Em mais da metade dos partidos de Goiás, a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) neste ano não foi feita de maneira proporcional ao número de candidatos negros (pardos e pretos), segundo revela cruzamento feito pelo DAQUI em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).O pleito de 2022 foi o primeiro a ter aplicada a regra que determinou aos diretórios nacionais das siglas repartirem, proporcionalmente, os recursos do chamado Fundão entre candidatos pretos e pardos e aqueles que não se declaram negros. Apesar de não serem obrigados a fazê-lo, os diretórios estaduais, porém, podem escolher aplicar a regra em âmbito estadual.Em Goiás, o fundo representou 71% da receita declarada pelos candidatos nas eleições deste ano, segundo as prestações de contas feitas à Justiça Eleitoral: R$ 178,4 milhões dos R$ 251,4 milhões que financiaram as campanhas vieram do Fundão.O Fundo Partidário, que também é alimentado com verbas públicas, foi responsável por 5% das receitas (R$ 12,5 milhões) e os outros 24% (R$ 60,4 milhões) foram de “outros recursos”, que envolvem, por exemplo, doações de pessoas físicas.Como mostra o DAQUI, pretos e pardos representaram 52% dos candidatos, mas tiveram acesso a apenas 38,6% dos recursos de campanha e só conquistaram 31,7% das cadeiras em disputa no pleito estadual, mesmo considerando quem “mudou de cor” desde a disputa de 2018.Dos R$ 178,4 milhões do fundo eleitoral, R$ 74,9 milhões foram para campanhas de candidatos negros, que foram maioria dos postulantes a uma vaga na eleição deste ano em Goiás. Se a regra de distribuição proporcional tivesse sido aplicada, candidatos negros teriam recebido ao menos R$ 93,7 milhões.PartidosA análise por partido mostra que o PSDB foi a legenda na qual pessoas negras receberam a menor proporção de recursos: tucanos pretos ou pardos declararam R$ 792,8 mil do fundo eleitoral, o que representa apenas 6,06% dos R$ 13,1 milhões utilizados por todos os candidatos do partido — R$ 11,4 milhões foram para 12 candidatos que se declaram brancos. O partido teve 36,3% de pessoas negras em disputa. (veja quadro)O segundo partido com menor proporção de recursos distribuídos a postulantes negros foi o PDT, cuja maioria dos candidatos se declarou preta ou parda, mas só tive acesso a 12,8% do fundo: R$ 630,1 mil de R$ 4,9 milhões. A sigla é seguida pelo PT, que destinou R$ 1,3 milhão a negros — 19,2% dos R$ 7 milhões declarados por postulantes petistas durante a campanha.A lista das cinco menores proporções ainda conta com PMN e MDB, que tiveram maioria de candidatos que se afirmaram negros. O primeiro destinou 20,9% dos R$ 1,5 milhão do fundo aos postulantes; o MDB, 21,9% (R$ 2,5 milhões de R$ 11,7 milhões).Os partidos que mais destinaram dinheiro do Fundão a pessoas negras foram PMB e PSOL. No primeiro, os recursos ficaram concentrados em apenas dois dos 32 nomes em disputa pela sigla no estado, que receberam R$ 251,6 mil; já no PSOL, segundo partido com a maior proporção de candidatos negros em 2022, 85,3% do fundo eleitoral foi para esses postulantes.Dirigentes negam irregularidadeOs partidos goianos com menor distribuição proporcional de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) a candidatos negros apontam que não existe irregularidade na questão, uma vez que a aplicação da regra se restringe ao diretório nacional, mas relatam que o tema é um desafio.Resolução de 2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), complementada dois anos depois, determina aos partidos a distribuição dos recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional ao número de candidatos negros. Ou seja, se um partido teve 50% de candidatos que se declararam pretos ou pardos, 50% do dinheiro do fundo, obrigatoriamente, teria que ter ido para eles.A legislação, porém, só se aplica aos diretórios nacionais das legendas e contabiliza as proporções de candidatos de cada uma em todo o país para fins de fiscalização, o que não impede diretórios estaduais de também levar a questão em consideração.Ao DAQUI, tanto a presidente do PT, Kátia Maria, quanto