A imunização de crianças contra a Covid-19 em Goiás está comprometida pela falta de vacinas. A Secretaria de Estado da Saúde (SES) diz que alguns municípios estão notificando o desabastecimento há quase um mês. O problema já foi repassado para o Ministério da Saúde (MS), que não retorna os ofícios. Sem previsão da chegada de novos lotes, as gestões trabalham com listas de espera e temem impactos diante do aumento de contaminações entre o público infantil. Nos últimos seis dias foram registradas três mortes entre crianças de até 9 anos em razão da doença.A superintendente de Vigilância em Saúde da SES, Flúvia Amorim, afirma que encaminhou ofícios para MS tanto sobre a falta de Pfizer Baby, destinada para crianças menores de 3 anos, como sobre o desabastecimento de Pfizer Pediátrica, para o público entre 5 e 11 anos. “Não sabemos quando chega, porque não temos informações sobre uma nova compra, quando e quantas devem chegar. O que a gente sabe hoje é que não só Goiás, mas vários estados estão nessa mesma situação”, diz a superintendente.Segundo a Gerência de Imunização da Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa/SES), foram solicitadas, em novembro, 728,8 mil doses da vacina Pfizer Pediátrica para dar conta do ciclo completo da população com essa faixa etária no estado. No entanto, o Ministério da Saúde encaminhou apenas 35 mil doses para esquema completo, de três doses. Outra entrega parcial foi registrada com a vacina Coronavac, que teve solicitação de 100 mil e entrega de 34,4 mil.A falta de doses afeta municípios como Inhumas, de 53 mil habitantes. A secretária municipal de Saúde, Patrícia Palmeira, que é 2ª vice-presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado de Goiás (Cosems), conta que a cidade recebeu apenas 70 doses da Pfizer Baby, que acabaram no mesmo dia. “Nós entramos em contato com a regional e a resposta é que só há previsão para a chegada da segunda dose das que já foram aplicadas”, diz a secretária.AumentoO desabastecimento ocorre em um contexto de aumento de casos e internações entre crianças. O POPULAR mostrou na última semana que a proporção dos infectados que precisam de internação está crescendo de forma ininterrupta desde o início deste ano. Enquanto o acumulado de todo o ano ficou em 7,4%, em novembro o índice atingiu 12,5%. Os casos da doença registrados nesta faixa etária nos últimos quase 12 meses são maiores que nos outros dois anos de pandemia somados. Dos 80,9 mil casos, 45 mil foram registrados em 2022. Os óbitos também cresceram, indo de 42 em janeiro para atuais 69.A superintendente Flúvia diz que o quadro da falta de vacinas preocupa. “Porque estamos falando justamente da faixa etária que está vivendo uma crescente de internações, com pais que querem vacinar as crianças, mas não tem vacina. Temos os pais que têm o problema de não querer. Mas a partir do momento que ele quer, ele tem que ter essa vacina”, destaca.Para Patrícia Palmeira, a situação pode ser definida como “desesperadora”. “Porque na verdade a gente trabalha as cegas”, diz sobre a falta de previsão para a chegada de vacinas. Segundo ela, apesar de as crianças não terem sido alvo de grandes preocupações durante a pandemia, o quadro vem mudando, com destaque para a baixa cobertura diante da chegada do período de festas de fim de ano.Impacto A médica imunologista Lorena Diniz, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), diz que sem as vacinas as crianças correm risco de ter quadro graves, assim como observado entre os adultos. Conforme explica a especialista, a necessidade é de que as crianças tomem todo o esquema vacinal, que varia para cada faixa etária.Os riscos, detalha Lorena, são maiores para as crianças de cinco anos ou menos. “Principalmente para elas, que têm pulmão, traqueia e brônquios pequenos. Para eles, qualquer secreção pode causar obstrução e pode haver necessidade de internação”, alerta a especialista. A internação nessa faixa etária carrega ainda o risco de outras infecções. “Por conta da imunidade ainda em formação, há o risco de pneumonia bacteriana secundária”, diz.Baixa procura também impactaO problema da falta de vacinas se soma à baixa procura dos pais pelo imunizante. Em Goiânia e Aparecida de Goiânia, que receberam lotes mais significativos de Pfizer Baby, ainda há estoque tanto de primeira como de segunda dose. A cobertura segue baixa. Entre crianças de 5 a 11 anos, 40% não tomaram nem a primeira dose. Já aquelas com idades entre 3 e 4 anos, o porcentual salta para 81%. Não há um número referente a cobertura da faixa etária de zero a 2 anos. A superintendente Flúvia Amorim diz que a pasta observou uma melhora na cobertura entre este e o mês passado, mas que a evolução ainda é insuficiente. “Exemplo disso é que em 30 de setembro tivemos de descartar 200 mil doses de Coronavac que desde junho estavam sendo recomendadas para crianças.”A secretária de Saúde de Inhumas, Patrícia Palmeira, que faz parte do Cosems, diz que os menores municípios também têm o problema de adesão, mas que as doses recebidas foram inferiores à demanda, deixando pais que querem vacinar os filhos sem essa opção. Para a representante das secretarias municipais, a dificuldade com a adesão dos pais já tem saídas conhecidas e que devem ser utilizadas. “Quando o índice de internação era maior, nos acostumamos a fazer ações extramuros, indo até escolas, feiras e praças. Os municípios que fazem isso não estão com coberturas baixas. Agora, esperar que a busca ocorra diretamente nas centrais de imunização, isso não acontece”, cobra Patrícia. Segundo ela, a maioria dos municípios seguem adotando essas estratégias. Conscientização A médica Lorena Diniz diz que de fato há falta de conscientização por parte dos pais. “Infelizmente os pais não estão atentos à importância da vacinação. Isso reflete na baixa procura nos postos, com a desculpa de ser uma vacina nova e do medo dos eventos adversos”, observa Lorena. “A vacinação não protege 100% para não ter a doença, mas vemos com o avançar da vacinação que protege contra os casos graves, internações e mortes.” Sobre os eventos adversos, a médica destaca que o que tem se observado em todo mundo é que as crianças têm menos reações que os adultos. “Até porque os eventos mais comuns são aqueles que estamos acostumados a ver com a vacinação das crianças, que é uma dor local, uma febre com duração rápida e que não deixam sequelas. A doença é muito pior que qualquer evento adverso da vacina”, diz. Outro ponto citado pela médica imunologista para explicar a baixa adesão é a redução das mortes pela doença entre os adultos. “Pela mortalidade dos adultos, que conseguimos reduzir com a vacinação, a população está com a falta de percepção de riscos. Isso também faz os pais não darem a devida importância”, acrescenta.