Lançado nesta quinta-feira (21), o edital para o novo concurso do Corpo de Bombeiros do Estado de Goiás disponibilizou 550 vagas para homens e 62 para mulheres. A maior parte envolve os cargos de soldados para as quais há uma especificação de 450 vagas para homens contra 40 para mulheres. A situação se repete para cargos de cadetes, músicos, médicos e odontólogos. Para a banda da corporação, por exemplo, são 36 vagas para homens e apenas 4 para mulheres. As entidades representativas de classe se manifestaram contra o processo e a Ordem dos Advogados do Brasil seccional Goiás (OAB-GO) afirma que edital é inconstitucional.Especialista em Direito Público e ouvidor da OAB-GO, Marcos César Gonçalves explica que edital é inconstitucional. “Não há qualquer justificativa para que haja porcentagem de vagas para cargos como músicos, médicos, oficiais... a jurisprudência é pacífica nesse sentido em Goiás, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Não há relação com o exercício do cargo, ser homem ou mulher. Respondo isso de maneira simples: absolutamente inconstitucional.”O advogado pontua que mesmo que haja na lei a porcentagem de 10% das vagas destinadas a mulheres, a situação está superada por jurisprudência e deveria ter sido corrigida. “A consequência é uma: centenas de processos judiciais e centenas de decisões favoráveis determinando nomeação de mulheres na mesma proporção ou segundo aprovação de nota. Médicos, músicos, oficiais, ou qualquer outro cargo em que o fato de ser homem ou mulher não tenha relação com as atribuições, não podem ter cota por gênero. É tão absurdo ainda publicarem editais nessas condições e só atrapalham o próprio concurso.”Edital fere princípio da isonomiaAgnaldo Bastos, advogado especialista em concursos públicos e servidores públicos afirma que analisando as leis que regem o edital não foi possível encontrar qualquer norma que especifica a distinção de gênero para os cargos. Portanto, conforme Estatuto dos Concursos, não se pode fazer tal distinção sem previsão legal. “A distinção entre vagas para masculino e feminino feita no edital do CBM-GO, fere o princípio da isonomia e a igualdade entre gêneros, pois no próprio edital não tem qualquer informação que justifique a disponibilidade menor de vagas para o sexo feminino”, completa.Dessa forma, explica que os candidatos poderão ingressar com impugnações (recursos administrativos) para questionar o edital, podem também procurar o Ministério Público para fazer denúncias para apurar as possíveis irregularidades e também podem entrar com ações judiciais para questionar o edital, seja de maneira individual, ou através das entidades de classe.O advogado também analisou o portal da transparência e o site da corporação para apurar o percentual de homens x mulheres atual. “Não existem os detalhes das vagas para homens e mulheres, logo, fere o princípio da publicidade e transparência na maneira de expor as informações, dificultando assim o controle social da Administração Pública”, finaliza.Conselho de Odontologia se manifesta contra editalEspecialista em periodontia, uma mulher que preferiu não se identificar, conta que viu sobre o concurso e ao olhar o edital se surpreendeu com descrições. “Vi que eram vagas apenas masculinas para as áreas específicas da odontologia e achei muito estranho. Já prestei um concurso da Marinha Brasil e outros militares. Nunca tinha visto distinção assim, principalmente na área da saúde. Sei que algumas áreas isso pode acontecer, mas para dentista? Fiquei horrorizada e sem justificativa. Por qual motivo uma mulher formada, especialista, não pode ser uma bombeira dentista?”, questiona.Presidente do Conselho Regional de Odontologia de Goiás (CRO-GO), Renerson Gomes dos Santos afirma que no Brasil, mais de 70% dos profissionais de odontologia são mulheres. Em Goiás, os dados apontam para mais de 50% dos profissionais sendo do sexo feminino. “O CRO-GO recebe esse edital com muito pesar tendo em vista que ficou clara a discriminação e não compactuamos com essa prática ilegal e imoral. O Conselho vai se manifestar através de uma nota pública porque um edital de concurso público deve levar em consideração a capacidade técnica e de conhecimentos específicos para aplicação do cargo destinado e não a distinção de gênero que definiria a competência de um profissional. ”Banda predominantemente masculinaSão 40 vagas para banda dos Bombeiros, com 15 instrumentos. Apesar disso, 36 são destinadas a homens e 4 para mulheres apenas para Euphonium, Trompa F e Clarineta Bb. Presidente do Conselho Regional de Goiás da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB-GO), Emerson Biazon também se manifestou de forma contrária às descrições do edital.“É preciso abrir as vagas, sem descrever gênero. Todos os músicos precisam ter os mesmos direitos. A OMB está indignada com esse edital e nós não pactuamos com a classificação de vagas de gêneros. Temos alguns instrumentos que são mais raros serem tocados por mulheres como trombone, por exemplo, mas independente disso, o edital precisa abrir as vagas e classificar por nota”, finaliza o presidente da OMB-GO.Resposta da corporaçãoProcurado sobre as especificidades do concurso, o Corpo de Bombeiros afirmou em nota apenas que assegura o percentual de 10% para mulheres, conforme lei estadual.Leia a nota na integra:“O Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás esclarece que a natureza e especificidade das atribuições inerentes aos cargos e funções da Corporação Militar, integrante da segurança pública, legitimam exigências para habilitação, como: formação, idade, capacidade física e mental, idoneidade moral e gênero. Salientando que é assegurado o percentual de 10% (dez por cento) das vagas nos concursos públicos do CBMGO a candidatas do sexo feminino, conforme art. 3º da Lei estadual nº 16.899/2010, que fixa o efetivo do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás e dá outras providências”.