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Invasões fazem Morro da Serrinha virar área de favela e lixão em Goiânia

Fábio Lima/O Popular
Ocupações irregulares tomam conta do alto do Morro da Serrinha, no Setor Pedro Ludovico, que é uma área de preservação ambiental

Localizado na região Sul de Goiânia, o Morro da Serrinha nunca figurou entre prioridades de políticas públicas, embora tenha grande importância ambiental por preservar resquícios do Cerrado e ser citado como referência na história do nascimento da capital. Moradores e empresários da região voltam a se mobilizar para que o Governo de Goiás, que detém a área, a transfira para a Prefeitura de Goiânia, na esperança de que o lugar seja efetivamente recuperado, preservado e transformado em espaço de lazer e convivência.

Em novembro de 2019 o então prefeito Iris Rezende prometeu a um grupo de empresários e moradores das proximidades do Morro da Serrinha que não mediria esforços para transformar a área em espaço de convívio social. Participou da reunião vereador Cabo Senna (Patriota), autor de requerimento aprovado pela Câmara Municipal de Goiânia que solicita ao Estado a cessão da área ao município. Estavam presentes representantes da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

Um ano e cinco meses depois, nada avançou. O pedido de Cabo Senna está parado na Secretaria Estadual de Administração (Sead).

Presidente da Associação dos Amigos do Morro da Serrinha, Álvaro Caetano de Oliveira Filho disse ao POPULAR que o governador Ronaldo Caiado não tem interesse em levar adiante o projeto de um parque no Morro da Serrinha por falta de recursos financeiros. “O prefeito Iris Rezende enviou um ofício a ele e esta foi a resposta.” Caetano afirma que tem tentado uma audiência com o governador. “Queremos saber se ele vai passar área para a Prefeitura de Goiânia. Caso contrário, vamos pedir que ele faça o parque. O que mais nos preocupa é o aumento do número de invasores e a ocorrência de incêndios.”

Na segunda-feira (26), de acordo com Caetano, uma grande queimada foi observada na área. Em um vídeo que criou, a associação volta a enfatizar a negligência com o Morro da Serrinha e a cobrar providências das autoridades. “O morro da história transformado numa favela e num lixão. O que fizeram da reserva ambiental Morro da Serrinha?”, diz o narrador, enquanto surgem cenas de ocupações irregulares e de lixo lançado na área.

Dilapidação

“Onde estão as autoridades do município e do Estado que há mais de 40 anos permanecem omissas e coniventes com essa acintosa dilapidação de um patrimônio da história, da cultura, do meio ambiente e da vida?”, questiona o narrador

No vídeo, há referência também a pessoas que têm ocupado o alto do morro para fazer orações. “Algumas têm feito acampamentos. Já cheguei a contar cerca de 40 barracas”, diz o presidente da associação que menciona um pastor evangélico que estaria incentivando as ocupações. “Orações são importantíssimas sempre, todo o tempo e lugar, mas todo religioso, como todo cidadão, sabe que é preciso ter bom senso, respeitar a lei, e ter consciência do que é privado e patrimônio público de preservação do meio ambiente”, enfatiza o narrador do vídeo.

 

Semad aguarda reintegração

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) diz que aguarda a reintegração de posse da área para efetivar a municipalização do Morro da Serrinha. Em nota, a secretaria afirma que já existe uma decisão judicial nesse sentido, dentro da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado (MPE).
“A área está ocupada irregularmente há mais de uma década, o que levou o Ministério Público a ingressar com uma ação civil pública, em 2014, em que relata as consequências da apropriação indevida e requer que sejam tomadas as medidas necessárias à recuperação do local”, diz a Semad.

A secretaria afirma, ainda, que, como proprietário legal da área, "o Estado elaborou e apresentou, inclusive judicialmente, o Plano de Recuperação da Área degradada na data de janeiro de 2021”. 

“ Em 2020, o município de Goiânia solicitou a doação do imóvel para a implantação do Parque Serrinha no local. Contudo, não apresentou os documentos necessários à tramitação do processo, a exemplo da autorização do legislativo municipal para o recebimento de doação com encargo ou comprovação de que o município tem dotação orçamentária para o fim a que se destina a referida área”, afirma.


Preservação apenas no papel

Com 841 metros de altitude e área superior a 100 mil metros quadrados, o Morro da Serrinha, localizado entre os bairros Pedro Ludovico e Serrinha, é o segundo mais alto da capital, atrás do Morro do Mendanha. Desde 1994 é uma Área de Preservação Ambiental (APP) de Goiânia. Nele foram encontradas mais de 70 espécies do Cerrado, como pequi, jacarandá e cagaita, mas no relatório divulgado pela Semad em 2014 foram citadas somente 36. Segundo a memória oficial de Goiânia, foi ali, nos anos de 1930, sobre o lombo de um cavalo, que o interventor Pedro Ludovico Teixeira teria vislumbrado o horizonte e escolhido o lugar da nova capital.

Ao longo dos anos o descaso das autoridades e a ação humana deram outra configuração à APP. O Morro da Serrinha foi desapropriado no início dos anos 2000 pelo Governo de Goiás para instalação do Porto de Telecomunicações (Teleporto), um complexo destinado à transmissão e recepção de sinais de telecomunicações via satélite. O projeto não avançou depois que o Ministério Público (MP) o considerou ilegal por se tratar de construção em cima de morro, uma agressão ao meio ambiente, embora desde 1969 três torres de telefonia ocupem o topo. Mais tarde foi construído ao lado um reservatório de água da Saneago.

Após a manifestação do MP, em 2008 3 mil pessoas fizeram um abraço simbólico em torno do Morro da Serrinha, pedindo a criação de um parque ecológico. Em 2014, o MP propôs uma Ação Civil Pública para recuperação e preservação do lugar. Naquele ano, relatório técnico encomendado pela Semad sobre a viabilidade de transformar o Morro da Serrinha em área de conservação revelou que a área estava muito deteriorada, tanto pela intensa circulação de pessoas para a prática religiosa quanto pelos adeptos de montain bike, que criaram trilhas no terreno acidentado, favorecendo erosões, de vândalos e de usuários de drogas. Até mesmo uma lanchonete funciona no alto do morro sem nenhuma fiscalização. O relatório recomendou que seja criado um parque urbano, atribuição que não cabe à Semad.

Mesmo assim, em 2017, o então titular da pasta estadual do Meio Ambiente, Vilmar Rocha, acenou com a possibilidade de criação do Parque Estadual Morro da Serrinha. 
Fez reunião com moradores da região, ambientalistas e empresários. Cinco mil mudas chegaram a ser plantadas na área numa parceria com a iniciativa privada. A proposta também ficou pelo caminho.

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