o presidente do MDB, Daniel Vilela, reforçam que a determinação do TSE vale para o âmbito nacional e que os partidos cumpriram as regras vigentes. “Nós, inclusive, gastamos bem mais do que 30% das mulheres, e isso viabilizou a divisão nacional”, afirma Vilela em referência ao mínimo de recursos que deveriam ser destinados a candidatas do gênero feminino.Kátia também aponta que os repasses do Fundão são “feitos diretamente aos candidatos e candidatas”, mas completa: “Criar condições para participar da disputa eleitoral é um desafio que os partidos precisam enfrentar para inserir negros e negras nos espaços de poder”, diz.Argumento semelhante é usado pelo presidente do PMN, Paulo Daher. “Não tenho o poder de destinar recursos para os candidatos. O que fazemos é avaliar todas as candidaturas, independente de qualquer coisa, e verificar sua viabilidade”, afirmou.Segundo o dirigente, “todos os candidatos do PMN receberam recursos financeiros, mas os candidatos que têm mais condições de alcançar um resultado melhor, receberam mais.” “Há candidatos que têm potencial muito grande e outros com potencial menor, mas que também precisam ser estimulados.”Em nota à reportagem, o advogado do PSDB goiano, Ismerim Medina, ressalta que os percentuais de candidaturas de pessoas negras, para o fim de distribuição dos recursos oriundos do fundo eleitoral, “serão obtidos pela razão dessas candidaturas em relação ao total de postulações do partido em âmbito nacional”, e que o “PSDB cumpriu, em sua integralidade, as exigências normativas no que concerne à reserva e distribuição de recursos do Fundo Eleitoral aos candidatos afrodescendentes.”Ele também aponta que o diretório estadual tucano “não possui qualquer gerência acerca da movimentação e destinação do supracitado recurso, que é diretamente repassado pelo Diretório Nacional do PSDB aos candidatos negros e, também, às candidatas do gênero feminino.” A reportagem não obteve retorno do presidente do PDT, George Morais.PuniçãoO não cumprimento da regra por parte dos diretórios nacionais dos partidos, segundo o advogado eleitoral Dyogo Crosara, pode levar à suspensão de recursos das legendas, mas ele aponta que as determinações ainda não são claras. “Para mim, ainda é uma norma que precisava de complementação, regulamentação e, também, ficar mais claro a forma de punição, o que não pode ser feito pode resolução (do TSE). Teria de ser feito por lei”, relata.Segundo ele, os dados de Goiás mostram que os partidos não se prepararam. “Mais uma vez, fizeram uma má preparação, o que está provado no caso das mulheres”, diz, referindo-se à cota mínima de gênero que deve ser garantida pelas legendas em suas chapas — já existem ações questionando o não cumprimento da regra, o que pode levar à cassação de candidatos eleitos.Ex-juiz-membro do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), Luciano Hanna aponta que, se provada a distribuição indevida de recursos por parte das siglas, isso pode gerar ordem de devolução dos recursos, assim como a desaprovação das contas do partido. Porém, ressalta que não existe “um critério muito objetivo, como na cota de gênero.”Para Hanna, os partidos precisam observar melhor as regras eleitorais, uma vez que “a prestação de contas tem sido bastante criteriosa.” “Mudou muito. A assessoria técnica dos tribunais têm sido muito exigentes em relação a isso”, diz o advogado.Com 52% das candidaturas, negros obtêm 38% do repasseApesar de serem mais de 52% dos candidatos em Goiás na eleição deste ano, pretos e pardos tiveram acesso a apenas 38,6% dos recursos de campanha e conquistaram 31,7% das cadeiras em disputa no pleito estadual, mesmo considerando quem “mudou de cor” desde a disputa de 2018. É o que mostra cruzamento feito pelo DAQUI em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).Os números são da eleição em que passou a valer a determinação da Justiça Eleitoral para que partidos em âmbito nacional distribuíssem os recursos do FEFC, o chamado Fundão, de maneira proporcional entre candidatos negros (pretos e pardos) e não negros, como forma de dar