A situação vivida por taxistas em Goiânia entre 2016 e 2018 com a chegada do serviço de transporte de pessoas por motoristas a partir de um aplicativo de celular voltou à tona, mas agora com os motociclistas. Há um ano, a atuação dos motociclistas por aplicativos começou a ocorrer na região metropolitana de Goiânia e agora os efeitos na concorrência com o mercado dos mototaxistas cadastrados na Prefeitura chegou ao ápice, com uma estimativa de queda de 80% na demanda e uma disputa considerada desleal.O principal embate se dá em locais de alto fluxo, como nos terminais de ônibus Bandeiras e da Praça da Bíblia e na região da Rua 44, no Setor Norte Ferroviário. O relato dos mototaxistas cadastrados é de que ficam mais tempo parados nos pontos fixos enquanto verificam os motociclistas dos aplicativos realizando viagens, mesmo com irregularidades. Eles contam que verificam diversas situações de insegurança aos passageiros, como entregadores, mesmo com as mochilas e isopores, os chamados bags, realizando viagens com pessoas.“Aparecem pessoas com motos sem quaisquer condições, que devem cadastrar uma moto de alguém e trabalhar em outra. Já vi gente fazendo transporte de pessoas até com Biz, enquanto nós temos que cumprir com burocracias, até com distância mínima e tipo de moto”, afirma Vilnei Barbosa Gonçalves, que atua no Terminal Bandeiras, na região Sudoeste de Goiânia. Ele conta que a diferença de preço entre as viagens é o que faz com que os passageiros prefiram correr o risco.Para se ter uma ideia, o preço mínimo das viagens com os mototaxistas é de R$ 10, enquanto que para uma mesma distância o trajeto via aplicativo sairia entre R$ 4,50 e R$ 5. “Não tem como concorrer. A gente tem que ser registrado, pagar a renovação, manter a motocicleta em bom estado, que deve ser de no máximo 8 anos, não podemos alugar veículo, e ainda fizemos curso para transporte de pessoas. Lá eles só precisam da moto e da carteira de habilitação”, considera Gonçalves. O principal ponto, de acordo com ele, no entanto, é a situação arriscada para as quais os usuários estão submetidos.A reportagem verificou situações com o transporte de pessoas saindo dos terminais de ônibus, Bandeiras e Bíblia, em caronas de motocicletas em situação desconfortável, como com a presença de baús e as mochilas típicas de entregadores de comida, também via aplicativo. No entanto, não foi possível confirmar se se tratava de viagens pagas ou caronas. Em alguns casos, um indício de que seriam trabalhadores que usam os aplicativos é por terem chegado com uma pessoa na carona, que entrou no terminal, e saído com outra que também estava no local.Presidente do Sindicato dos Mototaxistas e Motoboys do Estado de Goiás (Sindmoto), José Carlos Pinto, considera que a situação é calamitosa e não se trata apenas de uma concorrência de mercado. “O transporte de passageiros por carros é diferente do que é com as motos, porque nós temos uma lei municipal e uma resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito). Não é qualquer um com uma moto que pode transportar pessoas profissionalmente”, alega. Na resolução, por exemplo, há a exigência de que as motos tenham uma série de itens de segurança, como alças metálicas, traseira e lateral, destinadas a apoio do passageiro, e aparador de linha fixado no guidão.O documento do Contran estabelece “requisitos mínimos de segurança para o transporte remunerado de passageiros (mototáxi) e de cargas (motofrete) em motocicleta e motoneta”. Nele consta que os condutores devem ter um mínimo de 21 anos, possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na categoria A por no mínimo dois anos, ser aprovado em curso especializado e estar vestido com colete de segurança dotado de dispositivos retrorrefletivos. Essa última não consta nas exigências das operadoras de tecnologia que atuam em Goiânia. As empresas também exigem a regularização dos documentos do veículo, mas ele pode ser de outra pessoa.Já a legislação municipal, de 2001, “institui o sistema de transporte e prestação de serviços através de motocicletas”. Ela determina que as motos devem ter entre 125 e 200 cilindradas e com cano de descarga revestido com material isolante em sua lateral para evitar queimaduras ao passageiro. Neste ano, a Câmara Municipal aprovou uma lei que atualiza a anterior e ampliou para 10 anos o limite máximo da data de fabricação dos veículos utilizados no serviço. Os trabalhadores devem ainda serem cadastrados como autônomos na Prefeitura e, logo, passam a ser obrigados a recolher o Imposto Sobre Serviços (ISS) da atividade.