Acusada de machismo, uma propaganda da marca Aspirina foi cancelada à pedido da Bayer, fabricante do medicamento. A polêmica deu-se em torno de uma das peças da campanha, produzida pela AlmapBBDO, com a frase "'Calma amor, não estou filmando isso'.mov".Para críticos, o anúncio faz referência a um ato sexual gravado sem o consentimento da mulher, minimizando a chamada "pornografia de vingança" -quando vídeos íntimos são divulgados na internet- a uma "dor de cabeça".O caso ganhou repercussão internacional nesta quinta-feira (23), após o trabalho ser premiado com um Leão de bronze no festival Cannes Lions, na categoria "outdoor". Fazem parte da campanha outras duas peças: "Relaxa, até parece que eu estou gravando isso.mp3" e "Tá tudo bem, não estou anotando nada.doc".Em nota, a Bayer afirma que a AlmapBBDO apresentou o conceito da campanha "assim como de outras que pretendia exibir no festival Cannes Lions" e que foi a própria agência quem pagou pela sua veiculação "a fim de atender os requisitos para submissão em Cannes".A prática de criar anúncios para disputar o festival, atendendo apenas aos requisitos mínimos de divulgação, é conhecida no meio como "scam ad" (propaganda golpe, em tradução livre). "Parece que uma indústria publicitária dominada por homens também significa 'scam ads'", disse a publicitária Cindy Gallop em seu perfil no Twitter.Nesta quinta, Gallop, ex-presidente da filial da agência BBH (Bartle Bogle Hegarty) nos Estados Unidos, atraiu atenção internacional para o caso ao criticar o anúncio em sua conta na plataforma. "Não use isso para vender aspirina, indústria da propaganda dominada por homens, & não premiem isso, júri dominado por homens", escreveu.A situação já virou piada nas redes sociais. Em uma paródia da peça, a frase foi substituída por "Chefe, a Bayer renega nossa propaganda vencedora de Leão.doc".Procurada, a AlmapBBDO não respondeu ao questionamento da reportagem sobre a responsabilidade pela veiculação da propaganda. Em comunicado, a agência diz lamentar que o anúncio "tenha causado constrangimentos", que repudia a prática de filmagem não consensual e que solicitou à Cannes a retirada das peças produzidas para a Bayer.Além da categoria "outdoor", a empresa recebeu outros 11 leões no festival.POLÊMICAFeministas acusaram a campanha de machista. "Ei AlmapBBDO, é sério mesmo que vocês acharam que dizer em uma campanha publicitária, que compartilhar fotos e vídeos íntimos daria dor de cabeça e para RESOLVER esse incômodo seria só tomar uma Aspirina?", criticou a professora da ESPM São Paulo Ana Paula Passarelli, 31, em uma publicação no Facebook com mais de 4.000 curtidas e mil compartilhamentos.A página da agência no Facebook também vem sendo alvo de comentários negativos. Desde quinta, a avaliação da empresa caiu para 2,4 estrelas."O grande erro que as marcas tendem a cometer hoje é criar a peça, achar que fez uma piada, mas não entender o contexto cultural no qual ela se insere", disse à reportagem Passarelli, que coordena o curso de extensão Gênero na Publicidade.A controvérsia acontece pouco depois do estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro ganhar repercussão mundial após o vídeo da jovem nua e desacordada ser postado em redes sociais. A semelhança entre as situações foi apontada por feministas.