maiores condições à eleição de pessoas negras.Análise das prestações de contas dos candidatos goianos mostra que, na soma de todos os 30 partidos que usaram o Fundão em Goiás, os postulantes que se declararam pretos e pardos receberam 42% dos R$ 178,4 milhões oriundos desse tipo de recurso para campanha, o que é mais de dez pontos percentuais abaixo da proporção do número de candidatos que se afirmaram desta forma.Fazendo um paralelo com a regra de âmbito nacional, candidatos negros deveriam ter recebido ao menos R$ 93,7 milhões; receberam R$ 74,9 milhões. O valor considera todos os 472 candidatos que se declararam pretos ou pardos nesta eleição e que receberam algum recurso do Fundão (181 não receberam nada), incluindo os 30 que passaram a se declarar pardos neste ano, apesar de terem se afirmado brancos no pleito de 2018 (um se declarou amarelo).Mudança de corComo o DAQUI já havia mostrado, 30 candidatos mudaram suas autodeclarações em relação há quatro anos, alegando, em grande parte, erros nas declarações passadas e negando terem feito isso para ter acesso a mais recursos — eram 31, mas um afirmou erro na informação dada à Justiça Eleitoral neste ano e a corrigiu, após a publicação da reportagem, em agosto.Juntos, esses postulantes somaram aproximadamente R$ 14,5 milhões em recursos do Fundão para campanha, o que equivale a 19,3% dos recursos destinados a todos os candidatos negros atendidos com esse tipo de financiamento para a campanha eleitoral.Dos 30, seis foram eleitos: Júlio Pina (PRTB), Rosangela Rezende (Agir), Wilde Cambão (PSD), Lincoln Tejota (UB) e Lineu Olímpio (MDB) a deputado estadual; e Professor Alcides (PL) a deputado federal. Todos se apresentavam como brancos há quatro anos e agora, pardos. Apenas os três últimos receberam recursos do Fundão.Com os seis, o número de eleitos que se autodeclararam negros representa 31,7% de todos os que conquistaram uma cadeira na eleição deste ano em Goiás, o que demonstra uma taxa de sucesso de 3% — foram 20 eleitos entre 653 candidatos. Desconsiderando os seis, porém, a taxa de sucesso cai para 2,1% — 14 eleitos, dos quais só dois se consideram pretos: Cristiano Galindo (SD) e Ricardo Quirino (Republicanos), que foram eleitos deputados estaduais.Em 2018, a taxa de sucesso de candidatos negros foi de 2,3% — 13 eleitos entre 567 candidatos, bem menor que a taxa entre brancos, que foi de 8,5% há quatro anos (620 candidatos, 53 eleitos) e de 7,4% neste ano (580 postulantes, 43 eleitos).Mais recursosApesar de o acesso aos recursos ter sido menor que a proporção de candidatos, o financiamento de campanha para negros aumentou em relação a 2018, quando estes receberam 19,36% dos recursos do fundo; à época, eles foram 47,5% dos candidatos e conquistaram 19,7% das cadeiras.O advogado eleitoral Dyogo Crosara explica que o aumento, mesmo que pequeno, demonstra que políticas de inclusão em âmbito eleitoral só funcionam quando há a possibilidade de redução no dinheiro recebido pelos partidos. “A ação, enquanto política de inclusão, mostra que, só quando mexe no bolso, é que se começa a ver a inclusão.”Resolução de 2019 do TSE, complementada dois anos depois, prevê possibilidade de suspensão de recursos dos partidos no caso de desrespeito à regra, que determina aos partidos a distribuição dos recursos do Fundão de maneira proporcional ao número de candidatos negros. Isto é, se um partido teve 50% de candidatos que se declararam assim, 50% do dinheiro, obrigatoriamente, teria que ter ido para eles. A legislação, contudo, só se aplica aos diretórios nacionais das siglas.No total, 472 dos 653 candidatos negros de Goiás receberam algum recurso do fundo — de R$ 178 a R$ 7 milhões, caso do deputado Vitor Hugo (PL), que foi candidato a governador e se declara pardo. Na lista ainda estão outros nomes como Alexandre Baldy (PP), Delegado Waldir (UB) e Vilmar Rocha (PSD), todos candidatos derrotados ao Senado neste ano com mais de R$ 3 milhões do fundo, que já se declararam brancos em eleições anteriores, mas que se afirmaram pardos nesta. -Imagem (1.2568355)-Imagem (1.2568347)