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Entenda o impasse envolvendo a desocupação do Morro da Serrinha

Wesley Costa
Barracos na unidade de conservação: maioria dos ocupantes já saiu ou se comprometeu a deixar espaço

Classificada como área de preservação permanente (APP), em 1994, o governo de Goiás tenta, desde 2015, recuperar o Morro da Serrinha, em Goiânia, após uma ação pública movida pelo Ministério Público, no ano anterior. O impasse é que, há cerca de 15 anos, o local começou a ser ocupado por religiosos e fiéis para orações e realização de cultos e eventos, segundo o presidente da Associação dos Amigos do Morro da Serrinha, Álvaro Caetano de Oliveira Filho. 

"Os pastores evangélicos foram colocando pessoas naquele local com intenção de invadir a área que está abandonada”, acrescentou Álvaro. 

Com o tempo, foram sendo montadas tendas que funcionam como templos e barracas improvisadas com camas e utensílios domésticos para moradia de pessoas em tratamento espiritual ou voluntários. Até 2023, dois grupos permaneciam no morro. 

Uma operação para desocupação total  foi cumprida na manhã desta quarta-feira (5) no morro. Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE-GO) esclareceu que a desocupação do Morro da Serrinha nesta quarta-feira (05/06) se deu de forma pacífica e sem intercorrências (veja a nota completa no final da matéria).

Razão da ocupação 

Álvaro afirmou que durante recentemente conseguiu avistar aproximadamente 30 barracas e 12 pessoas no local. No início de 2022, o Ministério Público apontou que já havia sete famílias na área. 

Dois templos foram identificados pela Polícia Civil (PC): A Tenda Primeiro é Deus e o Instituto Grupo de Resgate de Almas para Cristo (Igrac)', ambas presididas por três pastores. A Tenda Primeiro é Deus foi demolida em setembro passado, pois estava sendo construída na área de Preservação Ambiental (APA), sendo transferidos para uma chácara no Jardim Primavera. Contudo, a Igrac, dirigida pelo pastor Jobson José Bispo, ainda resiste. 

A reportagem entrou em contato, via e-mail, com a defesa do pastor para que pudesse ter um posicionamento, mas não teve retorno até a última atualização desta matéria.

Uma matéria publicada em janeiro de 2023 descreveu que a maioria dos ocupantes de uma área invadida  acredita estar no local por um chamado divino.

Um ocupante disse ao POPULAR, em abril deste ano, que mesmo a consciente de uma possível ordem de despejo, mantém a esperança e luta por "não ter qualquer lugar para viver lá em baixo", fazendo referência a cidade. 

Os invasores da área de preservação que não aceitaram a proposta de transferência foram inscritos no Cadastro Único para que tivessem acesso aos benefícios ofertados pelo governo federal para pessoas em situação de vulnerabilidade social, como o Bolsa Família e programas voltados para emprego, saúde e documentação pessoal.  

Indiciamento de pastores 

Segundo o presidente da Associação dos Amigos do Morro da Serrinha, Álvaro Caetano de Oliveira Filho, o pastor da Igrac quer "tirar vantagens econômicas" com a situação.

O pastor também briga na Justiça pela regularização na área. No início de 2023, a Polícia Civil indicou três pastores, após ter identificado uma intensa atividade humana no Morro da Serrinha após a ocorrência de um incêndio, em junho de 2021, que consumiu boa parte da região.  

Fizemos investigações, e os indícios eram de que o fogo começou na parte interna do Morro. No entanto, não foi possível atribuir responsabilidade", afirmou na época o titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente (Dema), Luziano Carvalho. 

Em abril deste ano, a Gerência de Regularização de Ocupações do Estado notificou o Jobson José sobre a adoção de medidas para impedir a ocupação do imóvel, retirando bens que estavam na área.  

"Em uma petição, o líder religioso alega que a movimentação foi realizada "de forma arbitrária e ilegal retirando sob ameaça e força policial todos moradores do imóvel." 

Reintegração de posse 

O Estado tenta desde 2019 a retirada dos ocupantes, após determinação judicial. Desde lá, várias reintegrações de posses parciais foram executadas. 

Em 2020, com a pandemia da Covid, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a retirada de ocupantes ilegais de áreas em qualquer esfera. No final de 2021, o Governo de Goiás iniciou o fechamento da APP com o objetivo de recuperar as áreas degradadas, mas houve reação por parte das agremiações religiosas que ocuparam o espaço há mais de 12 anos. Em 2023, com a decisão da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual, a Comissão de Soluções Fundiárias do TJGO assumiu o imbróglio. 

A Secretaria-Geral da Governadoria de Goiás (SGG) chegou a abrir uma licitação, neste ano, em busca de empresas para execução do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) na área. Durante o contrato está previsto atuação em ações de preservação e conservação por cinco anos.

Com a possível reintegração total de posse pelo Estado, a execução do plano de recuperação pretende revegetar uma área de 4,3 hectares no Morro da Serrinha, que, segundo um relatório, “encontra-se com a vegetação natural descaracterizada pela atividade antrópica”.  

Em fevereiro daquele ano, a Semad, com a parceria de empresas privadas, chegou a plantar 5 mil mudas de árvores nativas no local com a promessa de manutenção, mas a ideia não vingou. 

Nesta quarta-feira, o governo estadual lança o edital por meio de pregão eletrônico para a contratação de empresa especializada para execução do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) do morro. As empresas interessadas poderão participar da concorrência pelo acesso ao site. O valor é de R$ 240.950,64. 

Parque ecológico

Com 841 metros, o Morro da Serrinha é o segundo mais alto de Goiânia após o Morro do Mendanha. Sua área de mais de 100 mil m² já foi muito rica em vegetação de Cerrado, mas com as frequentes invasões, uso do local para incursões de motociclistas e diversos incêndios, muito de sua diversidade ambiental foi perdida.

A SGG diz que "um grupo de trabalho foi formado para discutir estratégias de recuperação de áreas degradadas do local onde será instalado o novo parque ecológico a ser criado no Morro da Serrinha", com pista de caminhada, trilhas e preservação do Cerrado. Conforme a pasta, há estudos avançados sobre as melhores formas de administrar o local.

Após a recuperação do morro, o governo deve transferir a área para a Prefeitura de Goiânia, acordo que foi firmado ainda em 2019. Contudo, quase um ano depois, a transferência não havia sido realizada. O jornal entrou em contato com a Secretaria Municipal de Administração (Semad) para saber o tramite da transferência, mas não houve retorno.

Veja a nota completa da PGE-GO

Em atenção à solicitação de nota, a Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE-GO) esclarece que a desocupação do Morro da Serrinha nesta quarta-feira (05/06) se deu de forma pacífica e sem intercorrências.

Aos ocupantes, foi ofertada assistência social na Casa de Acolhida Cidadã, em Goiânia. A Secretaria de Estado da Administração forneceu, também, transporte e local adequado para armazenamento provisório dos pertences daqueles que desejaram.

Além disso, durante o processo de desocupação voluntária, realizado desde maio de 2023, foram realizados os cadastramentos e os devidos encaminhamentos daqueles que preenchiam os requisitos legais para programas assistenciais e previdenciários municipais, estaduais e/ou federais.

Com a reintegração integral de posse da área, o foco do Estado de Goiás é o cumprimento da decisão judicial transitada em julgado em ação civil pública, com a execução do Plano de Recuperação da Área Degradada (PRAD), já apresentado. O pregão eletrônico para contratação da empresa especializada teve início nesta quarta-feira.

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