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Goiás tem sete casos de desaparecimento de pessoas por dia

Diomício Gomes
Preocupação é companheira de Doraci e Maristela: José Eduardo, de 38 anos, sumiu no dia 17 de abril deste ano

Neste sábado (27) faz 41 dias que a vida da cozinheira Doraci Manoel da Costa Dias, de 51 anos, virou de ponta cabeça e se transformou em uma rotina de angústia. O motivo é o desaparecimento do sobrinho. José Eduardo Barbo de Lacerda integra uma estatística preocupante em Goiás, na qual há média de sete pessoas sumidas por dia.

José Eduardo, de 38 anos, vive com a irmã, Maria Stela, no Jardim Miramar, em Aparecida de Goiânia. Ele deixou o local enquanto ela dormia. Depois daquela segunda-feira, ele não foi mais visto. “Ele saiu depois da meia noite”, contou ela.

“Eu estou com pressão alta e eu nunca tinha tido isto antes. Já andei Goiânia inteira. Já rodei em Campinas, na Praça do Trabalhador, onde distribuem comida para mendigos, e até em boca de fumo eu entrei procurando ele”, conta Doraci entre um soluço e outro, aos prantos.

A mulher relata que no dia 17 de abril, José Eduardo deixou a residência onde mora. A preocupação é maior porque o homem sofre de esquizofrenia. “Na rua, ele está sem tomar remédios. Ele fala que ouve vozes, que a voz manda ele matar. Tenho medo de ele fazer mal a alguém e alguém fazer mal a ele”, diz.

A doença de José Eduardo se manifestou após ele perder os pais. De 2019 para cá ele já desapareceu duas vezes. Foi localizado em São Paulo e em Brasília.

O motivo que inquieta Doraci também afeta a família do advogado André Luís Marques de Souza, de 43 anos. Ele deixou um carro para lavar em um hipermercado do Setor Coimbra, no último dia 16. O último registro dele é do circuito de câmeras do local, quando sai de lá.

“Nos dez primeiros dias nós fizemos buscas em todos hospitais, Instituto Médico Legal (IML), abrigos, locais onde distribuem refeições para pessoas em situação de rua em Goiânia, conversamos com algumas destas pessoas”, conta o primo do advogado, Leonardo Marques.

André Luís reside no Setor Bueno, é casado e pai de duas crianças pequenas. O caso está com a Polícia Civil (PC).

Os dois casos citados nesta reportagem são de homens. Esta parcela da população representa a maioria dos desaparecimentos em Goiás. De cada dez registros, seis são deste grupo. O perfil mais comum nestes registros é de negros e adolescentes de 12 a 17 anos (veja quadro).

Os dados são do Mapa dos Desaparecidos no Brasil do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), levantamento divulgado na última segunda-feira (22).

Ainda conforme o levantamento do FBSP, de 2019 a 2021 houve 7.654 pessoas sumidas em Goiás. Em 2021 o estado foi o oitavo maior entre as 27 unidades da federação, com 2.417 anotações. A taxa por cem mil habitantes no triênio foi a 11ª maior: 33,5. Distrito Federal (69,5), Rio Grande do Sul (57,9) e Mato Grosso (51,8) encabeçam a lista.

Dados

As estatísticas a respeito das pessoas desaparecidas e encontradas têm fragilidades.

Uma das plataformas que reúnem os dados de todo o Brasil, o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (Sinalid), indica que Goiás tem 6.477 pessoas desaparecidas. Já o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) tem cerca de 3,1 mil casos ativos. Para todo o País, são 92.032.

O Governo de Goiás mantém uma página na internet com as pessoas desaparecidas e corpos não identificados. A plataforma pode ser acessada pelo endereço https://www.go.gov.br/servicos/servico-id/1096. São apresentadas informações como nome, etnia, gênero, cidade de origem e faixa etária.

As informações do Sinalid são inseridas pelos MPs, após serem notificados, inclusive, por ocorrências encaminhadas pela Polícia Civil. Acontece que nem todos os registros têm o comunicado de localização do desaparecido repassados pelas forças de segurança estaduais.

O braço do MP que trabalha com o Sinalid é o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid), presente em 21 estados brasileiros. O serviço presta assistência à população e também realiza buscas.

Localização

De 2019 a 2021, conforme os dados do FBSP, houve 1.162 registros de pessoas localizadas. A maioria é de homens, com 56,3% e 39,7% de mulheres.

