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Cidades goianas recebem até R$ 100 mil por mês para ofertar 'Kit Covid' para pacientes

Alan Santos/PR
Centros Covid foram lançados em todo o País na gestão de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde

Mesmo sem comprovação científica de eficácia, medicamentos estão sendo entregues a pacientes com suspeita ou confirmação de contaminação pelo coronavírus (Sars-CoV-2) que procuram os Centros de Atendimento para Enfrentamento da Covid-19 existentes nos municípios que aderiram a um programa do Ministério da Saúde existente desde maio do ano passado. Atualmente, são 104 centros existentes em 88 municípios.

O governo federal repassa de R$ 60 mil a R$ 100 mil por mês para manutenção de cada centro, dependendo do tamanho da cidade. No começo do programa, apenas 16 municípios goianos haviam aderido, mas com o tempo foram tendo novas adesões. A última relação foi divulgada nesta terça-feira (13), com a liberação de R$ 20,7 milhões para o custeio do serviço entre abril e junho nas cidades contempladas em Goiás.

Apesar de não haver nada escrito nos documentos públicos do Ministério da Saúde para a adesão ao programa, muitas prefeituras tratam como obrigatória a indicação de medicamentos para os pacientes que procuram os centros. Em Crixás, por exemplo, onde o chamado Centro Covid-19 será instituído neste mês, a secretária municipal de Saúde, Thaysa Bolentini, falou que foi orientada para que os repasses da União sejam “exclusivos para Covid, inclusive só remédios para Covid”.

Das 20 prefeituras ouvidas pela reportagem, metade admitiu a indicação de medicamentos que integram o chamado kit Covid, expressão que foi sendo modificada pelos apoiadores da medida ao longo do tempo, passando para tratamento precoce e atendimento precoce recentemente. Se não o kit inteiro, pelo menos algum medicamento a critério do médico.

Em Rio Quente, a pasta de Saúde admite ter um protocolo com ivermectina, hidroxicloroquina e zinco no seu Centro Covid para as pessoas com sintomas. “Uma vez passando para a segunda fase da Covid, existem outros medicamentos receitados”, informa Lazídio Inácio de Assunção, titular da SMS local.

Rosângela Palácio, secretária de saúde de Valparaíso de Goiás, informou ao POPULAR que nos três Centros Covid da cidade há um protocolo que com ivermectina, vitamina D, azitromicina e dexametasona, mas não é obrigatório. Após questionamentos de como havia sido elaborado o protocolo, o responsável pelo Centro Covid, Paulo César, falou que há um consenso livre dos médicos a respeito da medicação à qual o município dá respaldo pra “fazer o melhor para a população”.

Em Varjão, a SMS também confirmou que há indicação de medicamentos para tratar contra a Covid-19.

Na outra metade, as secretarias municipais de Saúde informam que os médicos destes Centros Covid têm autonomia para prescrever os medicamentos, mas servidores de algumas destas pastas informam, em off, que existe, sim, orientação para uso do kit, parcial ou integral.

Em Morrinhos, a reportagem teve acesso a mensagens de servidores da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) apontando uma pressão para que os médicos fizessem a prescrição do kit Covid, pois os medicamentos já estavam comprados. Um funcionário que pediu para não ser identificado disse que essas mensagens da pasta circulam semanalmente. O titular da SMS local, José Ricardo Mendonça, respondeu que realmente existe uma orientação aos servidores para distribuir kit Covid no município. “Mas a pessoa não é obrigada a pegar, só se quiser”, contemporizou.

Servidores das SMS de Americano do Brasil, Aurilândia, Anicuns e Aporé, que também pediram o anonimato na reportagem, disseram que as pastas têm protocolos para o uso de ivermectina, azitromocina e/ou cloroquina para casos leves de Covid-19. Em Aragarças, um funcionário afirmou “temos receitas padronizadas, mas fica a critério do médico aplicar”. Caldas Novas, em nota da assessoria de imprensa, afirma que inaugurou o Centro de Atendimento e Triagem (CAT) para viabilizar o “diagnóstico e tratamento precoce dos casos”.

