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Pesquisador da UFG descobre dissertação de Pedro Ludovico em Medicina

Diomício Gomes
Rildo Bento de Souza, responsável pelo resgate da tese escrita por Pedro Ludovico: “É um trabalho bem teórico, não há indicação de atendimento a qualquer paciente para realizá-lo”

No acervo do antigo Hospício Pedro II, depois renomeado como Hospital Nacional de Alienados e Instituto Municipal Nise da Silveira, no Rio de Janeiro, repousava um documento que muitos consideravam perdido.

Com o título Contribuição aos Estudos das Perturbações Visceraes da Hysteria, o volume de 45 páginas não é revolucionário ou inovador em seu conteúdo, mas tem na assinatura de seu autor o que realmente chama a atenção: “Defendida em 18 de dezembro de 1915 pelo Dr. Pedro Ludovico Teixeira Alvares”.

Trata-se da dissertação exigida para a conclusão do curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, escrita por aquele que viria a se tornar a maior figura política de Goiás no século 20 e que fundaria a nova capital do Estado.

O local onde se encontrava esse trabalho de conclusão de curso era ignorado até agora. O texto é mencionado nas memórias que Pedro Ludovico escreveu no final de sua vida. “A família disse que foi duas vezes ao Rio de Janeiro procurar esse documento, mas não encontrou”, informa o pesquisador da UFG e historiador Rildo Bento de Souza, responsável pelo resgate dessa faceta do fundador de Goiânia.

Ele tem desenvolvido estudos sobre o tema e está finalizando um artigo científico em que aborda o Pedro Ludovico médico. “Eu encontrei duas cópias impressas do trabalho, uma no Centro de Documentação e Memória do Instituto Municipal Nise da Silveira e outra na Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que incorporou a antiga Faculdade de Medicina onde Pedro se formou.”

Quinze anos antes da Revolução de 1930, que o faria chegar ao poder em Goiás como interventor nomeado por Getúlio Vargas, Pedro Ludovico estava envolvido com os trâmites de sua formação de médico, pesquisando a respeito das diferentes linhas envolvidas no debate quanto ao que naquela época era chamado de “histeria”.

“É um trabalho bem teórico, não há indicação de atendimento a qualquer paciente para realizá-lo”, explica o professor Rildo. A tese – assim era chamado esse tipo de produção acadêmica naquela ocasião – é dividida em duas partes. “Na primeira, Pedro Ludovico faz uma história da histeria desde a Grécia antiga até a contemporaneidade. Na segunda parte, ele escreve sobre o que define como ‘perturbações visceraes’ que a histeria causaria”, conta Rildo.

Essas perturbações físicas seriam de cinco naturezas diferentes. “Pedro lista efeitos digestivos, respiratórios, circulatórios, gênito-urinários e cerebrais”, enumera o pesquisador. Suas ideias estão muito baseadas nos estudos que o neurologista francês Jean-Martin Charcot desenvolveu no Hospital Salpetriere, em Paris, na segunda metade do século 19.

Ao lado do colega Guillaume Duchenne, Charcot é aclamado como um dos pais da neurologia moderna, exercendo também grande influência sobre nomes que promoveriam saltos importantes em áreas como a Psicologia e a Psicanálise. O próprio Sigmund Freud foi seu aluno na capital francesa em 1885, experiência que se mostrou fundamental para que o psicanalista austríaco formulasse suas teorias, inclusive sobre estados histéricos.

“Naquela época, quando se falava em histeria, tinha-se em mente que esse era um problema quase exclusivamente feminino”, contextualiza Rildo Bento, pesquisador que tem se dedicado a desvendar a figura de Pedro Ludovico em diversas facetas.

Ele lançou em 2021 o livro As Raízes Profundas do Jequitibá: O Processo de Construção Mítica de Pedro Ludovico Teixeira, pelo selo Trilhas Urbanas, em que mergulha nos fatos e circunstâncias que elevaram a figura do fundador de Goiânia a um patamar quase inatingível, imune até mesmo a críticas de seus opositores. “Agora, o foco dessa pesquisa que estou fazendo é complementar os meus estudos sobre Pedro Ludovico, com enfoque na sua trajetória médica”, afirma. Esse é um lado que nem mesmo o próprio Pedro ressaltou tanto assim.

Nas memórias que publicou, já em sua velhice, Pedro Ludovico não deu tanta importância a sua vida universitária. “No livro inteiro, ele narrou esse seu período de estudos em Medicina em apenas de páginas. Pedro Ludovico, de fato, destacou sua trajetória política, deixando outros aspectos de sua biografia um pouco de lado.”

Pedro Ludovico mudou-se para o Rio de Janeiro em 1910, onde seu irmão mais velho, João Teixeira Alvares Júnior, já estudava Medicina. Mas, ao chegar na então capital da República, ele não se matriculou no curso de Medicina inicialmente e sim no de Engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. “A primeira opção não deu certo e o irmão, com a ajuda de um deputado, conseguiu que ele pudesse se matricular em Medicina no meio de semestre”, informa Rildo.

Essa investigação sobre o doutor Pedro Ludovico tem reservado surpresas para o pesquisador, que está cruzando dados para compreender melhor o personagem. “A dissertação de final de curso de Pedro Ludovico é sobre histeria, mas na sua biblioteca não constam livros a respeito do tema”, observa Rildo.

“Ele tinha livros sobre Medicina, alguns em francês e em alemão, mas nenhum deles é a respeito do assunto que escolheu para o trabalho de conclusão do curso. Possivelmente ele pesquisou na biblioteca da universidade ou seus professores lhe emprestaram material. No documento não consta o nome de quem o orientou”, pontua o historiador. “Também os objetos médicos que estão no Museu Pedro Ludovico, aqui em Goiânia, num total de 71, são todos de cirurgia”, complementa.

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