A Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg) recebeu R$ 5,18 milhões de forma antecipada pela reforma de 14 unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras). O valor equivale à metade do contrato assinado com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SEDHS) no dia 30 de novembro de 2022. O pagamento ocorreu no dia 7 de dezembro, uma semana antes do evento oficial que marcou o início das obras, no dia 13 do mesmo mês.Com mais este contrato, o terceiro revelado nesta semana, seja por vereadores ou pela reportagem, chega a R$ 16,1 milhões o total adiantado para a companhia por serviços ainda não concluídos. Na quarta-feira (8), o presidente da Câmara, Romário Policarpo (Patriota), denunciou o repasse antecipado de R$ 8 milhões à Comurg para 50 obras custeadas por emendas impositivas. Na quinta (9), o jornal mostrou o mesmo tipo de ocorrência envolvendo a reforma de um cemitério, pelo qual a companhia recebeu R$ 2,9 milhões no dia da assinatura do contrato.A revitalização das unidades do Cras pela Comurg havia sido anunciada pelo prefeito Rogério Cruz (Republicanos) em agosto, porém o contrato foi assinado apenas três meses depois. O pagamento se deu no mesmo dia em que foi assinada a ordem de serviço. Quatro dias depois, a Comurg havia dito para a reportagem que não começou as obras porque ainda aguardava a chegada de materiais. No dia 11 de dezembro foi publicada uma reportagem mostrando o atraso das obras realizadas pela companhia.Pelo menos três dos imóveis a serem reformados pela Comurg são alugados, o do Cras Capuava, do Jardim do Cerrado e do Jardim Colorado. Mesmo assim, a SEDHS vai repassar R$ 2,09 milhões para o serviço nas três unidades. Em agosto, a secretaria chegou a informar que o custo médio para cada Cras ficaria em torno de R$ 550 mil, entretanto, com base no contrato assinado, a média ficou em R$ 739,57 mil. A obra unitária mais cara é a da Vila Redenção, em R$ 1,39 milhão.O imóvel no Jardim Colorado, por exemplo, é alugado desde agosto de 2021 ao custo mensal de R$ 4,5 mil no primeiro ano. Não consta no site da Prefeitura nenhum termo aditivo. A reforma vai custar R$ 488,6 mil.Em comunicado divulgado no dia 13 de dezembro, a Prefeitura destacou o início das obras nos Cras informando que há 15 anos as unidades não passavam por uma revitalização e que o serviço se dava pela “sensibilidade do prefeito” no atendimento à população carente. Os Cras são unidades de atendimento a famílias carentes que permitem a elas acesso a serviços sociais e cadastro em auxílios governamentais. O prazo para a entrega das obras é de um ano a partir da ordem de serviço.Já a reforma no Cras do Jardim do Cerrado vai ser em um barracão na Rua Flor da Noite, no mesmo bairro, que foi cedido como empréstimo de forma gratuita até dezembro de 2024 pela entidade Obras Sociais do Centro Espírita Obreiros do Evangelho. A reforma está prevista para custar R$ 650,7 mil.Fiscal e fiscalizadoA nota fiscal apresentada pela Comurg foi entregue também no dia 7 de dezembro e consta nela a assinatura de um funcionário da companhia que foi nomeado pela SEDHS como o fiscal responsável pela verificação da prestação do serviço. Ou seja, um servidor da própria Comurg é responsável por checar para a contratante se a empresa está prestando o serviço conforme o contrato. Em um documento que vem junto com a nota, o fiscal informa que atesta a metragem e os serviços executados pela companhia e que a mesma cumpriu com as obrigações.Assim como no caso da reforma do cemitério, o contrato para a revitalização dos Cras não consta no Portal de Transparência da Prefeitura de Goiânia. No documento, ao qual a reportagem teve acesso, consta que o pagamento deveria ocorrer em 30 dias a contar do recebimento da nota fiscal e que esta deveria ser entregue até o quinto dia útil do mês seguinte ao da realização dos serviços.Todo contrato assinado pela Prefeitura tem um gestor e um fiscal nomeado pela secretaria responsável pelo serviço ou produto adquirido.No despacho 125/2022 da SEDHS, publicado no Diário Oficial do Município (DOM), consta como gestor deste contrato assinado com a Comurg um servidor da pasta, mas o fiscal aparece como estando na folha salarial da companhia, inclusive sendo nomeado como fiscal de contratos feitos pela Comurg em outras edições do DOM.O contrato tem trechos copiados do documento que foi assinado entre a Comurg e a Secretaria Municipal de Relações Institucionais (SRI) para as 50 obras com recursos de emendas impositivas, tanto que em um dos itens é citada erroneamente a SRI. Entretanto, no caso da SEDHS, foi suprimido o trecho que afirma diretamente que o pagamento será feito após verificação das medições, mas manteve trechos em que isso fica subentendido.Na justificativa para a dispensa de licitação na contratação da Comurg, a secretaria informa que a proposta da companhia foi a “mais vantajosa para a administração, levando em consideração a obtenção do resultado esperado com menor custo possível, mantendo a qualidade e buscando a celeridade no fornecimento do serviços, devido à urgência da contratação”.No Portal da Transparência da Prefeitura, no link que mostra das despesas da administração, há um erro na informação sobre o valor empenhado para este contrato, que impede que o cidadão o relacione com os gastos na reforma. O empenho aparece como sendo para “prestação de serviços públicos de limpeza urbana, gestão de resíduos sólidos e serviços de urbanização com a Comurg”.Prefeitura tenta socorrer empresaOs contratos da Prefeitura com a Comurg são por dispensa de licitação, uma vez que a companhia é uma empresa pública. Desde o primeiro semestre, o Paço Municipal tem contratado a estatal para serviços que fogem da área de limpeza pública, manutenção de praças e canteiros e coleta e gestão de resíduos sólidos. A intenção é reforçar o caixa da Comurg, que vive uma crise financeira histórica e agravada no ano passado.Além dos contratos, a Prefeitura tentou, sem sucesso, no fim do ano, transferir R$ 30,7 milhões para a companhia. Em janeiro, reajustou o valor do contrato de limpeza e coleta de lixo em mais R$ 70 milhões por ano, acrescentando mais R$ 27 milhões pelo reajuste ser retroativo a julho de 2022.A crise na Comurg e a falta de transparência do Paço sobre a situação levou os vereadores a abrirem uma comissão para investigar a companhia.Em entrevista ao Jornal Anhanguera 2ª Edição, nesta sexta-feira (10), o presidente da Comurg, Alisson Borges, disse que a antecipação dos pagamento se deve ao fato de a companhia ser empresa que não visa o lucro e que precisa dos recursos para dar início aos serviços. A reportagem tenta desde quarta-feira uma entrevista com Alisson, mas o mesmo não deu retorno até a conclusão desta reportagem. Especialistas ouvidos pelo jornal nesta semana dizem que o certo seria o pagamento ser feito conforme as obras fossem avançando.A reportagem entrou em contato com a assessoria da Prefeitura, questionamento sobre o motivo do pagamento antecipado pelo serviço, sobre o andamento das obras e sobre o motivo de reformar imóveis alugados, mas não obteve retorno.