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Justiça manda tirar ocupantes do Morro da Serrinha, em Goiânia

Wildes Barbosa
Policiais militares notificam pessoas que ocupam o Morro da Serrinha, na região Sul de Goiânia

As pessoas que atualmente estão acampadas no alto do Morro do Serrinha foram notificadas nesta segunda-feira (8) sobre a determinação judicial de desocupação do espaço, uma área de preservação permanente (APP) que historicamente tem sido usada por grupos religiosos para orações, cultos e atendimentos. O processo tramita na Justiça desde 2015, e no último dia 17 de abril a juíza Zilmene Gomide da Silva, da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Goiânia, reiterou a decisão para que as construções ali montadas de forma irregular sejam retiradas.

O número de pessoas que ficam no local de forma mais permanente é incerto. No alto do morro há tendas pequenas, com camas, que servem de moradia temporária, seja para alguns fiéis ou voluntários, e há tendas maiores usadas por dois grupos religiosos: o Instituto Grupo de Resgate de Almas para Cristo (Igrac) e a Tenda 1º é Deus. Entretanto, a maioria das pessoas que frequentam o local são fiéis que aparecem mais nos horários de cultos ou para orações em horário certo.

As lideranças dos dois grupos falam que não vão resistir caso o poder público tome a iniciativa de recolher as tendas, mas pedem que antes seja possível as pessoas que estão residindo no local retirem os objetos pessoais. Elas também reclamam do que chamam de atropelamento do processo jurídico, aguardam uma decisão da segunda instância e cobram do poder público uma alternativa para que sigam atendendo os fiéis, principalmente os que dependem deles para ajuda contra dependência química e envolvimento com criminalidade.

A desocupação havia sido autorizada em janeiro de 2019 e reiterada algumas vezes depois, mas foi suspensa durante a pandemia da Covid-19 por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Paralelamente, há uma outra ação tramitando na Justiça a pedido do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) para que seja feita a recuperação ambiental do morro, mas esta está suspensa até que se promova a reintegração de posse ao estado.

Por alguns meses, um conflito de competência entre as varas que cuidavam destas duas ações envolvendo o morro suspendeu o trâmite da reintegração, mas agora a partir de 2023, já com o STF tendo liberado as desocupações e com o imbróglio sobre quem cuidaria do processo resolvido, a juíza da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual voltou a determinar a desocupação.

Nesta segunda-feira, esteve no local um oficial de Justiça acompanhado de policiais militares e de funcionários da Secretaria Estadual de Administração (Sead) para notificar todas as pessoas que de alguma forma estavam habitando o morro. Oficialmente não há residências fixas no local e os grupos religiosos negam que vivam ali famílias de forma permanente, o que torna difícil a individualização do processo. Nas decisões judiciais é dito que a desocupação envolve todos que estiverem no local no dia da ação de despejo.

O apóstolo Jobson José Bispo, líder do Igrac, entrou com recurso pedindo que a reintegração seja discutida por meio da Câmara de Conciliação Prévia do Tribunal de Justiça criada por meio de decreto judiciário no ano passado, após a liberação das ordens de desocupação. O argumento é que este seria o caminho determinado pelo ministro Luiz Roberto Barroso, do STF.

Entretanto, o estado alega que não é o caso de submissão da ordem de despejo à câmara porque no local não há habitações urbanas, moradias, mas apenas tendas que servem como templos religiosos, estabelecimentos comerciais e espaços usados de forma temporária por fiéis que vigiam o espaço, que trabalham nos templos ou que estão em algum tipo de tratamento espiritual. As câmaras serviriam para tratar de regularização fundiária ou impedir que famílias fiquem desabrigadas.

Em seu pedido, Jobson pede que o processo seja encaminhado para a comissão, reclama que a Justiça tem ignorado sua petição, diz que está havendo um erro de procedimento e pede que sejam ouvidos o MP-GO e a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO). Também quer que os autos sejam encaminhados para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob alegação de que não se está cumprindo uma decisão do ministro Barroso. “Estão despejando uma coletividade de pessoas vulneráveis sem o crivo do contraditório e ampla defesa.”

Uso

No dia 3 de maio, a juíza voltou a despachar concordando com os argumentos do estado sobre o não envio do processo à câmara de conciliação. “Além de não existir mais no local habitações urbanas, mas meros templos religiosos e estabelecimentos comerciais, o local não se presta a moradia, sendo impossível a pretendida regularização fundiária”, escreveu Zilmene. Ainda dentro do trâmite jurídico, o apóstolo entrou com um novo pedido nesta segunda-feira alegando que a magistrada está sendo omissa ao não promover mecanismos de conciliação e mediação e cobra uma audiência.

No dia 26 último, a Defensoria Pública entrou com um agravo de instrumento com pedido de tutela de urgência antecipada para suspender a reintegração de posse até que todos os recursos sejam examinados. Alega entre outras coisas que há no local 20 famílias, algo em torno de cem pessoas, residindo no alto do morro em “uma comunidade consolidada, entre crianças, idosos e pessoas com deficiência física, todas elas vulneráveis economicamente”.

A DPE-GO cita a existência de locais de cultos e orações consolidadas, que “auxiliam diversas pessoas”, e lembra da tramitação de um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) que pede o tombamento do Morro da Serrinha como local de oração. “Desse modo, fica claro que a desocupação forçada do imóvel se mostra como ato arbitrário e ilegal, descabido e inadmissível para o ordenamento jurídico pátrio, em especial tendo em vista o direito constitucional à moradia.”

A área do Morro da Serrinha supera os 100 mil metros quadrados e chega ao ponto mais alto de 841 metros.

Data de retirada não foi informada

A reportagem esteve no morro durante a notificação e os servidores públicos presentes disseram que não havia até o momento uma data para a desocupação e que naquele momento estava apenas sendo feita a ciência da decisão a todos que estavam no espaço. Além disso, a reportagem presenciou uma conversa de Jobson com um funcionário da Sead e policiais militares e em nenhum momento lhe foi dito quando a reintegração aconteceria. 

O apóstolo da igreja diz que se a ação de desocupação ocorrer antes de uma análise dos recursos dele e da DPE-GO não haverá resistência nem conflito, que todos sairão pacificamente, mas pede que o poder público ao menos arranje um novo local para todos e que se permita o uso de uma área no pé do morro, na Avenida da Serrinha, onde há dois imóveis que, segundo ele, são de propriedade do Igrac, com documentação que provaria isso.

“Se não fosse a gente aqui, a área seria usada como motel clandestino, como espaço para drogas, desovar corpos, para crimes. Dizem que a gente degrada aqui, mas plantamos mais de 500 árvores, retiramos mais de 15 toneladas de lixo. As pessoas reformam os apartamentos e jogam o entulho aqui, jogam cachorro morto, a gente limpa. O que estamos pedindo é que o poder público respeite o direito das pessoas de terem sua fé. Tem gente que sobe o morro há 40 anos”, afirmou o apóstolo à reportagem.

Há alguns anos está em discussão a criação de um parque no morro, transferindo a posse da área para a Prefeitura de Goiânia. Entretanto, para que isso ocorra, é preciso primeiramente resolver o imbróglio na ação que obriga o estado a revitalizar o espaço. Recentemente, o poder público cercou o morro com arame para impedir novos acessos e foram feitos trabalhos de remoção de novas habitações e de construção de um templo.

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