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Cemitérios de Goiânia operam sem licença ambiental

Diomício Gomes
Cemitério Parque, no Setor Gentil Meireles: unidade criada em 1964, está a 1 quilômetro do Ribeirão Anicuns e 700 metros do Ribeirão Caveiras

Os cemitérios públicos municipais de Goiânia estão funcionando de maneira irregular há 20 anos, desde que o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) editou a resolução 335, em 2003, que define sobre a necessidade de licenciamento ambiental para locais que realizam sepultamentos. Até hoje, nenhum dos quatro cemitérios (Jardim da Saudade, Vale da Paz, Santana e Parque) possuem o documento. A necessidade é imposta de modo a garantir tecnicamente que os locais possuem contenções aos possíveis danos ambientais causados pela decomposição dos corpos, além de terem realizado medidas mitigadoras.

O documento é válido para todos os cemitérios e determina até mesmo que os “resíduos sólidos resultantes da exumação deverão ter destinação ambiental e sanitariamente adequada”. A resolução, entre outras observações e critérios, do Conama estabelece também a proibição da construção de cemitérios em áreas de proteção permanente (APPs), terrenos que apresentam cavernas, sumidouros ou rios subterrâneos e ainda em áreas de manancial para abastecimento humano. Além disso, o fundo das covas deve manter distância mínima de 1,5 metro do nível máximo do lençol freático.

Sem o licenciamento ambiental emitido pelo órgão competente, que no caso é a Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma), não há comprovação de que essas distâncias estejam sendo cumpridas. Na capital, todos os cemitérios públicos se localizam próximos de córregos ou rios de Goiânia. O Cemitério Santana, inaugurado em 1940, está a 420 metros do leito do Córrego Capim Puba, por exemplo, enquanto que o Cemitério Parque, criado em 1964, dista 1 quilômetro (km) do Ribeirão Anicuns e 700 metros do Ribeirão Caveiras, que também é vizinho do Cemitério Jardim da Saudade (1 km). Há ainda o Vale da Paz, que fica na GO-020 e está a 760 metros do Rio Meia Ponte.

Para obter o licenciamento, são necessários estudos que verificam a localização técnica com indicação de acessos e sistema viário, os níveis do lençol freático, existência de fauna e flora, recuos mínimos em áreas de sepultamento, adoção de técnicas que viabilizem trocas gasosas para decomposição adequada dos corpos, e também o tratamento ambientalmente adequado para eventuais efluentes gasosos. Além disso, o risco de contaminação do solo e do lençol freático dos cemitérios aumenta de acordo com a sua ocupação, isso porque a escavação gera terrenos inadequados, com o lençol freático raso, área de várzea e declividade no terreno, e também a maior quantidade de corpos sepultados.

Necrochorume

De acordo com o engenheiro agrônomo e ambiental, Antonio Pasqualetto, professor na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e Instituto Federal de Goiás (IFG), os cemitérios são focos de poluição, especialmente em razão do chamado necrochorume, que se trata do produto da decomposição da matéria orgânica. “A putrefação também exala gases que dissipam no ambiente. Tem que ter uma vedação adequada. Muitas vezes os cemitérios estão posicionados em áreas de córregos, prejudicam o lençol freático”, explica. Segundo ele, o risco ambiental é inerente à idade e tem mais relação com a estratégia adotada por cada sepulcrário, ou seja, com o posicionamento das covas, tratamento dos corpos, entre outros.

O professor lembra ainda que, na maior parte das vezes, os cemitérios são locais que possuem muito material inorgânico, como tijolos e concretos, estão em áreas descuidadas, e portanto aptas a serem locais que acumulam espécies nocivas à população, como os escorpiões, se não houver um plano de manejo adequado. No entanto, ele relata que ainda não é possível estabelecer qual o nível dos danos ambientais causados pelos cemitérios municipais no meio ambiente, já que não houve qualquer estudo sobre essa situação. “Ainda precisa definir nos estudos como estão. Mas eu costumo dizer que solo, água e ar são recursos renováveis. Há mecanismos naturais de decomposição de matéria orgânica, mas se isso ocorre com carga exagerada supera a capacidade do ecossistema e por isso precisa da ação humana para reduzir ou mitigar”, assegura.

Pasqualetto reforça que o licenciamento ambiental é um documento capaz de demonstrar quais as medidas adotadas pelo equipamento, no caso, pelos cemitérios, e se ele está adequado, sendo uma segurança para o meio ambiente e para a população. “É possível ver ali o que foi necessário ser feito e como tem de ser feito, e se a população ou os órgãos de fiscalização verificarem que algo não foi cumprido ou deixou de ser é possível fazer uma denúncia e averiguar a situação.” Ele explica que há três tipos de licenças, sendo a prévia, que ocorre quando há a concepção do projeto; a de implantação, dada na construção do equipamento; e a de funcionamento ou operação, concedida justamente para que o local possa exercer sua atividade.

Neste sentido, é o órgão ambiental responsável quem determina qual a licença que será necessária, mas, no caso dos cemitérios municipais, que já estão em funcionamento, seria preciso emitir o documento que permita o fim da irregularidade. “O local apresenta um estudo técnico e o órgão verifica se vai ser necessário alguma vistoria para ver a necessidade de alguma alteração ou confirmação. Mas a licença ambiental não é vitalícia, é o órgão que define também qual o período e aí ele tem que ir sendo atualizado.”

