A Pastoral Carcerária Nacional protocolou, na última semana, denúncia de graves violações de direitos na Unidade Prisional Especial de Planaltina, no Entorno do Distrito Federal. O ofício encaminhado a diversos órgãos detalha agressões físicas e falta de acesso a alimentação e saúde, o que incluiria a entrega de alimentos estragados na única refeição oferecida durante o dia. A avaliação é de que o quadro configura tortura, sendo esta a sétima denúncia do tipo dentro do Sistema Prisional Goiano nos últimos seis meses.Conforme as denúncias sobre a situação em Planaltina, muitas pessoas presas na unidade estão magras e doentes. Os presos estariam recebendo o almoço e a janta juntos às 17 horas, sendo portanto a única refeição do dia. Ainda de acordo com os relatos, como resultado da pena de fome, do jejum compulsório e das horas sem qualquer refeição, as pessoas presas estariam supostamente subnutridas e desenvolvendo uma série de problemas de saúde.Há também relatos que descrevem que o novo diretor da unidade estaria supostamente ameaçando e torturando as pessoas presas, com humilhações, provocações, agressões psicológicas, agressões físicas, espancamentos e agressões verbais, “instigando as pessoas presas a cometerem faltas para que agentes penitenciários as agridam dentro da unidade”.Os relatos acrescentam que a visita familiar estaria supostamente ocorrendo apenas uma vez por mês, e apenas via videoconferência, a qual as pessoas presas são mantidas algemadas a todo tempo ao lado de agentes penitenciários armados. A vídeo chamada dura cerca de 20 minutos e por muitas vezes, e o áudio dos computadores seriam tão ruins, que os familiares não conseguem manter uma conversa com as pessoas presas.A Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) diz que todas as denúncias são infundadas.O documento com as denúncias foi entregue para a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE), Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e para a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Goiás (OAB-GO). A solicitação é para que os acionados realizem fiscalizações urgentes e imediatas.Entre todos os pedidos, a Pastoral solicita que sejam feitos exames de corpo de delito imediato em possíveis vítimas, para apurar e detectar a ocorrência, a origem e a intensidade das lesões noticiadas. “A demora na realização desta solicitação prejudica a materialidade da denúncia”, diz. Em destaque, a entidade solicita cautela para que não haja retaliação aos encarcerados.As denúncias foram protocoladas de forma anônima. Por esta razão, a Pastoral antecipa que o anonimato não impede a ação do Poder Público para apurar a procedência das questões, conforme prevê decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).ResponsabilidadesDe mais enérgico, a entidade pede a instauração de investigação para avaliar a necessidade de possível afastamento cautelar dos agentes responsáveis pelas práticas relatadas, caso constatados indícios de violação de direito ou abuso de autoridade, em especial dos agentes penitenciários e do diretor da unidade. “Caso sejam confirmadas as violações de direito e os atos de tortura, que os responsáveis sejam responsabilizadas civil, administrativo e penalmente, conforme Estatuto do Servidor Público, Lei de Abuso de Autoridade e Lei de Improbidade Administrativa”, cita.Além dos itens elencados na denúncia, a Pastoral pede que as inspeções vão além e verifiquem itens como o fornecimento de água para as pessoas presas, o acondicionamento destas e a forma como é distribuída.DGAP Em nota, a DGAP diz que o Presídio Especial de Planaltina é completamente monitorado por câmeras. “Essas denúncias são infundadas e não possuem materialidade”, afirma o órgão. Sobre a alimentação, a DGAP diz que o Estado fornece quatro refeições para a população carcerária local (desjejum, almoço, jantar e ceia), sendo a última distribuída às 21 horas. “Toda a alimentação é balanceada e supervisionada por nutricionista”, afirma.Em relação à assistência à saúde, a DGAP diz que população carcerária conta com a assistência de profissionais de saúde, tanto da própria DGAP, quanto do município. Sobre as visitas, o órgão diz que as mesmas são realizadas na modalidade videoconferência, com duração de até uma hora.Ainda assim, a Diretoria-Geral diz que todas as denúncias protocoladas oficialmente são averiguadas, de forma rigorosa, pela Corregedoria-Setorial da Polícia Penal. “A DGAP reitera que não coaduna com qualquer ato que vá contra a lei”, diz o órgão que em destaque final na nota afirma: “Lembrando que o Presídio Especial de Planaltina abriga as lideranças negativas do sistema penitenciário goiano e presos faccionados”.Goiás é o 3º com maior número de denúnciasAs denúncias do suposto quadro na Unidade de Planaltina chegam pouco mais de duas semanas após a Pastoral Carcerária Nacional divulgar o relatório de casos de tortura nos presídios brasileiros entre janeiro de 2021 e julho de 2022. Com 17 casos envolvendo 62 itens denunciados, Goiás figurou como o terceiro estado com o maior número de denúncias de todo o País, perdendo apenas para São Paulo, com 71 casos e Minas Gerais, com 31 casos. Nos últimos seis meses, segundo a Pastoral, outras sete denúncias foram recebidas em Goiás. Diante dos números, o relatório usa Goiás como exemplo negativo. “São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul se posicionam como espaços onde a violência prisional é predominante. Com tropas policiais interventoras próprias e com elevados gastos orçamentários na expansão prisional, capturar, agredir e violentar as pessoas presas, nesses territórios, é a única medida adotada pelo Estado”, acusa a Pastoral. Entre os tópicos, a entidade destaca que os números não dão a dimensão exata para o problema, destacando que muitas denúncias não são feitas diante do que define como “atmosferas punitivas”. “Esse cenário de medo e punição, dificulta a construção robusta de canais de denúncia na localidade”, considera. Cerca de 70% das sindicâncias internas contra agentes do sistema prisional de Goiás envolvendo violência contra detentos acabaram arquivadas. Dos 125 procedimentos deste tipo abertos no período, 88 foram engavetados, 28 estavam em andamento e apenas nove foram convertidos em processos administrativos disciplinares (PADs) ou inquéritos policiais. Não havia, na época, nenhum registro de punição. A coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, Irmã Petra Silvia, diz que o número de violências no cárcere é de fato bem maior que o registrado oficialmente. “Diante da incomunicabilidade que permeia os presídios, dificilmente as denúncias são capazes de romper os muros das prisões. Há muitos obstáculos que dificultam a comunicação e a denúncia das pessoas presas”, explica. A situação dos encarcerados, na avaliação da coordenadora, tem piorado ano após ano. “Isso mostra o quadro de recrudescimento e de ampliação da violência no sistema prisional. Há uma piora significativa, visto que os instrumentos de tortura têm se sofisticado”, destaca. Sobre o encaminhamento das 17 denúncias recebidas e apontadas no relatório nacional, Irmã Petra diz que todos foram encaminhados para os órgãos da execução penal, tais como Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. “A maioria dos procedimentos são arquivados após a oitiva da direção da unidade prisional. O Estado prefere ouvir a própria secretaria do que realizar inspeção in loco, oitiva das pessoas presas ou exame de corpo de delito”, reclama. A protocolo que leva ao arquivamento, segundo Petra, dificulta a captação da realidade prisional e a produção de provas da tortura. “Por isso temos insistido no encaminhamento dessas denúncias, para que o Estado passe a realizar as investigações de maneira externa e com profundidade”, complementa.