Geral

Medida nacional estanca a expansão de armas nas mãos de civis

Fábio Lima
Instrutor de tiros Gabriel Henrique. Munições são alvos de mudança

O decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o acesso a armas de fogo deve frear a expansão armamentista entre civis no País. A medida publicada no domingo (1°) reduz o limite de exemplares de 60 para três e o de munições de 5 mil para 600 anualmente. Ainda, fica temporariamente proibida a aquisição de armas de uso restrito. Os impactos imediatos, porém, serão de diferentes graus. Para atiradores que já excederam o número de armas e ou que têm equipamentos de uso restrito, por exemplo, não há necessidade de devolução. 

As novas regras foram recebidas de diferentes formas por representantes prós e contra o armamento da população. De um lado, os favoráveis ao armamento criticam o decreto, classificando-o como retrógrado e reclamando de limitações. Já aqueles contrários dizem que a medida é uma sinalização positiva e que há necessidade de consolidação do endurecimento das diretrizes. O ato tem validade inicial de 60 dias. Nesse período, uma comissão do governo irá estudar uma nova regulamentação sobre o tema. 

Entre os 33 artigos, o decreto estabelece ainda a suspensão temporária do registro de novos CACs e de clubes de tiros. Para aqueles já autorizados, fica proibido o chamado “porte de trânsito”. Esta autorização permitia que aqueles com registro de Colecionador, Atirador e Caçador (CACs) transportassem armas carregadas caso justificassem estar a caminho de clubes ou competições. Outra proibição é sobre o uso de armas de fogo por menores de idade. Enquanto as diretrizes anteriores permitiam a prática de tiro esportivo mediante autorização dos pais, as regras transitórias estabelecem que somente poderá ser autorizada por decisão judicial.

Avaliações

A medida publicada como um dos primeiros atos do novo governo sinaliza prioridade para o tema. É o que afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “Vimos com um olhar positivo”, resume. A representante destaca, no entanto, que há bastante o que ser feito. “Apesar de ser um sinal muito positivo, é importante que o novo governo de fato crie um grupo de trabalho, como prevê o decreto, e mantenha uma prioridade na estruturação do controle de uso de armas”, diz. 

Cássio Thyone, presidente do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que os itens estabelecidos no novo decreto já são suficientes para estabelecer os eixos mais importantes. “Vivemos uma verdadeira farra com relação a aquisição de armas. Era uma coisa estratosférica”, afirma. Para o representante, suspender novos registros foi um passo importante para “fechar a torneira e estancar a sangria” da expansão desenfreada. (Veja mais detalhes no quadro ao lado)

Por outro lado, representantes de atiradores têm críticas ao decreto. A Associação Brasileira dos Proprietários de Armas de Fogo (Aspaf) diz em publicação que a medida do novo governo é “revanchista”. “O tiro esportivo é o único esporte fiscalizado diretamente pelo Exército Brasileiro. O único esporte cujo uma pessoa com antecedentes criminais não pode praticar e mesmo assim começa a ser penalizado duramente”, diz a associação em nota. 

O atirador e proprietário de um clube de tiro em Goiânia, Leder Pinheiro, afirma que o novo decreto é um retrocesso. “Não veio falando muita coisa, então para nós ficou parecendo que o pessoal não tem muito manejo sobre a coisa”, diz sobre a decisão do novo governo de não estabelecer outras regras imediatamente. Uma das críticas de Pinheiro é sobre o limite anual de munições, que saiu de 5 mil para 600. “Há atiradores esportivos que para a prática atira isso em um único dia. É a mesma coisa que chegar em um piloto de Fórmula 1 e dizer que ele só pode gastar 60 litros de combustível por ano”, afirma.

Outro ponto criticado pelo empresário é a suspensão do porte em trânsito. “O cara vem para um clube de tiros com dez armas e agora virá desmuniciado. Para o bandido é um prato cheio. O porte em trânsito é segurança para o atirador e para que as armas não parem nas mãos de bandidos. Então o fato de estar desmuniciado é ruim também para a sociedade”, avalia Pinheiro. 

A avaliação de Thyone sobre o porte em trânsito, porém, é de que a ferramenta abria precedentes arriscados. “O que tínhamos efetivamente era 700 mil pessoas com porte de arma. Porque, apesar da lei estabelecer que a pessoa precisava estar em deslocamento para um clube de tiro ou para uma exposição, a pessoa poderia alegar isso indo para qualquer lugar. Indo para a balada com uma arma e poderia dizer que estava no caminho de um clube de tiro”, diz o representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

 

Grupo de trabalho terá desafio de incorporar diferentes demandas 

A missão do grupo de trabalho que irá estudar a nova regulamentação será a de encontrar caminhos que comportem também os interesses dos CACs. É o que avalia Thyone. “Aqueles CACs respeitáveis, que inclusive já existiam antes do antigo governo, deverão ser ouvidos”, afirma. Dessa forma, demandas desta categoria podem ser incorporadas nas novas regras. “Agora, o interesse do CAC não pode se sobrepor ao da segurança pública”, pondera. 

A avaliação de Pinheiro, proprietário de um clube de tiros de Goiânia, é de que as novas regras não devem, na prática, significar o fim dos CACs. “É algo que traz uma arrecadação muito robusta para o governo”, diz. No entanto, o empresário prevê uma “resposta política” por parte do novo governo, o que deve impactar no imaginário da população. “Da mesma forma que com o Bolsonaro houve a divulgação do tiro, o que levou muita gente a procurar, com esta questão da expectativa pela revogação, ainda que eles não venham a proibir de fato, a população acha que está proibido”, afirma.

Sobre o prazo estabelecido para a divulgação das novas regras, Thyone avalia que não seria surpresa caso o período não seja suficiente. “Mas é claro que para nós, pessoas que estão torcendo para que isso ocorra de uma maneira satisfatória, esses dois meses seria o melhor para que a nova regulamentação chegasse logo”, aponta.

Educação
Após a divulgação das novas regras, Thyone diz que o novo governo precisará atuar para enfrentar o imaginário social de que as armas nas mãos de civis oferecem segurança. “Formou-se um imaginário bélico de que essas armas oferecem privilégios individuais, como o da segurança pública. Precisamos explicar que a segurança não depende de estar armado”, explica.

Ainda sobre o enfrentamento do imaginário de que as armas oferecem segurança, o representante do Fórum de Segurança Pública diz que há caminhos, como o de atuar com campanhas mostrando exemplos de outros países. “Mas sim, será difícil convencer muitas pessoas de que elas não podem ser atiradoras a hora que elas quiserem. Mas é fundamental que essas campanhas ocorram”, destaca. 

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