Quase seis meses após indicar o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella para a embaixada do Brasil na África do Sul, o governo Jair Bolsonaro retirou o pedido de designação junto às autoridades sul-africanas.A indicação de Crivella —bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus— dependia do aval da África do Sul, o que não ocorreu. A solicitação do agrément, consulta formal em que Brasília pediu autorização de Pretória para nomear Crivella embaixador, foi ignorado pelo governo de Cyril Ramaphosa.Na diplomacia, uma solicitação sem resposta significa que o indicado não foi aceito pelo país anfitrião.Diante disso, o Brasil comunicou à chancelaria sul-africana a decisão de retirar o pedido de agrément. De acordo com interlocutores, ainda não foi enviado o pedido para enviar um novo embaixador.A escolha de Crivella para chefiar a missão diplomática na África do Sul foi costurada como um agrado de Bolsonaro à Universal. O grupo religioso vinha se queixando do pouco empenho do governo federal na defesa dos interesses da igreja em países africanos, principalmente em Angola, onde a Universal vive um racha. Religiosos locais se rebelaram e passaram a acusar lideranças brasileiras de crimes financeiros.Um dos capítulos mais tensos dessa crise se deu em meados de maio, quando 34 brasileiros ligados ao trabalho missionário receberam a notificação em Luanda de que seriam deportados. A igreja passou então a cobrar de Bolsonaro um maior envolvimento do Itamaraty na defesa da instituição no país africano.Segundo interlocutores, a resistência da África do Sul em dar luz verde a Crivella tem relação com a situação em Angola e Moçambique. As autoridades dos dois países fizerem chegar a Pretória o receio de que o ex-prefeito fizesse da missão diplomática um posto avançado da Universal no território africano.Ao longo dos últimos meses, houve tentativas diplomáticas de convencer os sul-africanos a aceitarem Crivella. Sem sucesso. Em 7 de outubro, numa chamada telefônica mantida fora da agenda, Bolsonaro fez um apelo direto a Ramaphosa para que a África do Sul recebesse Crivella.O líder sul-africano deu uma resposta evasiva e disse que a decisão caberia ao Ministério das Relações Internacionais e Cooperação. O posicionamento de Ramaphosa foi interpretado no Itamaraty como o mais forte sinal de que o nome de Crivella enfrentava fortes objeções.Com a designação bloqueada, a embaixada do Brasil na África do Sul pode permanecer sob o comando de um encarregado de negócios, já que Sérgio Danese, que comandava o posto, foi designado para chefiar a missão brasileira no Peru.Danese é um dos diplomatas mais graduados do Itamaraty e ficou em Pretória por cerca de um ano. Durante a sabatina para assumir a representação diplomática em Lima, a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PP-TO), criticou sua saída da África do Sul."Quero registrar o meu desânimo em relação a essa transferência. Não que o Peru não seja um país importante —é também—, mas a África do Sul é um país especial", afirmou a senadora. "Eu tenho a convicção, com toda a falta de especialidade, de que ele [Danese] seria muito mais útil ao Brasil e às nossas relações se tivesse permanecido lá no seu posto."