, se for cumprido o prazo, a previsão é a de que a análise aconteça em 180 dias”, acrescenta a nota. O Daqui questionou os motivos da falta de retorno, até o momento, para a renovação da licença, e se o local tem sido fiscalizado pela pasta. Até o fechamento desta matéria, não obteve resposta.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Aparecida justifica, em nota, que “a cidade foi uma das primeiras em Goiás a desativar o lixão e a implantar o aterro sanitário municipal”. Diz ainda que, desde março de 2023 não houve extravasamento de chorume nas lagoas do aterro. “O órgão afirma ainda que o requerimento de renovação da licença ambiental do aterro foi encaminhado à Semad Goiás 120 dias antes do vencimento e que até a conclusão da análise, o aterro segue licenciado”, finaliza.

O Daqui questionou se o município deve recorrer da decisão judicial, ou se irá cumprir as exigências cobradas. Além disso, quais medidas foram tomadas pela administração municipal para evitar as irregularidades destacadas na sentença. A reportagem também indagou se há outras possibilidades para a destinação final dos resíduos coletados na cidade. Até o fechamento desta matéria, não houve retorno para estas questões.

 

Denúncias levaram a ação civil pública

A ação civil pública movida em 2018 pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) foi resultado de denúncias sobre a contaminação do solo do aterro sanitário municipal pelo chorume, que estaria chegando ao Córrego Santo Antônio. À época, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos (Secima), atual Semad, informou ter recebido a solicitação da Prefeitura de Aparecida para celebrar um termo de compromisso ambiental para que o líquido fosse destinado à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Hélio Seixo Brito, em Goiânia.

A solicitação não foi atendida, e a Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago) alegou que a ETE em Goiânia já recebia todo o chorume do aterro sanitário da capital e, por isso, o acréscimo de volume poderia “gerar impacto negativo no tratamento” da estação. Outras denúncias também foram informadas, à época, como a pesagem irregular dos caminhões de coleta, com a entrada de resíduos contaminantes, além de dificuldades para a fiscalização ambiental atuar na área de forma periódica. Entretanto, o advogado José Tietzmann destaca que a ação se concentra nas irregularidades do tratamento do chorume.

Um laudo de exame de perícia criminal, em 2015, também constatou problemas no sistema de drenagem superficial do chorume. “Foi constatado que o aterro municipal funciona como potencial poluidor, contrariando as normas legais pertinentes, que podem causar danos à saúde pública e provocar a mortalidade de animais, bem como a destruição significativa da flora.” O documento acrescentou ainda que o córrego estava com “gerando riscos à saúde decorrente das ações do aterro sanitário”.

Ainda segundo o laudo, concluiu que o “sistema de drenagem para escoamento das águas pluviais estava comprometido, e o sistema de recirculação do chorume era ineficaz”. Naquele mesmo ano, a antiga Secima realizou uma vistoria no aterro, constatando irregularidades no descarte de resíduos no local. Também em 2015, a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente (Dema) instaurou inquérito policial para investigar possíveis crimes ambientais, e constatou problemas “no sistema de drenagem superficial do lixiviado (chorume)” e “que o tratamento ali utilizado (para o chorume) era ineficaz.”

Em 2018, em uma nova vistoria, a Secima constatou que o aterro estava descumprindo a licença ambiental vigente até dezembro de 2022. Por isso, lavrou auto de infração ao município. Não há detalhamento de quais seriam as infrações cometidas, e quais as penalidades. O Daqui questionou à Semad, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. 

Após alegações do município, que justificou que os problemas já estavam sendo sanados, a juíza Vanessa Estrela Gertrudes apontou na sentença judicial que as “medidas paliativas que o Poder Público tomou até o presente momento foram inúteis”. “As condições em que ocorre o atual lançamento de efluentes em mananciais ou no solo do Município de Aparecida de Goiânia estão em claro desacordo com as normas ambientais, havendo riscos de comprometimento do meio ambiente e, consequentemente, do equilíbrio ecológico”, ponderou a magistrada. 

Ela acrescentou ainda que a omissão da administração “contribuiu para o quadro de degradação ambiental”. “Principalmente diante das várias infrações cometidas, ora por descumprir as condicionantes da licença de funcionamento, ora por deixar de apresentar relatórios, bem como por lançar ou liberar poluentes nas águas, no ar ou no solo.”

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