Com o agravamento de uma crise econômica no Brasil e o aumento do preço dos alimentos advindo da inflação, o número de pessoas que procuram restaurantes populares para se alimentar cresceu. Em Goiás, a quantidade de pratos de comida servidos pelo Restaurante do Bem saltou de 996,6 mil refeições servidas nos primeiros cinco meses de 2019 para 1,4 milhão no mesmo período de 2022, 40% a mais. Com pratos a 2 reais, o local é uma alternativa para quem tem o orçamento mais restrito.Os números do IBGE mostram o avanço da inflação. Na capital, somente nos últimos 12 meses, o índice referente ao grupo de alimentação e bebidas é de 12,82%. O cenário é completado pelo desemprego. Na Região Centro-Oeste são 8,5% da população sem atividade remunerada. Em todo o País, há cerca de 33 milhões de pessoas que passam fome, conforme levantamento divulgado no início do mês pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.Em maio de 2022 foram servidas 305,6 mil refeições. São 42,2 mil a mais do que no mesmo mês de 2021 (veja quadro). Atualmente, 13 unidades do Restaurante do Bem estão em funcionamento em Goiás: duas em Goiânia, duas em Anápolis, duas em Luziânia, uma em Rio Verde, uma em Águas Lindas, uma em Valparaíso, uma em Minaçu, uma em Caldas Novas, uma em Jaraguá e uma em Goianésia. Mesmo com o aumento do preço dos alimentos e itens como gás de cozinha, o preço da refeição não sofreu custos adicionais e se manteve no valor de 2 reais.“Vimos um aumento no número de pessoas e também na quantidade de famílias procurando o serviço”, diz a diretora-geral da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), Adryanna Melo. Para atender famílias mais afetadas pelas consequências econômicas e sociais provocadas pela pandemia da Covid-19, em março de 2020 as unidades do Restaurante do Bem de Goiânia e Luziânia passaram a distribuir refeições direcionadas para pessoas em situação de rua e famílias de refugiados venezuelanos. Em novembro de 2021, Jaraguá também iniciou as doações. Nos três municípios, até maio de 2022, foram doadas cerca de 225 mil marmitas.A reportagem esteve no Restaurante do Bem da Avenida Goiás, no Centro, nesta terça-feira (21). Às 10 horas as pessoas já estavam na fila. O estabelecimento começa a servir refeições às 10h30 e vai até às 14 horas. O fluxo de pessoas foi intenso até por volta do meio-dia.“Nas sextas, quando é servida feijoada, a fila fica maior. Quase dobra a esquina. Vêm muitas famílias comer”, relata Itamar Teixeira, de 55 anos, que é vendedor de picolés. Ele almoça todos os dias no local. O vendedor mora no Setor Cândida de Morais e trabalha há 12 anos no Centro e na região de Campinas. “Eu deixo meu carrinho guardado aqui e vou e volto para casa de ônibus. Com as coisas do jeito que estão, não dá para ficar indo para casa comer. A alternativa para não comer marmita fria é me alimentar aqui”, explica.Há um ano e meio, desde que a mãe morreu, Wagner Aparecido de Menezes, de 64 anos, almoça todos os dias no restaurante. “Às vezes trabalho para minha tia e conto com a ajuda da minha família para me manter. Está tudo extremamente caro. Se eu for comprar um botijão de gás e alimentos, não dou conta”, relata. O aposentado Roosevelt de Oliveira, de 67 anos, compartilha da mesma ideia. “Moro sozinho. Comer aqui é uma forma de economizar.”Os servidores públicos Abrão da Silva, de 55 anos, e Jorge Matos, de 61, trabalham no Centro e moram em Aparecida de Goiânia. Antes da pandemia da Covid-19 eles iam para o trabalho de carro. Entretanto, com o aumento do preço dos combustíveis, passaram a ir de ônibus. Além disso, eles almoçavam em restaurantes que cobravam entre 12 e 15 reais por refeição. “Aqui (Restaurante do Bem), com 10 reais eu como a semana inteira”, diz Abrão.MarmitasAté 2020, o restaurante servia apenas refeições no local. Com a pandemia, marmitas também passaram a ser servidas. Em fevereiro deste ano, o atendimento presencial voltou parcialmente. Hoje, 70% dos consumidores são atendidos no restaurante e 30% retiram marmitas. De acordo com a diretora-geral da OVG, uma reunião nos próximos dias deve definir o retorno total das refeições servidas exclusivamente no restaurante.“É importante lembrar que além de fornecer comida de qualidade e nutricionalmente balanceada, também promovemos a dignidade do cidadão. É um momento no qual ele vai poder sentar em uma mesa, se alimentar, temperar a própria comida e usar o banheiro”, diz Adryanna.Cufa-GO também vê crescimentoAs cozinhas solidárias da Central Única das Favelas de Goiás (Cufa-GO) também sentiram a demanda aumentar nos últimos meses. “Estamos em um período complicado. Com a melhora do cenário pandêmico, as doações diminuíram muito. Porém, a demanda continua grande”, explica Breno Rodrigues, diretor da instituição.Na cozinha solidária da ocupação Emanuelle, na Região Leste de Goiânia, uma das maiores da capital, inicialmente eram servidas cem refeições por dia. “Depois, o número aumentou para 200. Atualmente, já são 300 refeições todos os dias. Se tivéssemos mais, sem dúvida mais pessoas apareceriam”, esclarece Rodrigues.As cozinhas solidárias surgiram por conta da pandemia da Covid-19 e o agravamento do cenário da fome e da pobreza. “Já são dez cozinhas deste tipo na Grande Goiânia”, diz o diretor. Elas sobrevivem por meio da doação de alimentos e itens de cozinha. “As contribuições ocorrem por meio do nosso site (www.cufago.com.br).”Rodrigues reforça que a iniciativa não tem data para acabar. “Vai ser feita enquanto for necessário e dermos conta”, pontua. Ele diz que apesar de serviços como restaurantes populares serem importantes, eles não conseguem alcançar toda a população carente. “É aí que entramos. Agimos, de fato, dentro das favelas”, finaliza o diretor da Cufa-GO.-Imagem (1.2477521)