Pelo menos 809 crianças com até 6 anos de idade perderam o pai ou a mãe em Goiás, em decorrência da Covid-19, de março de 2020 a agosto de 2021. De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), Goiás é o segundo estado com mais crianças nessa situação, atrás de São Paulo (veja quadro). No Brasil, são mais de 12,2 mil órfãos por conta da doença.O conselheiro tutelar da Região Noroeste de Goiânia, Júnior Borges, conta que o número de atendimento de crianças com esse perfil cresceu muito. “Nós fazemos a ponte entre o Poder Judiciário e essas crianças. A prioridade é que elas sempre sejam encaminhadas para parentes. Entretanto, muitas não têm família e vão para abrigos”, diz. O número real de órfãos da Covid em Goiás e no Brasil é ainda maior do que o divulgado pela Arpen-Brasil. Reportagem do POPULAR, publicada no dia 24 de setembro, mostrou que uma pesquisa divulgada em julho na revista científica Lancet apontou que 113 mil crianças e adolescentes brasileiros perderam mãe, pai ou ambos em decorrência da Covid-19. Há ainda os que eram cuidados por avôs e avós. Borges relata que boa parte dos casos de que toma conhecimento é de mães solo que morreram pela doença e cujos filhos foram entregues a parentes. “Existem muitos casos de padrastos que, depois que a mãe da criança morre, não querem mais cuidar dela. Presenciei um caso em que a mãe morreu, o padrasto ficou com sequelas graves. A filha dele não quis cuidar da criança e o menino foi enviado para familiares no Pará ”, diz.O conselheiro conta que não é incomum que ele e outros colegas tenham que ir para outros estados levar crianças para ficarem com familiares de vítimas da Covid-19. “Recentemente fui dirigindo até Araguanã, no Tocantins, levar três irmãos que perderam a mãe. É importante que o poder público nos dê apoio para ajudar essas crianças e também para que os abrigos funcionem bem em um momento de demanda aumentada.”TragédiaUma das famílias afetadas pela Covid-19 foi a de Rosilda de Oliveira, de 44 anos, que mora em Goiânia. Em fevereiro, a irmã dela, Marcília de Oliveira, de 24 anos, deu à luz a um casal de gêmeos enquanto estava internada por complicações da Covid-19. Em março, a jovem não resistiu a doença e morreu. No final do mesmo mês, a mãe de Rosilda também morreu.A responsabilidade de cuidar do casal de gêmeos Maria Eduarda e Luiz Eduardo, de sete meses, ficou com ela. Rosilda trouxe os dois de Novo Brasil, onde a irmã morava, e conseguiu a guarda definitiva de ambos. “O Luiz Eduardo também ficou internado em estado grave por um longo tempo. Eu só pedi a Deus que o salvasse. Queria os dois saudáveis para trazer um pouco de alegria para nossa casa”, conta.Além dos gêmeos, Rosilda, que é mãe de três filhos, cuida de dois netos junto do marido. Ela afirma que sofreu um baque financeiro com a morte da mãe e da irmã e a necessidade de cuidar dos sobrinhos. “Até hoje estou pagando o caixão delas. Graças a Deus, recebemos muitas doações para os bebês”, relata.A mulher é dona de um restaurante, que voltou a funcionar depois de ter ficado fechado por um longo tempo. “Estamos voltando a viver e reconstruindo as coisas. Só continuamos pelas crianças. Elas dão força para nós. A verdade é que essa doença bateu na minha porta e destruiu tudo”, emociona-se. EstadoA Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds) informou que possui dois programas que direcionam recursos para instituições que cuidam de crianças com esse perfil: o Água e Energia e o Pão e Leite. O estado também possui o Programa Mães de Goiás, que é direcionado para mães ou responsáveis de crianças de zero a seis anos de idade, em situação de extrema vulnerabilidade e que estão cadastrados no CadÚnico. Até o final de outubro o governo espera alcançar 22 mil pessoas. Elas irão receber R$ 250 mês. A Seds informou ainda que tem buscado parcerias com o governo federal e “trabalhado na elaboração de projetos que atendam especificamente as crianças chamadas ‘órfãs da Covid-19’”. O relatório final da CPI da Covid, no Senado, vai sugerir a criação de uma pensão especial para órfãos de vítimas da Covid-19. Também já tramitam no Congresso propostas com o mesmo teor. -Imagem (1.2339624)