Goiânia é a quinta capital brasileira com o maior número de casamentos homoafetivos. Ao todo, foram registradas 1.727 cerimônias desde 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável de casais do mesmo sexo. Entre 2011 e 2012, os casamentos civis eram feitos apenas por meio de decisão judicial. Apenas em 2013 o matrimônio foi garantido e regulamentado.A mudança ocorreu há dez anos, após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitir a resolução 175/13 que proibiu os cartórios de negarem a realização da cerimônia homoafetiva. Em todo o estado, desde a resolução, foram registrados 2.234 casamentos civis. Os dados são da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).Vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), Amanda Souto Baliza destaca que o Poder Legislativo sempre teve dificuldade em debater e aprovar legislação específica sobre os direitos da comunidade LGBTQIA+, entre eles, o casamento civil homoafetivo.Por isso, explica ela, os movimentos sociais no Brasil buscaram o Poder Judiciário. Com a movimentação, em maio de 2011, o STF equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre casais heterossexuais, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.A advogada aponta que, no contexto político atual, é “difícil dizer que o direito pode ser perdido, mas não impossível”. E cita, a exemplo, uma decisão da Supremo Corte dos Estados Unidos (EUA) que derrubou, em 2022, cerca de 50 anos depois da decisão, o direito ao aborto legal no país, definido pela própria corte na década de 1970.Ela relembra ainda que a resolução do CNJ, de 2013, já chegou a ter a constitucionalidade questionada junto ao STF, mas nunca foi derrubada. Conforme a vice-presidente da CFOAB, a falta de legislação específica sempre é um risco. “O ideal, para ter segurança jurídica maior, é que tenha uma lei, uma emenda constitucional, para que fosse mais difícil (derrubar a resolução).”No entanto, para Amanda, o risco da resolução ser revogada é “muito pequeno” considerando a composição atual do STF que classifica como “progressista”. “Os ministros têm decidido no princípio da não discriminação, princípios internacionais e outros parâmetros, que não consigo vislumbrar que o direito seja retirado”, destaca.A respeito da celebração de casamento civil antes da regulamentação por parte do CNJ, ela pontua que os casais homoafetivos precisavam contratar algum advogado para entrar com ação judicial. “O Ministério Público emitia parecer e então o juiz sentenciava”, explica.Em junho de 2011, um mês após o reconhecimento do STF, o Brasil registrou o primeiro casamento homoafetivo em Jacareí, interior de São Paulo. O matrimônio celebrado pelo casal Luiz André Rezende Moresi e José Sergio Sousa ocorreu diante de autorização da 2ª Vara da Família do município.Já em dezembro de 2012, ocorria o primeiro em Goiás, com o casamento entre Michelle Almeida Generozo e Thaise Prudente, À época, a advogada Chyntia Barcellos, representante do casal, disse que o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) negou o pedido e o encaminhou à 3ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, que autorizou a cerimônia no civil.ConquistaPara a advogada Mariane Stival, de 43 anos, os avanços nos direitos da comunidade LGBTQIA+ são “frutos de conquistas históricas de pessoas que lutaram para provocar o Judiciário e o Executivo para normatizar as relações (homoafetivas)”. “Porque se for esperar lei, não tem lei, ninguém quer tocar nesse ponto”, destaca.Conforme Mariane, o entendimento do STF e a resolução do CNJ, representaram um “avanço significativo” nos direitos dos casais do mesmo sexo. “É uma história de luta. Primeiro consegue a união estável, depois o casamento. É uma construção de direitos”, pontua.Casada no civil desde setembro de 2019 com a servidora pública Jordana Fonseca, de 29, ela conta que a celebração em um cartório de Goiânia ocorreu de forma tranquila. “Extremamente acolhedor. Mesmo tratamento e atendimento (que um casal heteroafetivo)”, explica, acrescentando que, mesmo morando em Anápolis, optou por um tabelionato da capital pois já conhecia o histórico na celebração de casamentos homoafetivos.Com o sonho de exercer a dupla maternidade, em 2021, Mariane e Jordana tiveram, por meio de reprodução assistida, o filho Giuseppe, hoje com 1 ano e 11 meses. Foi a servidora pública que fez a gestação do bebê. O procedimento foi feito em uma clínica de fertilização de Goiânia. Além de