A designer Mariana Santos de Oliveira, 30 anos, fechou no domingo à noite (12) o pequeno ciclo de convivência que teve com o primeiro filho, Júlio César. O bebê de 29 semanas nasceu de parto cesariana no Hospital Santa Bárbara, em Goiânia, sete dias depois que ela descobriu que o feto era anencéfalo. O médico que analisou as ultrassonografias da gestante foi demitido da clínica de diagnóstico. A criança viveu somente três horas.O caso de Mariana foi atípico, segundo o presidente da Sociedade Goiana de Ginecologia e Obstetrícia, Alexandre Vieira. Desde os primeiros ultrassons é possível saber se há uma malformação fetal. A designer disse que foi informada pela clínica do afastamento do profissional que emitiu o laudo, mas ela não desistiu de acionar judicialmente o estabelecimento pelo erro que marcou a sua vida e a do marido Lucas Neves Santana, 27.Há cerca de 40 dias Mariana fez um ultrassom morfológico, mais detalhado, para ver a situação do bebê. Nada foi acusado. Há uma semana, outra médica fez a descoberta ao renovar o exame. A informação tirou o chão do casal, que foi orientado a interromper a gravidez o mais rápido possível. Em razão da gestação avançada, Mariana não poderia abortar e sim induzir o parto.Embora desde 2012, a questão tenha sido definida no âmbito jurídico pelo Supremo Tribunal Federal (leia mais nesta página), o hospital solicitou uma autorização judicial. O casal procurou o Ministério Público e a promotora de Justiça Heliana Godói comunicou o hospital de que a autorização não era necessária. “Entrei no hospital na sexta-feira (10) e tentamos fazer o parto por indução, mas não deu certo. A cesariana foi às 20h40 e o bebê sobreviveu até 23h50.”Mariana conseguiu fazer da experiência um momento reconfortante com a ajuda da doula Juliana Rodrigues. Após o parto, ela e Lucas seguraram o bebê no colo. Uma fotógrafa registrou o encontro afetuoso. A ideia foi de Juliana, que em 2011 viveu situação semelhante, mas viu a filha “ser colocada num saco pelo médico.” Desde então, a doula tenta ajudar outras mães. “O bebê dela tinha anencefalia e acrania (falta do ossinho da cabeça), exatamente a formação da minha filha.”Mariana conta que tudo foi feito de uma forma muito terna. Juliana cobriu a cabeça do bebê para que os pais o segurassem por uma hora e meia. “Foi uma despedida”, conta a designer. Depois, a criança foi levada para a incubadora e de lá para a UTI neonatal para ter uma morte mais confortável. Do lado de fora do centro cirúrgico, os avós e uma tia tiveram a chance de vê-lo pelo vidro. Segundo Juliana, um grupo religioso ameaçou invadir o hospital para impedir o procedimento.Lucas e Mariana acompanharam o sepultamento do filho na segunda-feira. Ela conta que está em paz e agradece a Juliana pelo amparo. O quarto preparado para a chegada do bebê aos poucos está sendo desmontado. “Vou doar as fraldas e guardar algumas roupinhas”, detalha a designer. Apesar da sofrida vivência nos últimos dias de gestação, ela e o marido não perderam a vontade de ter outro filho, o que pode ocorrer dentro de um ano.A doula Juliana Rodrigues soube do caso de Mariana e se propôs a acompanhá-la de forma voluntária. “Eu sou especialista em chegadas, mas atendo também despedidas”, explica sobre os chamados constantes de médicos para que ela acompanhe gestantes que não terão seus bebês. “É preciso ter uma lembrança porque foi uma criança muito amada. O caso da Mariana e do Lucas foi doloroso, mas um momento bonito também.”O casal, por sugestão da doula, terá acompanhamento terapêutico com uma profissional que realiza um trabalho com outros pais que perderam os filhos no parto. “É um grupo de ajuda mútua”, explica Juliana.STF levou oito anos para julgar interrupção de gravidez de anencéfalosDados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que o Brasil é o quarto país do mundo com maior prevalência de nascimentos de bebês com anencefalia. Em cada mil gestações, uma é de feto com essa patologia. Segundo o Ministério da Saúde, em 50% dos casos há abortos espontâneos. Os bebês que chegam a nascer, vivem por pouco tempo e geralmente são cegos, surdos e não interagem com o ambiente externo. No Brasil, a legalização da interrupção da gestação de anencéfalos demorou. Em 2004, o Supremo Tribunal Federal chegou a conceder liminar dispensando autorização judicial para o ato em ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), mas foi cassada pouco tempo depois. Alguns juristas já autorizavam a interrupção, mas havia críticos que entendiam o julgamento como uma tentativa de abrir portas para todo tipo de aborto. A ação voltou a ser apreciada pelo STF meses depois sob muita controvérsia. Foi quando surgiu o documentário Uma História Severina, de Debora Diniz e Eliane Brum, que conta a história de uma grávida de quatro meses de um feto sem cérebro, internada no hospital na mesma tarde em que o tribunal cassou a permissão para interromper a gestação. A produção promoveu uma intensa discussão popular sobre o tema. Para instruir tecnicamente os votos dos ministros, o STF convocou audiências públicas para ouvir especialistas. Entre 2008 e 2009 foram realizadas pesquisas com a população e com médicos ginecologistas-obstetras. O debate continuou até 12 de abril de 2012 quando, por oito votos a dois, os ministros decidiram que médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez não cometem qualquer espécie de crime.