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Justiça sugere que Prefeitura de Goiânia age com má-fé processual em dívida da Comdata

Aline Caetano/Asmego
Juiz Rodrigo Brustolin, da 2ª Vara Cível, responsável atual pelo processo da dívida da Comdata com a Minascom

O juiz Rodrigo de Melo Brustolin, da 2ª Vara Cível de Goiânia, reclamou que a Prefeitura de Goiânia teve uma postura bastante contraditória em relação ao pagamento da dívida de R$ 6,9 milhões da Companhia de Processamentos de Dados do Município de Goiânia (Comdata) com a Minascom, de Palmas (TO), e que isso pode ser passível de pena de violação do dever de boa fé processual.

O comentário foi feito em uma decisão na qual o magistrado não homologa um acordo formulado em 3 de maio pela Prefeitura com ela se comprometendo a quitar a dívida em nome da companhia, por ser sua principal acionista. A Minascom entrou com um pedido via judicial em 2017 para que fosse paga a dívida - inicialmente em R$ 900 mil quando adquirida no final de 2010. A Comdata entrou em liquidação no começo de 2011.

O problema é que, ainda em maio, após ter feito o pedido de homologação, a Prefeitura mudou o posicionamento e decidiu abrir um crédito suplementar para a Secretaria Municipal de Inovação, Ciência e Tecnologia (Sictec) no valor da dívida para que este valor fosse então repassado para a Comdata como pagamento pelo uso de softwares da companhia desde 2010. Desta forma, a companhia pagaria a dívida com a Minascom.

Na decisão, o juiz chama a atenção também para o fato de que, antes da proposta, o Paço Municipal se posicionava contra seu envolvimento no processo, alegando não ter nenhuma responsabilidade com relação à dívida. Rodrigo decidiu pela não homologação do acordo, mas a medida não teve impacto nenhum já que após a repercussão negativa do caso a Prefeitura cancelou todas movimentações financeiras relacionadas à dívida.

Rodrigo chega a dizer na decisão que “salta aos olhos o comportamento contraditório” do executivo municipal, “pois inicialmente rechaçara sua responsabilidade pelo pagamento da dívida, posteriormente entendeu ser responsável e mais adiante voltou a dizer que a requerida Comdata possuía recursos suficientes para pagamento da dívida após mencionar ter feito pagamento a ela”.

“Certo é que aquele que participa do processo não pode agir de maneira desleal ou contraditória, de modo a insurgir- se contra seus próprios atos e afirmações (venire contra factum proprium), sob pena de violação do dever de boa-fé processual e da preclusão lógica”, escreveu o juiz.

Procurada pelo jornal para comentar a declaração do juiz, a Prefeitura afirmou que a discussão deve ser feita nos autos do processo. “Tão logo o município seja notificado da decisão, serão adotadas as medidas cabíveis, no âmbito processual.”

No dia 5 de maio, o titular da 2ª Vara Cível apresentou cinco questionamentos para fundamentar sua decisão e na decisão mais recente reclamou que nada foi respondido. Um deles envolvia o fato de se a Prefeitura se colocasse como parte do polo passivo para efetuar o pagamento o processo teria de ser remetido da Vara Cível para uma de Fazenda Pública Municipal, o que poderia atrasar ainda mais o acordo.

A Prefeitura também não respondeu se o acordo iria contra o artigo 100 da Constituição Federal, que versa sobre a ordem de pagamento de dívidas pelo município, e se houve autorização legislativa para a celebração do acordo. As outras duas questões envolvem a situação que causou a indignação do magistrado.

Por fim, o juiz deu 15 dias para que a Minascom informar o que “entende de direito à satisfação do seu crédito” e, caso não o faça, determinou a suspensão do processo por um ano em conjunto com o prazo de prescrição. A empresa tem até o dia 18 de julho para se manifestar e até o momento não consta nada no sistema eletrônico da Justiça estadual.

Entenda o caso

A tentativa de pagamento da dívida, que até então estava sendo tratada nos bastidores e por meio de um processo judicial aberto pela Minascom em 2017, se tornou pública no final de maio, quando foi citada em plenário na Câmara Municipal e noticiada pelo POPULAR. A situação abriu uma crise, com foco na companhia pública, que está em liquidação há 12 anos.

Reportagens posteriores mostraram, por exemplo, que a folha de pagamento salarial da empresa aumentou nos últimos meses e que secretários municipais chegaram a receber jetons por integrar conselho interno da companhia. Além disso, a decisão da Prefeitura gerou a abertura de um processo no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO).

A Comdata era uma empresa pública responsável pelos softwares usados pela Prefeitura de Goiânia. Em 2010, ela comprou da Minascom um servidor de rede corporativo por R$ 1,2 milhão, pagou R$ 300 mil e no começo de 2011 entrou em liquidação. A Justiça já decidiu pela quitação da dívida, mas ainda não foi encontrada uma forma de ser quitada.

No despacho do juiz da 2ª Vara Cível no começo deste mês, ele cita duas petições apresentadas em julho do ano passado pela Procuradoria Geral do Município (PGM) isentando a Prefeitura de qualquer responsabilidade pela dívida. “A municipalidade não é responsável pelo débito discutido, tampouco, foi direcionado ao município a responsabilidade pelo pagamento da referida dívida”, afirmou a PGM na época.

Já no começo de maio, a Prefeitura mudou o entendimento dentro do processo e afirmou ser “o principal acionista e responsável subsidiário pelos débitos da Comdata, uma vez que a referida companhia não possui recurso e nem patrimônio suficiente para tal”.

No dia 6 de junho, a prefeitura enviou uma nova petição à Justiça informando que efetuou o pagamento de indenização pela utilização dos softwares adquiridos pela Comdata em 2010 e que, portanto, a companhia teria recursos para quitar a dívida. O Paço então diz que não “se afigura como devedor da dívida” e que “inexiste interesse de que o ente público municipal integre a lide”.

No dia 20 de junho, o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) desistiu de fazer o repasse para a Comdata via Sictec e usou como justificativa um relatório feito a pedido pela Controladoria Geral do Município (CGM). O documento aponta a ausência de 18 itens no processo administrativo interno da Prefeitura para justificar a legalidade do repasse, entre eles a cópia do contrato da Comdata e o executivo para a cessão do software em 2010. A desistência não foi comunicada à Justiça.

O repassa da Sictec para a Comdata chegou a constar no Portal de Transparência da Prefeitura, mas o titular da pasta, Paulo Cesar da Silva, nega que tenha sido efetivado. Posteriormente, o empenho foi anulado e excluído do site.

Quitação em análise

A reportagem, a Prefeitura afirma que o crédito que a Minascom tem a receber da Comdata está “sentenciado, transitado em julgado e em execução, não havendo mais discussão quanto ao mérito da causa”. Também diz que é dever do liquidante previsto em lei “exigir dos acionistas, quando o ativo não bastar para a solução do passivo, a integralização de suas ações”. Porém, ainda não há uma resposta sobre o que será feito.

“Uma vez que existe nos autos despacho judicial intimando o executado a cumprir com o referido pagamento, e levando em consideração que a Comdata não possui receita financeira e nem patrimônio disponível para cumprir com a execução, a Prefeitura de Goiânia, enquanto principal acionista, vai analisar quais providências serão tomadas em relação ao passivo da companhia”, informou por meio de nota.

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