Há pelo menos cinco anos a dentista Hellen Kacia Matias da Silva realiza procedimentos estéticos invasivos, os quais são vedados pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), que resultam em deformidades em pacientes. É o que apontam as investigações da Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO) até o momento. A mulher foi presa preventivamente nesta terça-feira (30). A polícia já computa 17 vítimas.Em abril de 2023, Hellen já havia sido condenada a pagar de indenização de R$ 10 mil a uma paciente por conta de uma necrose no tecido nasal advinda de uma rinomodelação ocorrida em 2017. Na sentença, o juiz responsável, Danilo Luiz Meireles dos Santos, aponta que ficou evidenciada a falha técnica na aplicação do ácido hialurônico. Atualmente, a dentista ainda responde por cinco processos éticos.Em setembro de 2023, a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Consumidor (Decon) instaurou um inquérito para apurar as atividades de quatro dentistas que respondiam por vários procedimentos éticos disciplinares. Hellen era uma dessas pessoas. Em novembro, foi cumprido um mandado de busca e apreensão contra esses profissionais. Na ocasião, foram encontrados anestésicos e medicamentos vencidos na clínica de Helen e um celular foi apreendido. “Vários pacientes reclamando do resultado das cirurgias, que tinham ficado deformadas depois das cirurgias”, conta a delegada Débora Melo, responsável pela investigação.Por meio da análise das mensagens descobriu-se que ela realizava cirurgias estéticas proibidas pelo CFO, como alectomia (redução do nariz), retirada de pele excessiva dos olhos (blefaroplastia), lipo de papada (face lifting), dentre outras. Além disso, ela ministrava cursos para que outros profissionais da saúde executem tais cirurgias sob sua “supervisão”. Então, foi pedida a prisão preventiva da profissional. Além das vítimas, nesta quarta-feira (31) os funcionários da clínica de Hellen, que foi fechada pela Vigilância Sanitária, foram ouvidos pela PC-GO. A dentista pode ser indiciada por exercício ilegal da profissão, execução de serviço de alta periculosidade e lesão corporal.ConselhosEm nota, o Conselho Regional de Odontologia de Goiás (CRO-GO) informou que as medidas administrativas pertinentes estão sendo tomadas obedecendo o devido sigilo aplicável ao caso. O órgão destacou que se coloca à disposição da PC-GO e da população para os esclarecimentos que se fizerem necessários.Além de Goiás, Hellen também é inscrita em Minas Gerais. Nesta terça, o presidente do Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO-MG), Raphael Mota, publicou um vídeo nas redes sociais defendendo a dentista. “Os procedimentos por ela realizados estão amparados por duas resoluções que criaram as especialidades de harmonização orofacial e também cirurgia bucomaxilofacial”, afirmou.No site do CRO-GO consta que a profissional é cirurgiã-dentista com especialidade em harmonização orofacial. A resolução CFO-230, de 14 de agosto de 2020, é a responsável por regulamentar as áreas de competência do cirurgião-dentista especialista nessa área. O documento veda ao profissional a realização dos seguintes procedimentos cirúrgicos na face: alectomia, blefaroplastia, cirurgia de castanhares ou lifting de sobrancelhas, otoplastia, rinoplastia e ritidoplastia ou face lifting. A reportagem não conseguiu localizar a assessoria de imprensa do CRO-MG para comentar o assunto até o fechamento desta edição.DefesaEm nota, a defesa de Hellen alegou que a prisão dela foi feita de forma arbitrária e que ela não descumpriu a determinação da Justiça que a proibia de realizar cirurgias estéticas faciais após o dia 22 de novembro. Segundo as advogadas Caroline Arantes e Thaís Canedo, que representam a dentista, a Justiça confundiu o procedimento realizado.Elas argumentam que ela tem a especialização em cirurgia bucomaxilofacial e que, após o dia 22 de novembro, realizou procedimento reparador e não estético. As advogadas alegam falta de lisura nas investigações por conta do vazamento de imagens descontextualizadas e de procedimentos com intercorrências que, de acordo com a defesa, não foram realizados pela dentista.Vítimas se dizem traumatizadas As vítimas da dentista Hellen Kacia Matias da Silva lidam com traumas emocionais depois de ficarem com deformidades consequentes de procedimentos cirúrgicos realizados pela profissional. “Todas as pessoas ouvidas são uníssonas no sentido de que depois das cirurgias, dessas que deram errado, elas não querem sair de casa”, conta a delegada Débora Melo, responsável pela investigação.As imagens divulgadas pela Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO) mostram casos de mulheres com cicatrizes e queloides no rosto, principalmente na região dos olhos, nariz e orelhas. De acordo com a delegada responsável, as marcas também causam dor física nas vítimas. Das pessoas ouvidas pela PC-GO até agora, todas são mulheres, sendo a maioria de origem humilde. De acordo com a delegada, a maioria das pessoas chegava até Hellen pelas redes sociais. Ela tinha 650 mil seguidores no Instagram, plataforma na qual ela vendia abertamente os procedimentos cirúrgicos, sempre por valores abaixo do mercado. De acordo com Débora, as vítimas contam que Hellen costumava se mostrar muito persuasiva no momento de atrair os clientes, mas intolerante quando eles apresentavam críticas ao trabalho dela. “O que as pessoas relatam é que ela não aceita críticas”, pondera. Considerando o cenário, a delegada aponta que foi um espanto não ter constatado a existência de registros de ocorrência relacionados à dentista. “As vítimas não querem se lembrar do que aconteceu, mas quando se registra a ocorrência, se contribui para uma investigação e para evitar que outras pessoas passem pela mesma coisa”, esclarece a delegada responsável. Hellen ainda não foi ouvida pela investigação, mas a PC-GO pretende pedir a interdição definitiva da clínica e a perda do registro profissional da dentista.