“O que estamos passando é muito pior do que foi com os taxistas, porque tem muita moto em Goiânia e o custo é baixo. Qualquer pessoa que quiser vai ser motorista por aplicativo agora. Compensa muito o serviço em Goiânia, mas não conseguimos competir”, conta o presidente do Sindmoto. Para ele, muitas pessoas que operavam o transporte com os carros já deixaram o trabalho e passaram para as motos, especialmente após as medidas restritivas da pandemia de Covid-19. “Tinham mais de 60 mil motoristas nos carros em Goiânia e foi diminuindo. Nas motos só vem crescendo”, considera.Representante dos profissionais de aplicativos em Goiás, Miguel Veloso acredita que a situação dos mototaxistas é idêntica à dos taxistas com a chegada do serviço. “A divergência é a mesma de quando surgiram os carros com os taxistas. Mas os motociclistas estão trabalhando do jeito certo, os motoboys estão criando uma alternativa que não existe”, diz. Informado sobre as situações verificadas com relação aos tipos de motos e a presença das mochilas e baús, Veloso explica que as plataformas não distinguem o condutor com relação a estar ou não com os itens. “Vai do passageiro aceitar ou não. Eu mesmo considero que pode ser desconfortável e aí o passageiro pode cancelar a viagem e pedir outro, mas se ele aceita isso, não tem problema.”Decreto de regulamentação continua sendo ignoradoO presidente do Sindicato dos Mototaxistas e Motoboys do Estado de Goiás (Sindmoto), José Carlos Pinto, afirma que o desejo da categoria não é impedir o trabalho dos motociclistas que atuam com os aplicativos, mas que eles possam ser regularizados e cumpram com as mesmas obrigações dos mototaxistas cadastrados na Prefeitura. “Já falei com vereadores, com secretários, dizem que vão ver, mas até agora não tem nada. O que todo mundo pensa é: por que eu vou pagar as taxas se eles não pagam?”, diz. Em 2017, em razão da disputa dos taxistas com os motoristas por aplicativo, o Paço Municipal fez um decreto de regularização do serviço, que determinava a obrigação dos trabalhadores a se tornarem autônomos na Prefeitura ou microempreendedores individuais, além de participar de um cadastro de motoristas. As empresas operadoras também deveriam ser cadastradas e pagar uma taxa mensal de 1% da renda bruta, como compensação pelo uso da estrutura viária da cidade. Cinco anos depois, nenhum cadastro foi feito, nem das empresas e nem de motoristas.A Uber e a 99 informaram que atuam legalmente sob o regimento da Lei Federal 13.640 de 2018 acompanhada de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou que os municípios não podem adotar normas e regulações restritivas ou que excedam o que foi estabelecido para todo o País. No caso, a legislação federal não concede taxas para o uso viário e nem a necessidade de cadastramento no município, o que seria uma exigência mais restrita feita pelo decreto municipal. A Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) informa que participa de debates em nível nacional no que se refere ao tratamento com o transporte por aplicativo, já que, devido às suas peculiaridades, os municípios têm enfrentado situações idênticas.A pasta ressalta que, junto com a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh), “enfrentarão essa realidade e acionarão as empresas para que realizarem o cadastro o quanto antes, a fim de que o decreto número 2.890 tenha pleno cumprimento”. “O propósito central será, sempre, fiscalizar a habilitação dos condutores destes veículos e garantir a plena segurança dos usuários.”Desde 2017, com a validação do decreto, a Seplanh informa que expediu para motoristas e empresas que operam o serviço na capital, até novembro deste ano, cerca de 250 autos de infração, além de pelo menos 100 veículos que foram apreendidos durante ações de fiscalização da pasta.