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Goiânia está 1,3°C mais quente

Fábio Lima
Trabalho sob o sol: em Goiânia, os dias no ano com temperatura igual ou maior a 35 °C saltaram de 20 para 31

A temperatura média anual de Goiânia aumentou 1,3°C quando comparados os períodos de 1961 até 1990 e 1991 até 2020, sendo que os dias no ano com temperatura igual ou maior a 35 °C saltaram de 20 para 31. Especialistas chamam atenção para setembro, quando a capital sofre com a estiagem. No período analisado, o mês apresentou o maior incremento na temperatura média: 1,8°C. O avanço das ondas de calor deve contribuir para que os termômetros de Goiânia marquem temperaturas ainda mais altas nos próximos anos.

Os dados são do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Segundo a meteorologista da instituição, Elizabete Ferreira, o cenário de aumento da temperatura entre as normais climatológicas demonstra que, na prática, Goiânia enfrentou muitos dias de calor acima da média nos últimos anos. “A nossa primavera está mais quente”, detalha. Nesse contexto, ela acredita que as sucessivas ondas de calor que ocorreram no segundo semestre do ano passado e tendem a se repetir neste ano e nos próximos, serão decisivas. “Vão fazer a temperatura continuar subindo na capital”, diz.

Um estudo recente da Climate Central, organização americana de monitoramento meteorológico, analisou dados de 678 cidades, sendo 15 do Brasil. Goiânia foi a segunda cidade brasileira que apresentou a maior anomalia de temperatura no período de dezembro de 2023 a fevereiro de 2024, com aumento de 0,99°C, perdendo apenas para Vilha Velha, no Espírito Santo, que registrou aumento de 1,15 °C.

Doutor em geografia e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Diego Tarley Ferreira do Nascimento explica que os parâmetros climáticos influenciam uns aos outros. Por isso, o aumento da temperatura pode atingir o regime de chuvas e vice-versa. Entre os períodos de 1961 até 1990 e 1991 até 2020, outubro apresentou a maior variação da temperatura máxima, com aumento de 2,2°C. O mês também foi o que registrou a maior redução na precipitação acumulada. Saiu de 166,9 milímetros (mm) para 144,1 mm.

O especialista esclarece que isso faz com que cada vez mais Goiânia só comece a receber chuvas regulares perto de novembro. “Um prolongamento da estiagem”, destaca. O Rio Meia Ponte, que abastece boa parte da capital com água para consumo, depende das chuvas para manter a vazão adequada. “Mudanças no regime de chuvas afetam a cobertura vegetal, que vai influenciar na ocorrência de chuvas. Um efeito cascata. É um ponto de alerta pois a chuva que cai no Cerrado alimenta os aquíferos”, detalha Tarley.

Quando analisada a precipitação acumulada anual, para além do recorte do fim da estiagem, Goiânia apresentou aumento do volume de chuvas. De 1.571,4 mm entre 1961 e 1990 para 1.610,8 mm entre 1991 e 2020. Entretanto, Tarley destaca problemas em relação a distribuição da precipitação. “Essas chuvas intensas não recarregam os mananciais. Uma coisa é chover 50 mm em uma semana. Outra é chover 50 mm em uma hora”, enfatiza. O maior incremento na precipitação ocorreu em março (51,7 mm), mês conhecido pelas tempestades e enxurradas na capital.

Políticas públicas para enfrentar as altas temperaturas

Para enfrentar as altas temperaturas, o corpo humano pode ser levado ao máximo, ocasionando quadros de fadiga, exaustão e até insolação. Em 2022, estudo do projeto Salud Urbana en América Latina (Salurbal) analisou a relação entre as temperaturas extremas e a mortalidade em cidades da América Latina. A conclusão foi de que quase 6% de todas as mortes podem ser atribuídas às temperaturas extremas.

Em uma pesquisa publicada em março deste ano, Christovam Barcellos, do Observatório de Clima e Saúde, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), mostrou que a dengue vem se espalhando para as regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil, onde a doença não era tão comum, por conta do aumento de eventos climáticos extremos, como o aumento das temperaturas e inundações, tendo a degradação do Cerrado como fator decisivo.

Tarley aponta que a mitigação das mudanças climáticas depende de políticas públicas. “É necessário, por exemplo, plantar árvores em locais com enxurradas e pouca impermeabilização, pois elas ajudam a proteger o solo. Elas também ajudam a amenizar a temperatura por meio dos seus processos fisiológicos. O básico funciona. O problema é que falta governança. Não podem ser plantadas em qualquer lugar ou apenas nas regiões periféricas. É necessário planejamento. Corredores, telhados e paredes verdes ajudam a refrescar a cidade”, diz.

O Plano Diretor de Goiânia contempla a elaboração de um Plano Municipal de Mudanças Climáticas. De acordo com a Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), está em tramitação um processo que traz a minuta de um decreto que cria o Fórum Goianiense de Mudanças Climáticas. Ele deverá ser coordenado pela agência e tem como intuito promover a cooperação, o diálogo e desenvolver estratégias entre os diferentes setores da sociedade para o enfrentamento das mudanças climáticas e as consequências socioambientais e econômicas advindas delas. Dentre as atribuições do fórum está justamente a elaboração do Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas de Goiânia.