O documento também é passível de fiscalização, ou seja, o técnico pode ir no local ver se o que foi determinado no estudo técnico aprovado está sendo cumprido ou não. O descumprimento ou a ausência da licença ambiental pode incorrer no embargo do local, que passaria a não mais funcionar, e até mesmo a autuação de multa ao órgão municipal, no caso a própria Prefeitura de Goiânia.

Situação é conhecida pelo Paço desde 2018

O problema dos cemitérios públicos de Goiânia se tornou público em 2018, após denúncia do então vereador Elias Vaz (PSB), que demonstrou a ausência do licenciamento para funcionamento das estruturas. Isso implica dizer que não há qualquer controle sobre a contaminação do solo, do lençol freático e dos cursos d’água localizados nas regiões em que os locais foram construídos. Na época, a situação foi levada ao Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). Antes disso, porém, houve tentativas de conseguir a licença ambiental, mas sem a realização dos estudos.

Ainda em 2018, a gestão de Iris Rezende (MDB) chegou a lançar um processo licitatório para a contratação de uma empresa que seria responsável pelos estudos técnicos para viabilizar as soluções nos cemitérios e, enfim, conseguir a licença. No entanto, o processo, que tinha orçamento estimado em R$ 208.434,83, não chegou a ser finalizado e uma nova licitação foi realizada em 2020, já com custeio na ordem de R$ 603 mil. Em 2021, o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) homologou o resultado desta última licitação para a contratação da empresa Terras Estudos e Projetos Ambientais, via Amma. 

O acordo, válido até outubro de 2022 segundo o Portal da Transparência da Prefeitura, tem um custo de R$ 603.111,89 e visa a elaboração de estudos, serviços e projetos necessários para o licenciamento ambiental dos quatro cemitérios públicos de Goiânia e elaboração de plano de adequação e gestão dos locais de sepultamentos.

Segundo a Amma, os quatro cemitérios públicos municipais de Goiânia possuem o processo de licenciamento ambiental em aberto na agência. “Todos os processos estão na fase de análise e elaboração de documentos e projetos. Não foram finalizadas as emissões das licenças”, informa. Além disso, o órgão esclarece que na última semana se reuniu com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs) para dar andamento no processo. “No caso, são priorizados estudos de melhorias e aperfeiçoamento, tendo em vista atender a legislação ambiental no que se refere aos cemitérios municipais.”

A Sedhs é o órgão responsável pelos cemitérios municipais. A secretaria confirma que já instaurou os procedimentos para obtenção das licenças ambientais junto à Amma. Informa ainda que a agência celebrou o contrato com a Terras Estudos para a elaboração dos documentos necessários para a obtenção do licenciamento e de um plano de adequação e gestão dos cemitérios. “O contrato está sendo executado e muitos requisitos já foram cumpridos. Estão sendo realizadas reuniões semanais entre a Amma, a Sedhs e a empresa contratada tendo em vista a melhoria na coleta de dados e na agilidade para obtenção das licenças.”

Caso é alvo de ações na Justiça

A falta das licenças ambientais para os cemitérios Jardim da Saudade, Vale da Paz, Santana e Parque, todos de responsabilidade da Prefeitura de Goiânia, desde 2003, quando foi editada a Resolução 335 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), já foi alvo de duas ações judiciais do Ministério Público do Estado de Goiás em razão da atual situação de irregularidade. Uma das ações é de execução de obrigação de fazer, que foi iniciada ainda em 2016, e da qual se exige o cumprimento da resolução federal do conselho ambiental pelo município e que faça os procedimentos para que os cemitérios municipais tenham as licenças ambientais adequadas. 

Já a outra ação protocolada pelo MP-GO se refere a execução de quantia certa, em que há cobrança de valores pelo descumprimento da mesma resolução do Conama. Elas foram propostas pela 15ª Promotoria de Goiânia, cujo titular é o promotor Juliano de Barros Araújo, em razão do descumprimento de compromissos pela Prefeitura de Goiânia. A ação de execução de obrigação de fazer teve sua última movimentação no fim de novembro do ano passado. No despacho da juíza Marina Cardoso Buchdid há uma intimação à Prefeitura para que ela apresente, no prazo de 30 dias, “os estudos para o licenciamento ambiental dos quatro cemitérios públicos municipais e, ainda, do plano de adequação e gestão destes cemitérios”. 

A decisão decorre, segundo o documento, em razão do fim do prazo de vigência do contrato firmado entre a administração municipal e a empresa Terras Estudos e Projetos Ambientais, marcado para o dia 14 de outubro do ano passado. A juíza determina que, caso os estudos ainda não estejam prontos, que o Paço Municipal apresente “justificativa pelo atraso no cumprimento do contrato e, ainda, informações atualizadas sobre a fase em que se encontra”. O processo digital apresenta ainda que a intimação foi feita no dia 1º de dezembro de 2022 e não apresenta qualquer outro andamento após essa ação. 

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