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Construtora é condenada por operário terceirizado que chamou dentista de 'piranha' e 'vagabunda'

Reprodução
Trecho de Obra do BRT Transoeste

“Vem aqui, vou enfiar…”, ameaçou um operário da EIT Engenharia, responsável por obras de um corredor de ônibus do Rio, dirigindo-se a uma dentista. Ela andava na rua quando começou a ouvir impropérios e o assédio sexual. O caso aconteceu em 2015. Agora, a Justiça condenou a construtora a pagar indenização de R$ 8 mil a título de danos morais sofridos pela dentista. A decisão foi tomada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis. Segundo a defesa da dentista, trata-se da primeira condenação de uma empregadora por causa de atos atribuídos a um trabalhador terceirizado.

A dentista passava pela Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, próxima de sua residência, quando o operário em um canteiro de obras começou a chamá-la de ‘gostosa’, ‘delícia’ e ainda disse: “Que bundão!”.

Em reação à agressão, ela retrucou: “Cala a boca!”.

O homem passou a fazer ameaças…’na volta você vai ver, sua piranha’. Também chamou a dentista de ‘vagabunda’, segundo os autos do processo.

A dentista chegou a filmar o operário. O vídeo foi apresentado nos autos da ação.

Os fatos ocorreram em 2015 e, em 2017, a empresa foi condenada.

Em primeira instância, o juiz do 1.º Juizado Especial Cível Regional da Barra da Tijuca, Felipe Peixoto, destacou ser ‘irrelevante, em razão da Teoria da Aparência, e da completa desimportância que assume, perante o consumidor, a divisão empresarial interna adotada entre a ré (empresa) e terceiras empresas, para a consecução dos serviços para os quais foi contratada’.

“Dessa forma, reputo configurada a responsabilidade civil da parte ré em razão do ocorrido, valendo ressaltar que estão presentes os seus elementos, quais sejam, conduta, nexo e dano”.

O magistrado considerou que a dentista foi submetida a ‘constrangimentos’, ‘angústia’, ‘insegurança’, ‘vexame’, ‘humilhação’ e à ausência de pronta e eficaz solução administrativa’ por parte da empresa, que não afotou providências e saiu em defesa do funcionário.

A empresa alegou, nos autos, que não tinha responsabilidade sobre os fatos, porque o funcionário pertencia a uma terceirizada.

No mérito, a empresa sustentou a ‘inexistência de ilícito’ e levou à Corte uma testemunha que não presenciou a ocorrência. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que ‘é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto’.

O Código Civil também prevê que patrões respondam por crimes dos funcionários – segundo rege o artigo 932 são responsáveis pela reparação o ’empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele’.

A votação não foi unânime. Ricardo Lafayette Campos, relator do caso no Conselho Recursal dos Juizados Cíveis e Criminais da Segunda Turma Recursal do TJ do Rio, foi voto vencido.

Precedentes. A advogada Hanna Vasconcellos, que defendeu a dentista no processo, chama atenção para os precedentes abertos pela decisão.

“Essa decisão é, sem dúvidas, um grande passo na luta contra a violência à mulher, já que foi aberto um precedente e, finalmente, o Poder Judiciário se posicionou em relação a um crime naturalizado e consentido pela sociedade por uma vida inteira. Nossa intenção, desde o primeiro momento, era exatamente chamar a sociedade para a reflexão sobre esse tema, muitas vezes silenciado”, afirma.

“Pela primeira vez, a empresa empregadora é condenada a reparar vítima de assédio verbal cometido por empregado terceirizado”, destaca Hanna Vasconcellos. “Isto é, o Poder Judiciário reconheceu a responsabilidade civil patronal da empresa e fixou indenização a título de danos morais, na medida que o ato ilícito foi cometido no canteiro de obras e no horário de trabalho do agressor.”

A advogada observa que o instituto jurídico do dano moral tem três funções – compensar alguém que tenha sua esfera personalíssima atingida por ato ilícito cometido por outrem, punir o agente causador do dano e desestimular nova prática do evento danoso.

Com a palavra, Eit Engenharia 

A reportagem não localizou representantes da empresa. O espaço está aberto para manifestação.

Com a palavra, Hanna Vasconcellos

Essa decisão é, sem dúvidas, um grande passo na luta contra a violência à mulher, já que foi aberto um precedente e, finalmente, o Poder Judiciário se posicionou em relação a um crime naturalizado e consentido pela sociedade por uma vida inteira. Nossa intenção, desde o primeiro momento, era exatamente chamar a sociedade para a reflexão sobre esse tema, muitas vezes silenciado.

Pela primeira vez, a empresa empregadora é condenada a reparar vítima de assédio verbal cometido por empregado terceirizado. Isto é, o Poder Judiciário reconheceu a responsabilidade civil patronal da empresa e fixou indenização a título de danos morais, na medida que o ato ilícito foi cometido no canteiro de obras e no horário de trabalho do agressor.

Vale destacar que o instituto jurídico do dano moral tem três funções: compensar alguém que tenha sua esfera personalíssima atingida por ato ilícito cometido por outrem, punir o agente causador do dano e desestimular nova prática do evento danoso.

Muito embora situações como a do caso em tela tenham sido naturalizadas e consentidas pela sociedade e, dessa forma, a proteção de nós, mulheres, tenha sido infinitamente prejudicada, acredito que ainda está em tempo de combatermos essa “cultura” e tenho esperança que através desse precedente se imponha aos cidadãos, independe de gênero, o dever de combaterem no cotidiano, insistentemente, aonde quer que estejam presentes os diversos tipos de assédios.

Nesse passo, considerando precedente aberto amplamente divulgado, acredito que as empresas passarão a ter mais cautela na seleção e contratação de empregados idôneos, ao orientar e fiscalizar seus empregados, bem como, caso seja necessário, passarão a puni-los, de acordo com a legislação em vigor.

Pode parecer um sonho mas, parafraseando a Ministra Carmem Lúcia, mulher e atual presidente do STF: Os sonhos possíveis precisam de luta para se tornarem realidade e o Direito nos dá o instrumento para que a gente lute e torne possível o que primeiro era um sonho, depois uma esperança e, por fim, uma realidade.

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