A Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) garante que a abertura de 1,6 mil novas vagas no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia irá diminuir o déficit do local em praticamente 80%. Segundo dados de junho deste ano, o complexo abriga 4,1 mil presos. O investimento na construção de celas modulares feitas de concreto será de R$ 106 milhões. Especialistas chamam a atenção para o fato de que a ampliação não soluciona todas as mazelas do sistema carcerário e que o foco deve ser na promoção da dignidade humana.Ao todo, serão 800 novas vagas na Casa de Prisão Provisória (CPP), que possui 1,9 mil presos, e outras 800 na Penitenciária Coronel Odenir Guimarães (POG), que tem 1,8 mil reclusos. As obras de ampliação da POG já estão na fase de acomodação dos módulos. A inauguração da ampliação da POG está prevista para janeiro de 2024, enquanto a da CPP, para abril do ano que vem. Nos dois módulos serão construídas celas coletivas, celas de triagem e parlatórios, além de galpões de trabalho.Nesta quarta-feira (4), o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional do País. Com a conclusão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, o tribunal chegou à conclusão que há Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) no sistema carcerário brasileiro, que é responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos. O STF deu o prazo de seis meses para que a União e os estados elaborem um plano de intervenção para solucionar o problema.Segundo o diretor-geral de administração penitenciária de Goiás, Josimar Pires, a ampliação de vagas no complexo irá resolver de 40% a 45% do déficit de toda a rede. De acordo com dados da DGAP, em 2022, o estado contava com 15,4 mil presos em regime fechado e o sistema possuía 11,3 mil vagas. Reportagem do Jornal O Popular publicada em julho deste ano mostrou que as informações divergem dos dados presentes no sistema oficial do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, que apresentam números mais elevados. Pires considera o investimento na ampliação de vagas importante, ainda mais quando se considera o julgamento do STF sobre a ADPF 347. “Além disso, vai trazer mais segurança e agilidade para o trabalho dos policiais penais”, destaca. Atualmente, segundo o diretor-geral, a quantidade mínima de profissionais presentes em procedimentos que envolvam as celas da POG ou da CCP são quatro servidores. Com o novo formato, a abertura e o trancamento das celas poderão ser feitos por um único policial. CelasOs módulos pré-moldados são feitos de concreto e possuem uma tecnologia que dispensa a utilização de ferragens na construção, o que evita que os itens possam ser usados como armas em situações extremas. As celas contam com pontos de iluminação que ficam protegidos por vidros blindados, mas não possuem pontos de energia elétrica. A porta e as duas janelas no fundo de cada cela são feitas de barras que possuem uma polegada de espessura, o que torna mais difícil de serem cerradas. A abertura e o fechamento das celas serão feito por trancas aéreas. Isso quer dizer que os presos irão permanecer em um pavimento, enquanto o policial penal, que estará em um pavimento superior, terá acesso a um corredor de serviço onde ficará disponível um mecanismo acoplado às portas das celas. Assim, eles poderão abri-las e fechá-las sem ter contato com os presos. Além disso, toda a manutenção, seja do ponto de iluminação ou da parte hidráulica, poderá ser feita pelo lado. No módulo da POG são 96 celas. Cabem oito presos em cada. Elas têm 2,98 metros de largura por 5,20 metros de comprimento (15,49 m²). A estrutura é composta por camas feitas de concreto e acopladas às celas, privada, chuveiro e pia. Existem ainda 12 celas destinadas às pessoas com deficiência. Elas são adaptadas e abrigam até dois presos. O local também conta com oito celas individuais que possuem 2,38 metros de largura por 3,20 de comprimento (7,61m²). Como não se tratam de unidades de segurança máxima, elas irão abrigar presos comuns.DireitosNo Brasil, de acordo com dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário (Sisdepen), da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), a população privada de liberdade saltou de 581,5 mil, em 2013, para 649,5 mil, em 2023. Nesse sentido, o advogado criminalista e especialista em Direitos Humanos, Gabriel de Castro, chama a atenção para a possibilidade das celas modulares também sofrerem com a superlotação. “Não existe garantia de que isso não irá acontecer, já que a população carcerária só cresce”, destaca.Especialistas concordam que considerando o cenário de superlotação, é importante aumentar o número de vagas. Porém, também alertaram que o poder público precisa investir em outras áreas. “É uma nova forma de promover o encarceramento, mas pouco se avança na promoção da dignidade humana e ressocialização”, enfatiza Castro. Ele cita como exemplo a cobal, nome informal dado à permissão da administração penitenciária para que familiares de presos possam levar itens extras para eles, como alimentos, sabonete e xampu, em razão do não fornecimento dos mesmos pelo Estado. “Pela Lei de Execução Penal (LEP), esses itens deveriam ser garantidos pelo poder público. O preso que não tem família para enviar, por exemplo, um desodorante para ele, depende de caridade”, conta. A pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Criminalidade e Violência (Necrivi) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Cinthya Zortéa, chama a atenção para o fato de como o poder público irá promover um diálogo no que diz respeito à formulação de políticas públicas, a partir do julgamento da ADPF 347. “O déficit de vagas existe em todo o País, mas não observamos um lugar de fala para além da criação das vagas. Não há notícia de investimentos na ressocialização do apenado, nas políticas de acesso ao trabalho e à educação. É necessário se estabelecer um novo paradigma para enfrentamento das questões carcerárias”, finaliza.Interior também recebe unidadesAs celas modulares que serão usadas para a ampliação do número de vagas do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia também serão utilizadas nas quatro novas unidades prisionais regionais que serão construídas em Caldas Novas, Catalão, Luziânia e Formosa. As penitenciárias terão 400 vagas cada, com investimento total de R$ 175 milhões. A previsão é que as obras sejam concluídas em 12 meses. As unidades de Caldas Novas e Formosa já contam com uma empresa vencedora dos certames. Já as unidades de Luziânia e Catalão ainda estão em fase de licitação. Além das unidades, DGAP ainda conduz duas outras obras para a ampliação de vagas no sistema. Uma delas é a Unidade Prisional Regional de Novo Gama, localizada no Entorno do Distrito Federal. Segundo a diretoria-geral, as obras estão adiantadas. A capacidade será para 300 detentos com investimento de R$ 17,8 milhões. A inauguração está prevista para o primeiro semestre de 2024. Outra unidade a ser ampliada é o Presídio Estadual de Anápolis, que terá mais 150 vagas para custodiados. De acordo com a DGAP, a ordem de serviço já foi emitida e os trabalhos devem ser concluídos até outubro do ano que vem. O investimento é de aproximadamente R$ 12,4 milhões. Tanto em Novo Gama, quanto em Anápolis, as estruturas serão construídas no formato tradicional.