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Ministério Público denuncia quatro por queda de rampa no Serra Dourada durante festival

José Washington / TV Anhanguera
Vista aérea da rampa que desabou durante o Rap Mix Festival, em julho de 2023, no Estádio Serra Dourada: Ministério Público quer responsabilizar profissionais ligados à montagem

GABRIELA BRAGA

O Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) denunciou quatro profissionais ligados à montagem da rampa que desabou durante o Rap Mix Festival, em julho de 2023. O órgão ministerial requer ainda o arquivamento do processo relacionado a outros quatro trabalhadores, responsáveis pela coordenação da segurança do evento, que haviam sido indiciados no inquérito policial concluído no fim de abril. Ao todo, a investigação conduzida pela Polícia Civil do Estado de Goiás (PCGO) apontou a possível responsabilidade de oito funcionários contratados para o evento.

A queda da rampa durante o festival realizado no dia 9 de julho de 2023, no Estádio Serra Dourada, em Goiânia, deixou ao menos 77 pessoas feridas. O total é citado na denúncia protocolada nesta quinta-feira (18) pelo promotor Rodrigo César Bolleli Faria, da 55ª Promotoria de Justiça de Goiânia. A estrutura metálica que ligava a arquibancada ao gramado, onde estava a área do front stage, desabou por volta das 23 horas de uma altura de até cinco metros. O laudo pericial do dia 24 do mesmo mês já apontava que a causa determinante para o desabamento foi a montagem improvisada da rampa. Mesmo com irregularidades, a segurança foi atestada.

Durante o inquérito policial, comandado pela Delegacia Estadual de investigações Criminais (Deic), consta que a empresa responsável pela organização do Rap Mix, Winner Records e Mídia, contratou a empresa paulista Feel Loc Participações e Locação de Equipamentos para a instalação e montagem de toda a estrutura. Esta, por sua vez, subcontratou a empresa Reinaldo Mendes Bicudo EPP para o aluguel das estruturas e o fornecimento de mão de obra.

Os profissionais que assinaram os documentos técnicos em relação à estrutura foram o engenheiro Alex José de Rezende, responsável pelo anotação de responsabilidade técnica (ART) e ligado à Feel Loc, e o arquiteto Enio Gonçalves Lois, da empresa Reinaldo Mendes, que emitiu o registro de responsabilidade técnica (RRT). Já Deives Rogério Vono, da Feel Loc, atuou como “gestor do processo de montagem” e ficou encarregado de repassar as orientações do projetista José Miguel Miranda Gomes, contratado pela própria Winner Records, aos funcionários da Reinaldo Mendes. Os quatro foram indiciados pela PCGO e, agora, denunciados pelo MPGO.

Na denúncia, o órgão ministerial destaca que Enio fez a assinatura do RRT da estrutura provisória. Entretanto, “negligentemente, não compareceu ao local e, consequentemente, não acompanhou a execução e montagem da estrutura”. Já o engenheiro Alex José também teria atuado com negligência, visto que “também não esteve no local e não acompanhou pessoalmente a montagem da estrutura, uma vez que apenas repassou virtualmente orientações para Deives”.

Em relação ao gestor do processo de montagem, o documento diz que o mesmo foi responsável pela intermediação entre a Winner Records e “as subcontratadas para a execução dos serviços de montagem”. Já o projetista contratado diretamente pela organizadora do evento fez a “criação do projeto arquitetônico do evento e orientava Deives sobre a localização, implantação e eventuais alterações na instalação das estruturas provisórias”. Ambos teriam atuado com “inobservância de regras técnicas, especificamente do Manual de Montagens, orientou e permitiu a montagem inadequada da estrutura”.

Enio e Alex José foram denunciados pela prática de lesão corporal culposa (artigo 129, § 6º) e concurso formal (na forma do artigo 70, por 77 vezes), previstos no Código Penal. O último artigo é relacionado “quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade”.

Já a denúncia de Deivis Rogério e José Miguel foi pelo crime de lesão corporal culposa, concurso formal e agravada pela “inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício”. O jornal entrou em contato com os quatro listados na denúncia do MPGO, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

Arquivamento

Ao mesmo tempo, o órgão ministerial decidiu “arquivar parcialmente os autos do inquérito policial”, em relação aos quatro profissionais ligados à segurança do evento: Leonardo Soares da Costa, Paulo César dos Santos, Lianderson Pereira Rezende e Ronaldo Pereira de Paula. Eles foram indiciados no inquérito policial pelo crime de lesão corporal culposa. A decisão do MPGO se deu por, conforme o documento, o laudo pericial já ter concluído que o desabamento foi motivado pela montagem inadequada. Na denúncia, é ponderado que a “culpa é o elemento normativo do tipo, de modo que resta configurada quando há a inobservância do dever objetivo de cuidado, produzindo-se um resultado não querido”. “No caso, ainda que referida inobservância estivesse configurada em relação aos responsáveis pela segurança do evento, certo é que o fato não ocorreu em razão disso.”

O promotor explica que, conforme a perícia feita pela Polícia Técnico-Científica (PTC), mesmo com falhas nos serviços de segurança do evento, “a estrutura colapsada deveria suportar a aglomeração de pessoas, já que foi projetada como saída de emergência”. Dessa forma, não vê “nexo casual” nas condutas dos quatro coordenadores de equipes de segurança do evento. O arquivamento foi justificado pela “ausência de justa causa para a promoção da ação penal” contra eles.

Ainda na denúncia, o MPGO diz que deixa de oferecer acordo de não persecução penal (ANPP) por entender que o caso “além da gravidade do injusto, que acarretou lesões corporais em 77 espectadores, há cristalina repercussão social do fato criminoso, o que denota que o ajuste não é suficiente para a reprovação e prevenção do crime, que merece uma resposta estatal à altura dos graves danos físicos, patrimoniais e morais causados às inúmeras vítimas”.

O ANPP pode ser proposto pelo MPGO nos casos em que ocorre prática de infração penal sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a quatro anos, “desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. A medida alternativa é prevista no artigo 28-A do Código de Processo Penal.

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