Informações sobre André Luís podem ser enviadas para o primo dele no telefone (62) 99322-1976 ou para a PC no 197.

Quem souber do paradeiro do sobrinho de Doraci, José Eduardo, pode acionar também o 197 ou o (62) 98406-4620.

A polícia recomenda que os familiares não divulguem telefones pessoais. Entre os motivos está a atuação de golpistas.

Doraci recebeu uma ligação de um homem que dizia saber onde estava José Eduardo. Ele pediu dinheiro para deslocar o rapaz para mais próximo. A mulher já se arrumava para ir ao Mato Grosso, mas como ele não enviou localização, desistiu. Ela denunciou o caso para a polícia.

Acesso a bancos de dados ajuda localizar

Um dos dificultadores do trabalho do Plid na busca por desaparecidos são informações imprecisas que chegam por meio das ocorrências. Os servidores do MP-GO fazem contato com os familiares para extrair dados que possam ajudar nas apurações do serviço público.

Uma das dificuldades é que familiares não mantêm os mesmos contatos ou não têm o hábito de atender ligações. “Também é um grupo de pessoas que muda muito de endereço por causa do perfil socioeconômico”, acrescenta o promotor de Justiça Marcelo Miranda, coordenador da Área de Direitos Humanos do Centro de Apoio Operacional do MP-GO.

A localização de demandas nem sempre vem da Polícia Civil. O caso de Doraci, por exemplo, foi captado pelo MP-GO quando a mulher procurava pelo sobrinho no Centro POP da Prefeitura de Goiânia. 

O MP-GO faz buscas em sistemas que possam ajudar na localização do desaparecido. São verificadas informações no Infoseg - plataforma sobre dados de segurança pública - registros da Polícia Técnico-Científica de cadáveres, Detran-GO, Saneago, Equatorial e o Credlink, que monitora efetuação de compras.

A criação de um banco de dados genéticos com corpos de pessoas não identificadas também ajuda no trabalho. Os familiares de desaparecidos são enviados para coleta de material. 

Feliz

Apesar dos desafios, o trabalho tem casos bem-sucedidos. Em maio de 2020, um homem de 58 anos, sumido havia 35 anos, foi encontrado por meio do trabalho do Plid.

O homem tem deficiência mental. Conforme o MP-GO, um dia ele saiu da casa dos pais para passear, algo habitual na época. No entanto, não foi mais visto. A mãe do desaparecido tinha esperança de encontrá-lo, mas faleceu antes que isto fosse possível de ocorrer.

O reencontro ocorreu depois que o homem foi encontrado em um abrigo de Vianópolis. A família residia em Formosa, no Entorno do Distrito Federal.


Investigação de casos requer individualização

Em Goiás, há o Grupo de Investigação de Desaparecidos da Polícia Civil (GID), que cuida da maioria dos casos. Mas quando se trata de crianças, os casos ficam com a Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente (Depai).

Titular da Depai de Goiânia, a delegada Mariza Mendes Cesar explica que não há um roteiro geral para a apuração. “Após o registro, a equipe vai tomar a medida mais efetiva para o caso concreto. O que vai ser feito depende do caso.”

A delegada explica que o primeiro objetivo é localizar o desaparecido. Depois disto, o trabalho pode ter desdobramentos. “Depois vamos verificar se houve ocorrência de algum crime”, completa.

Entre os casos de adolescentes, a delegada afirma haver muitos casos de jovens que saem de casa para morar com namorados ou pessoas que as aliciam por meio das redes sociais, casos que exigem apuração.

O promotor Marcelo Miranda afirma que o desaparecimento de pessoas é um tema que necessita de mais estudo e envolvimento da sociedade. “É uma pretensão minha de criar uma plataforma que permita a gente abrir o sistema e ter uma clareza maior destes dados, que possibilite investigar melhor este fenômeno e permitir que pesquisas acadêmicas se desenvolvam e a partir daí haver a instituição de políticas públicas.”

O promotor também acredita ser necessário investimento em publicidade para que o trabalho do Plid seja conhecido por mais pessoas. “Quanto mais as pessoas souberem que existe um serviço para encontrar os familiares, melhor”, diz Miranda.

Divulgação/Polícia Civil
José Eduardo tem 38 anos e sofre de esquizofrenia
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