Segundo a agência, também tramita um processo na Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra), em parceria com a Amma e o Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Goiânia (Codese), para criar a primeira zona de amortecimento de um parque urbano, o Parque Areião Washington Novais. O objetivo é ligar os parques que não são lineares através de corredores ecológicos que conectam essas zonas de amortecimento.

Nesse sentido, a Amma destaca o plantio de 3,5 mil árvores em 7,4 quilômetros de extensão na Marginal Botafogo. As mudas já começaram a ser plantadas e o lançamento acontecerá na próxima terça-feira (26). Além disso, a pasta desenvolve ações e projetos pontuais que passam pela arborização, educação ambiental e adoção de parques e lixeiras.

Situação se repete no restante do estado 

O aumento da temperatura média anual não é uma exclusividade de Goiânia. Outros locais de Goiás também apresentaram crescimento. Aragarças, na divisa com Mato Grosso, saiu de 24,9°C entre 1961 e 1990 para 26°C entre 1991 e 2020. Catalão, na região Sudeste, saltou de 22°C para 23,2°C. Diego Tarley afirma que a literatura científica aponta para o aumento das temperaturas em uma escala global e local. “Inquestionável”, frisa.

Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o agravamento das condições do clima impõe ao governo estadual “o desafio de implementar políticas públicas com o objetivo de ampliar a resiliência climática do Estado”. Uma das frentes de trabalho acontece no Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas (Cimehgo), que monitora indicadores. 

Ele foi o responsável, por exemplo, por oferecer dados para que o governo estadual pudesse se organizar para auxiliar os municípios do Nordeste goiano atingidos por chuvas torrenciais e alagamentos nos últimos anos. A pasta também conta com uma Gerência de Mudanças Climáticas que trabalha no planejamento de ações, de médio e longo prazo, voltadas para adaptação climática, resiliência e neutralização de emissões de carbono em Goiás. 

No âmbito da discussão sobre recuperação de áreas degradadas, a Semad destacou o programa Juntos Pelo Araguaia, que está em execução desde junho de 2019 e que visa a recuperação de 10 mil hectares na bacia do Araguaia, tanto em Goiás quanto no Mato Grosso. “O JPA trabalha não só com os aspectos ambientais da região, mas também com ações educativas junto aos produtores rurais. Já foram beneficiadas 20,9 mil pessoas diretamente e 60 mil indiretamente”, frisou nota enviada pela pasta.

Além disso, em outubro de 2023, a Semad publicou um documento chamado “Estratégia Goiás Carbono Neutro 2050”. Ele reúne um conjunto de ações que tem como objetivo preservar o Cerrado, avançar na recuperação de áreas degradadas e diminuir a poluição, equilibrando isso com o desenvolvimento econômico. A intenção é neutralizar as emissões de gases de efeito estufa em Goiás até 2050. 

Um dos eixos de trabalho é o da sustentabilidade territorial, no qual entram as ações de recuperação de vegetação nativa em ecossistemas degradados. Segundo a Semad, o norteamento proposto “passa pela promoção de cadeias de valor sustentáveis, que valorizem produtos locais de origem agropecuária e florestal produzidos de forma ambientalmente responsáveis”. 

A estratégia envolve também valorizar sistemas de produção integrados, possibilitando sistemas agroflorestais. Além disso, é fomentada a utilização de bioinsumos e se propõe práticas de agricultura regenerativa que priorizem a saúde dos solos, o uso sustentável dos recursos naturais e a produção de alimentos mais resilientes. A pasta destaca ainda a promoção de “padrões de sustentabilidade específicos para diferentes setores, assegurando critérios claros para práticas ambientalmente adequadas”. 

Seca extrema faz plantas crescerem 33% menos  no Cerrado

A simulação de seca extrema fez com que plantas crescessem 33% menos no Cerrado. Esse foi o resultado de um estudo em escala global, e realizado em parceria com a UFG, que avaliou as possíveis consequências ecológicas do fenômeno. No Brasil, foram avaliados três ecossistemas campestres distribuídos em quatro áreas: uma no Nordeste, outra no Rio Grande do Sul, e duas no Parque Nacional das Emas, em Goiás. 

Segundo o professor da UFG e pesquisador responsável por acompanhar as respostas das áreas em Goiás, Marcus Cianciaruso, elas sofreram com o impacto da seca extrema frente às duas outras áreas. Com a redução de 25% da precipitação  esperada para anos normais, a perda de produtividade primária foi de 33%. Dentre as principais consequências, Marcus destaca a redução na capacidade de remoção do CO2 da atmosfera. 

“Ela é diretamente proporcional ao quanto as plantas crescem. Se elas crescerem 30% menos, então, a redução é de 30%. Em teoria, as plantas podem começar a produzir menos flores e frutos no médio e longo prazo. Isso teria impactos diretos na fauna de animais que consomem e polinizam essas plantas. A própria redução da biomassa das plantas pode reduzir a cobertura do solo, aumentando processos de erosão, maior evaporação do solo e no médio-longo prazo afetar o sistema de recarga de aquíferos e aumentar a quantidade de solo que chega nos corpos d’água. Uma série de eventos em cadeia podem ocorrer”, discorre o professor.

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