Giuseppe, as duas são mães de Maria Eduarda, de 16 anos, filha biológica de Mariane. “Ela é minha filha, e isso também vem dela. Ela se considera filha de duas mães”, diz Jordana.Por conta da gravidez, as duas começaram a se relacionar com outras famílias de casais do mesmo sexo. “Começamos a procurar outras famílias para nos inspirar, saber como funciona, ter um porto em saber que existem famílias parecidas”, explica Jordana. A interação resultou no grupo Famílias Diversas.O jornalista Johny Cândido, de 36 anos, se casou em 2017 com o chefe de cozinha Pedro Ernesto Jacob, de 38, em Goiânia. Ele relata que não teve nenhum tipo de dificuldade no cartório e que o casamento foi para “formalizar o nosso amor perante a lei, a Justiça e a sociedade” mas também para garantir direitos legais resultantes dos matrimônios.“Participar do plano de saúde familiar, adquirir imóveis em conjunto”, conta, acrescentando que a vontade de constituir uma família também foi levada em conta. “A gente já pensava em construir uma família e ter um documento que comprovasse que fôssemos casados facilitaria todo o trâmite burocrático.”Chegada dos filhosEm junho de 2021, o casal celebrou a vinda dos filhos, os gêmeos Mariana e Gael. A gestação foi feita por uma amiga deles, por meio de barriga solidária, e passou por todo um processo. O jornalista explica que, antes da inseminação, durante 1 ano e 3 meses, foi necessário abrir um processo junto ao Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) para obter autorização.“Primeiro decidir ser pai, depois encontrar um útero de substituição. Encontrei a pessoa, preciso abrir o processo no Cremego. Feito isso, preciso também estar munido de um contrato elaborado por um advogado. Depois vou na clínica, onde tenho outro contrato de processo de fertilização, e só depois disso que faz a gestação”, explica.Johny destaca que o avanço nas conquistas da comunidade LGBTQIA+ representa uma “evolução cívica e humana”, o que só foi possível por meio de pessoas que deram a vida à garantia de direitos. “Se isso não tivesse ocorrido eu não poderia usufruir do que temos hoje, onde posso ter uma família reconhecida perante a lei”, finaliza.Cerimônias em Goiás aumentam 788% em 10 anosGoiás é o 11º estado brasileiro com o maior número de casamentos civis homoafetivos, com 2.234 registros. Em 2013, com a resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o estado teve 60 cerimônias celebradas. Em 2022, foram 533, o que representa um aumento de 788,3% em dez anos.Proporcionalmente à população de cada estado, Goiás ocupa a 8ª posição, com um casamento homoafetivo a cada 3.111,4 habitantes, atrás apenas do Distrito Federal (1.234), São Paulo (1.546,9), Santa Catarina (2.024), Mato Grosso do Sul (2.391,3), Rio de Janeiro (2.527,4), Espírito Santo (2.872,1) e Ceará (2.916,5), respectivamente.Conforme os dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), até abril de 2023, Goiás já registrou 144 matrimônios. A maioria é entre mulheres, com 73 cerimônias, sendo 71 entre homens. Ao todo, o número também se mantém maior entre pessoas do sexo feminino. De 2013 a abril de 2023, foram 1.169 casamentos entre mulheres e 1.065 entre homens.No caso dos matrimônios entre mulheres, foram 31 no primeiro ano do registro da Arpen e 270 ano passado. O aumento foi de 770,9%. Dos 29 matrimônios de casais do sexo masculino, contabilizados em 2013, houve crescimento de 810,3% até 2022, quando 264 casamentos foram celebrados. A alta nos números é uma tendência desde a resolução do CNJ. Apenas em 2019 houve declínio em relação ao ano anterior. Em 2018, foram 218 casamentos, ante os 135 no ano seguinte, com diminuição de 38%. Em 2020, por outro lado, foram 233 cerimônias e, em 2021, 255. Crescimento de 109% em relação 2022.Em números gerais, São Paulo é o estado com o mais casamentos homoafetivos: 29.753, o que representa 38,9% do total registrado em todo o Brasil (76.430). Dentre os seis primeiros colocados, todos são das regiões Sudeste e Sul(veja quadro). No primeiro ano da resolução do CNJ, a Arpen registrou 3.700 celebrações. Em 2022, foram 12.987, um aumento de 251%. Do total contabilizado em todo o País, 42.872 são de matrimônios entre mulheres, ou 56%. Entre casais do sexo masculino, foram 33.558 (44%).Entre os cinco estados com mais celebrações homoafetivas, além de São Paulo, Rio de Janeiro tem 8,6% do total, seguido por Minas Gerais (6,6%), Santa Catarina (5%) e Paraná (4,6%).-Imagem (1.2659246)