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Imbróglio judicial da coleta de lixo em Goiânia se arrasta por seis meses

Diomício Gomes
Consórcio Limpa Gyn faz coleta de resíduos sólidos, coleta seletiva, remoção de entulhos e varrição mecânica: contrato é de R$ 470,3 milhões

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), desembargador Carlos Alberto França, solta uma liminar derrubando uma decisão também liminar de um colega do Judiciário que suspendia a continuidade do processo de terceirização da coleta de lixo em Goiânia para que se averigue supostas irregularidades na licitação lançada pela Prefeitura em outubro de 2023. Esta cena se repetiu duas vezes: a primeira no dia 29 de dezembro último e a segunda, agora, nesta sexta-feira (7).

Há seis meses, a licitação ainda estava no mesmo dia da decisão e na véspera a desembargadora Beatriz Figueiredo Franco, então plantonista no 2º grau do TJ-GO, havia acatado reclamação da empresa Promulti Engenharia, do Rio de Janeiro, alegando falta de isonomia no processo licitatório e determinou que fosse mantida a suspensão decidida pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO). Carlos Alberto afirmou que a suspensão poderia causar “dano grave à ordem e à saúde pública”.

Agora, a licitação já foi homologada e o contrato, assinado em 22 de abril, pelo consórcio Limpa Gyn. Novamente a Promulti Engenharia acionou a Justiça, com o mesmo argumento, e desta vez foi o juiz William Fabian, da 4ª Vara de Fazenda Pública Municipal e de Registros Públicos de Goiânia, quem suspendeu liminarmente na terça-feira (4) tanto o contrato como a licitação. Assim como em dezembro, a Procuradoria Geral do Município (PGM) entrou com ação anulatória direcionada à presidência do TJ-GO.

E o argumento de Carlos Alberto foi o mesmo ao derrubar a liminar de William: “A situação referente à prestação de serviços de coleta de lixo é de uma enorme gravidade no Município de Goiânia e é constantemente noticiada na imprensa, do que resulta que a suspensão de contrato celebrado com empresa vencedora do processo licitatório causa dano à ordem e à saúde públicas”, escreveu na decisão desta sexta.

A decisão do presidente do TJ-GO é mais uma etapa do imbróglio envolvendo os questionamentos sobre possíveis ilegalidades na licitação realizada no final de 2023 e os posicionamentos divergentes dentro do Judiciário e do TCM-GO. No tribunal de contas foram abertos três processos desde dezembro, sendo que todos foram encerrados após a conclusão da fase de escolha de quem assumiria os serviços. Na Justiça, são pelo menos cinco no TJ-GO e dois no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Todos os processos têm como origem as denúncias feitas pela Promulti Engenharia, que desde o início do processo licitatório, em outubro de 2023, aponta possíveis irregularidades no edital vencido pelo consórcio. A empresa carioca afirma que, da forma como a licitação foi ofertada, impediu uma ampla e justa concorrência das empresas interessadas. Ela denuncia o uso indevido do critério para seleção do vencedor, a estimativa equivocada de quantitativos e o impacto sobre o valor das propostas e comprovação de habilitação técnica.

O Ministério Público de Contas (MPC) chegou a se posicionar no começo do ano favorável à investigação em parte das denúncias feitas, porém o processo foi arquivado ao fim da licitação. Na Justiça, até esta nova queixa que embasou a decisão do juiz da 4ª Vara de Fazenda Pública Municipal, os questionamentos estavam relacionados mais a um conflito de posicionamentos dentro do TCM-GO do que ao mérito das denúncias, que não chegaram a ser apuradas fora do órgão fiscalizador.

No caso da liminar dada por Carlos Alberto em dezembro, esta chegou a ser derrubada também após recurso que envolveu o STJ. Prevaleceu então a liminar da desembargadora, mas com o fim da licitação e do plantão forense o processo mudou de mãos e foi decidido pelo seu arquivamento em maio após a Prefeitura argumentar que com a assinatura do contrato e a decisão do TCM-GO de não levar adiante as denúncias perdeu-se o objeto que deu origem à decisão de Beatriz.

Contrato mantido

O Limpa Gyn, que é formado por empresas de Goiânia, Catalão e Brasília, assinou o contrato de R$ 470,3 milhões em março para coleta de lixo, coleta seletiva, remoção de entulhos e varrição mecanizada. No dia 22 de abril começou a gradativamente executar o serviço, assumindo algumas regiões da cidade e deixando as outras com a Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg). A varrição mecanizada não era executada em Goiânia até então.

Para o desembargador, a PGM está certa ao dizer que se a suspensão do contrato fosse mantida a Comurg não teria condições para reabsorver o que já está sendo executado pelo consórcio desde abril. A companhia prestava os serviços de forma integral até o Limpa Gyn começar, de forma gradativa, a assumir. O fato de a companhia ainda atender parte da cidade não foi citado nem no recurso nem na nova decisão.

“Como bem ressaltado pelo Município de Goiânia na peça pórtica, a Comurg não tem, atualmente, maquinário para resguardar a manutenção do serviço de coleta de lixo em tempo efetivo, posto que o contrato que viabilizava a disponibilização de caminhões em seu favor já foi rescindido”, escreveu Carlos Alberto.

Assim como na decisão de dezembro, o presidente do TJ-GO voltou a abordar um possível conflito entre o interesse público e o interesse privado, argumentando a favor da prevalência do primeiro, “sob pena de grave lesão à ordem pública”. “A legalidade dos atos licitatórios está sendo discutida na ação de origem e, entendendo-se, no mérito, no sentido da ilegalidade, poder-se-á anular os atos praticados”, finalizou.

O trabalho do consórcio não chegou a ser suspenso na prática porque formalmente nem a Prefeitura nem o grupo foram notificados da decisão de terça. Mesmo assim, nesta quinta (6), o Limpa Gyn entrou com um recurso argumentando que já investiu mais de R$ 90 milhões com aquisição de bens, que foram adquiridos até o momento 120 equipamentos novos e contratados 509 funcionários, que em sua grande maioria são motoristas e coletores de resíduos sólidos. Se a suspensão fosse mantida, afirma o consórcio, estes empregos seriam extintos.

Apesar de apresentar dados do grupo, os representantes do mesmo justificam no recurso que os prejuízos com a suspensão seriam da população. “É inequívoco que a manutenção dos efeitos da liminar concedida nestes autos implicará em grave lesão ao interesse público da população goianiense, que, inevitavelmente, seria obrigada a receber um deficiente serviço público de coleta de lixo (em razão da liminar), enquanto não fosse decidido o direito particular da autora, de poder participar do processo de licitação para ter condições de, individualmente, poder angariar maiores lucros.”

Assim como a Prefeitura, o consórcio também critica a Comurg dizendo que antes da terceirização o risco de paralisação dos serviços “era iminente” e agora, se a suspensão prosseguir, “evidente”. A crítica também foi para o magistrado.

“Não é necessário um esforço hercúleo para perceber o impacto que a decisão agravada trará para a sociedade em geral e para o consórcio/agravante. É no mínimo curioso que, ao prolatá-la, o juízo de 1º grau tenha desconsiderado essa realidade e as consequências que advirão dela”, afirmou o Limpa Gyn no recurso.

Na petição enviada à Justiça, o Limpa Gyn também rebate ponto a ponto as denúncias feitas pela Promulti. O juiz ainda não se manifestou sobre este recurso. Nesta sexta, o único avanço no processo na 4ª Vara se refere à comunicação sobre a decisão de Carlos Alberto.

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