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Lei Rouanet virou ditadura sob o comando de ex-PM e Mario Frias, diz Sá Leitão

Reprodução / Instagram / @mariofriasoficial

O secretário de Cultura de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, afirmou em entrevista que a gestão cultural do governo Bolsonaro, que ele considera ineficaz, impulsionou os pedidos de ajuda de artistas a governos estaduais.

Em São Paulo, os programas de fomento bateram recorde de inscrições neste ano. Ao todo, 41.817 pediram patrocínio, o que representa um aumento de 338% ante os 9.546 projetos inscritos no ano passado.

Sob Bolsonaro, a Cultura é gerida pelo ator Mario Frias, ex-galã teen de "Malhação", e a André Porciuncula, um ex-policial militar que, mesmo sem experiência com o setor, comanda quase que exclusivamente a Lei Rouanet.

"Bolsonaro deu ao André Porciuncula o cargo não oficial de ditador da Lei Rouanet. O que temos hoje na Lei Rouanet é uma ditadura. Existe uma pessoa que tem poder de vida ou morte sobre projetos culturais", diz Sá Leitão.

É Porciuncula que diz sim ou não aos pedidos de patrocínio para produção de peças de teatro, shows e outros projetos artísticos que chegam ao governo federal, quando o trabalho pertence à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, a Cnic.

A comissão é formada por pessoas com décadas de atuação na cultura, além de representantes do empresariado e das sete entidades vinculadas ao Ministério do Turismo, sob a qual está a Secretaria Especial da Cultura.

O colegiado, no entanto, está desativado desde março, quando terminou o mandato de seus últimos membros, que ofereciam a consultoria ao governo gratuitamente. Desde então, o governo deu a caneta das aprovações ao ex-PM.

"Cresceram os pedidos de ajuda aos estados. O problema é que são poucos os estados que anunciaram programas de fomento, e os que anunciaram tem valores pequenos. São Paulo é exceção da exceção", diz o secretário.

As declarações surgem em meio à polêmica em que Sá Leitão se envolveu nesta segunda-feira ao dizer que havia recebido uma "carta de alforria temporária" do governador João Doria, do PSDB, para participar da cerimônia de posse da nova secretária municipal de Cultura de São Paulo, Aline Torres.

A fala gerou constrangimento entre os presentes, que trocaram olhares de reprovação, segundo relatos feitos à reportagem, já que carta de alforria era um documento por meio do qual um senhor de escravos abria mão dos direitos de propriedade sobre eles.

Sá Leitão também critica a gestão de Mario Frias em relação ao patrimônio público. Ele diz que não obteve resposta para o pedido de transferência da administração da Cinemateca, que pegou fogo no fim de julho, ao governo paulista.

"É muito mais difícil lidar com Mario Frias. Ele é um militante do bolsonarismo que pauta sua atuação pelo desejo de agradar ao chefe. Não tem diálogo. É muito mais difícil do que foi com Regina Duarte e com Roberto Alvim", afirma.

O incêndio, que destruiu filmes e documentos, é apontado por Sá Leitão como uma tragédia anunciada, já que a Cinemateca vinha perdendo funcionários e vendo suas contas atrasarem desde 2019, quando a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, que administrava a entidade, não teve seu contrato renovado.

Um dia após o incêndio, o governo federal decidiu agir, anunciando um edital para contratar uma nova administradora, que receberá R$ 10 milhões anuais --metade do valor que havia sido previsto pelo próprio Ministério do Turismo.

"A perda é significativa, porque é um acervo documental, e a história é contada não só por relatos orais, mas sobretudo por documentos. Com este incêndio, a gente perdeu parte da nossa história", diz Sá Leitão.

Procurada, a Secretaria Especial de Cultura não informou à reportagem se vai transferir a gestão da Cinemateca ao governo paulista.

As críticas do secretário surgem em meio a polêmicas da gestão de Mario Frias, que barrou, por exemplo, a captação de verba via Lei Rouanet pelo Festival de Jazz do Capão, autodeclarado antifascista, com um parecer técnico que cita Deus.

A decisão foi suspensa pela Justiça Federal da Bahia, estado onde o festival ocorre desde 2010. O judiciário mandou a Funarte, a Fundação Nacional das Artes, órgão que havia barrado o pedido, fazer uma nova análise.

O parecer técnico, que ainda cita outras referências religiosas, também é alvo de um inquérito civil do Ministério Público Federal, que já investigava, desde o ano retrasado, suspeitas de impessoalidade em decisões da Funarte.

Em São Paulo, a gestão Doria prometeu investir R$ 200 milhões no fomento cultural --um aumento de 13% ante à verba do ano passado, de R$ 177,2 milhões. Do montante, 9,8% --ou seja, R$ 19,6 milhões-- vieram do governo federal a partir do que restou da Lei Aldir Blanc, criada para socorrer o setor durante a pandemia.

Os pedidos de ajuda ocorreram entre duas modalidades do ProAC, o Programa de Ação Cultural. São eles o ProAC Expresso Editais e o ProAC Expresso Direto, que este ano substituiu as doações empresariais por recursos do governo estadual.

As inscrições para ambas as modalidades terminaram em julho. Agora, o governo avalia quais projetos terão direito ao patrocínio. Enquanto isso, as inscrições para o ProAC Lab, que distribuirá os R$ 19,6 milhões federais, vão até 28 de setembro.

Em paralelo, a gestão paulista conduz a reforma do Museu do Ipiranga, um dos mais importantes do país. O museu, que foi fechado às pressas em 2013 sob risco de queda do forro, será reinaugurado em setembro do próximo ano.

"Atingimos um índice de realização da obra de 70%. O restauro do edifício está quase pronto. O que falta é a obra de ampliação, que é subterrânea, mas tudo está no cronograma. Espero que o governo federal não atrapalhe", diz Sá Leitão.

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