Em Campestre de Goiás, um servidor relatou que receitas padronizadas estão sendo distribuídas para pacientes a partir do “Centro Covid” da cidade. “A receita já fica digitada, padrão para todo mundo”, conta. No documento aparecem autorização para uso de dexametasona, ivermectina, azitromicina e um “ok” do médico. Procurada, a SMS de Campestre de Goiás não quis se manifestar.

Nem todas as prefeituras admitem a indicação do kit Covid. Em Bom Jardim de Goiás, o titular da SMS, Ozair Severino Leonel Mendes, diz que não há um protocolo único para todos. “Vitamina para quem está fraco, antibiótico para quem tem alguma dor de garganta.” No entanto, um funcionário da secretaria informou ao POPULAR que existe um protocolo no “Centro Covid” do município com vitamina C e ivermectina e que a variação é apenas na dosagem e posologia dos pacientes.

Patrícia Palmeira de Brito, secretária municipal de saúde de Inhumas, informa que no Centro Covid local “ofertam-se os exames para diagnóstico precoce e para que com base nos resultados do exame o paciente saia medicado com prescrição”. Ela diz que não existe um protocolo de medicamentos, mas que baseado na condição clínica do paciente há receita até mesmo para os que não têm sintomas, mas “demonstram alguma vulnerabilidade a ficar doente como baixa imunidade”.

Em Goiânia, onde há nove Centros Covid, a SMS informa que cada médico tem autonomia para fazer a indicação ou não de medicamentos, mas coloca à disposição os farmacológicos para serem receitados e não há protocolo municipal orientando para o uso do kit Covid.

 

Centro funciona como referência

O Centro Covid é um espaço montado geralmente em anexo a um posto de saúde municipal e serve como referência para o primeiro atendimento de um paciente com sintomas de Covid-19. Instituídos pela Portaria GM/MS nº 1.445, de 29 de maio de 2020, esses centros têm como estratégia “identificar precocemente os casos suspeitos de infecção pelo Sars-CoV-2, por meio da qualificação do processo de acolhimento com classificação de risco, visando à identificação da necessidade de tratamento imediato em sala específica para tal atividade”.

Quando foi lançado, no começo da gestão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi visto como uma tentativa de centralizar a busca das pessoas sintomáticas e casos suspeitos e evitar a circulação de pacientes contaminados por outras unidades. Entretanto, como o titular do ministério era alinhado com a defesa do tratamento precoce com medicamentos, muitas prefeituras passaram a orientar que o Centro Covid indicasse medicamentos como tratamento contra o coronavírus.

Dois perfis de pacientes são atendidos no Centro Covid. O primeiro é a pessoa com sintomas de Covid-19. Estas podem ir diretamente ao ambulatório e será atendida pelo médico. Algumas prefeituras também atendem pacientes com sintomas gripais nestas unidades. O profissional vai avaliar a situação da pessoa e dar o encaminhamento, seja mandá-lo voltar para a casa e ficar em isolamento ou para outra unidade.

O outro tipo de paciente é o que teve contato com alguém positivado. Algumas secretarias dizem que fazem a busca ativa por contatos de pessoas que são confirmadas com Covid-19 e estas pessoas são testadas e recebem orientações médicas.

Em ambos os casos, as autoridades ouvidas pela reportagem dizem que monitoram e acompanham o desenvolvimento do quadro clínico dos que procuram o Centro Covid.
A médica e epidemiologista Denise Garrete esclarece que “não existe medicamento ‘resolutivo’ para casos leves”. “Uma exceção é o anticorpo monocional dado no início da doença para pessoas em alto risco de desenvolver doença grave, que ainda nem está aprovado no Brasil”, comentou. A epidemiologista afirma que normalmente o que temos são tratamentos sintomáticos como “anticoagulante para pessoas com D-dimero alto, 02 suplementar, mas não existe medicação para Covid-19 no estágio inicial. Dexametazona, por exemplo, é apenas para pacientes em estado grave hospitalizado”, explicou.

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) informou que os Centros Covid são estruturados diretamente ente o Ministério da Saúde e os municípios, sem participação do governo estadual. “A cidade se habilita para instalação do serviço e o governo federal libera recursos para custeio da unidade. Assim, a gestão é de responsabilidade das Prefeituras.”

O Ministério da Saúde foi procurado pela reportagem, mas até o fechamento desta edição não encaminhou as respostas.

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