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Cidade de Goiás se prepara para a Procissão do Fogaréu em meio à ameça de chuva

Fábio Lima
Procissão do Fogaréu termina na Igreja São Francisco de Paula, que simboliza o Monte das Oliveiras

Quando as luzes dos postes se apagam, os únicos lampejos que iluminam o centro histórico da cidade de Goiás são as chamas das tochas ostentadas pelos farricocos. É dada a largada da Procissão do Fogaréu, evento cultural e religioso símbolo da Semana Santa no Estado e que serve de vitrine para o turismo da antiga Vila Boa. Nesta noite, quando os ponteiros do relógio marcarem 23h59, mais uma edição do festejo encherá a cidade de brilho e devoção.

Desde o início da semana que os 44 farricocos e os profissionais atuantes da Organização Vilaboense de Artes e Tradições (Ovat) começaram a fazer suas “fézinhas” para a chuva não cair durante a encenação. Tudo porque, de acordo com o presidente da instituição, Rodrigo Passarus, os farricocos não podem conduzir as tochas, os maiores símbolos da procissão, se estiver chovendo na hora do cortejo.

“Com chuva não tem jeito por conta do risco do fluido das chamas, que é inflamável. Precisamos sempre pensar na segurança dos farricocos e dos espectadores”, comenta o organizador. A Secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou nesta terça-feira que o Rio Vermelho permanece em situação de alerta por causa do nível registrado em dois pontos de medição, antes e depois da cidade de Goiás.

E se a chuva cair, a Procissão é cancelada? De acordo com um dos organizadores do evento, Heber Rezende, geralmente não chove durante o momento da encenação, mas já houve um ano, por exemplo, que a chuva caiu e o Fogaréu precisou ser transferido para a quinta-feira. “Estamos certos de que tudo ocorrerá muito bem na edição deste ano e que, mais uma vez, a tradição será perpetuada com muita beleza e fé”, profetiza.

A estimativa, de acordo com a Secretária Municipal de Turismo, Suzana Magalhães, é de que mais de 15 mil pessoas celebrem a Procissão do Fogaréu neste ano. “Os hotéis, pousadas e casas de aluguel já estão cheios. É um dos momentos do ano, ao lado do Carnaval, em que a cidade mais lota de turistas vindos de todas as partes do País. Além do Fogaréu, há ainda a Procissão dos Penitentes, na quinta-feira, e o Descendimento da Cruz, na sexta”, explica a gestora.

Algumas novidades tomam conta do Fogaréu. Rodrigo Passarus conta que, neste ano, um coro composto por vozes de crianças, adolescentes e adultos vai entoar três canções, em uma tradição reativada há 60 anos. Outras novas ações incluem a implementação da acessibilidade, com a incorporação de intérpretes de libras e assentos reservados para portadores de deficiência.

Outro projeto mantido nas festividades é o Fogaréuzinho, procissão mirim que desde 1999 é realizada no final da tarde, às 17 horas, no centro histórico. A iniciativa, da Escola de Letras Alfenim, da Cooperativa de Ensino da cidade de Goiás, é uma forma de promover a perpetuação da tradição vilaboense desde a fase infantil. Neste caso em específico, as tochas em fogo vivo são substituídas por elementos cênicos.

Entraves
Apesar de ser datada de 1745, a Procissão do Fogaréu foi retomada nos anos 1960 por iniciativa de membros da Ovat. Neste ano, um projeto para as celebrações religiosas da Semana Santa com o intuito para captar recursos por meio da Lei Goyazes, da Secretaria de Estado da Cultura, apresentado pelo pároco da Catedral Matriz de Sant’Ana, o padre Augusto César Silva Pereira, causou imbróglios com os organizadores.

O assunto foi debatido entre os representantes que, por fim, entraram em um acordo mútuo. “A Procissão é maior do que quaisquer ações e pessoas. Quem deverá prestar conta do projeto é a paróquia”, reitera Passarus.

Piscou, acabou!
É tudo muito rápido. A Procissão do Fogaréu começa pontualmente às 23h59 em frente ao Museu de Arte Sacra da Boa Morte, na Praça do Coreto. Encapuzados, 44 homens  - os farricocos - seguram tochas acesas e caminham ao som de tambores. Eles representam os soldados romanos que perseguiram Jesus. O roteiro segue para a Igreja Nossa Senhora do Rosário, do outro lado da ponte, onde encontra a mesa para a realização simbólica da Última Ceia. Depois, os farricocos finalizam a caminhada na Igreja São Francisco de Paula, que simboliza o Monte das Oliveiras, onde ocorre a prisão de Cristo, representado pelo estandarte de linho pintado pelo artista plástico Veiga Valle. 

O ancião das tochas
Assim que completou 18 anos, o vilaboense João Conceição da Silva tratou de se inscrever para participar da Procissão do Fogaréu. “Lembro de assistir com minha mãe ao cortejo. Sempre tive o sonho de participar, mas as vagas já estavam cheias. No ano seguinte, aos 19 anos, consegui um lugar na Procissão”, conta João, que atualmente é o farricoco mais antigo entre os integrantes. 

É extremamente concorrido participar do Fogaréu como o famoso personagem encapuzado. O presidente da Ovat, Rodrigo Passarus, explica que existe uma lista de espera e, na hora do ensaio, havendo alguma desistência, um novo nome é convocado. “Tem gente da cidade de Goiás e de outros Estados que desejam viver a experiência”, diz o organizador. 

Há 40 anos no Fogaréu, João usa sempre a veste verde, homenagem ao seu time do coração, Goiás Esporte Clube. Neste ano, o farricoco confessa que está com medo da chuva, mas que sabe que, na noite desta quarta-feira, a única força da natureza que reinará na cidade de Goiás é o fogo das tochas. “Eu quero encerrar a minha participação no Fogaréu no ano que vem, quando completar 60 anos. Será o fim de um ciclo de sonho e devoção”, reflete.

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