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Planos poderão oferecer aditivo contratual para continuidade de tratamentos que saíram da lista

Wesley Costa/O Popular
Maíra Botelho e o filho Felipe, de seis anos, que tem autistmo

Depois da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que diz que as operadoras de plano de saúde não são obrigadas a cobrir procedimentos médicos que não estão previstos na lista da Agência Nacional de Saúde (ANS), beneficiários se dizem preocupados com a continuidade dos tratamentos. Ainda cabe recurso contra a decisão, mas o que existe agora é o entendimento do STJ de que o rol de procedimentos definidos pela agência é taxativo, ou seja, os usuários não têm direito a exames e tratamentos que estão fora da lista.

A advogada Anaísa Banhara, especialista em tutelas de urgência contra planos de saúde, diz que os beneficiários não terão os tratamentos suspensos automaticamente e que os planos poderão oferecer aditivos contratuais para continuidade dos atendimentos que saíram da lista. Ela explica ainda que existem as “exceções” que permitirão que os pacientes recorram às opções de tratamento, medicamento e cirurgias fora do plano. Mas ela adianta que a lista de exigências não é nada simples.

Anaísa detalha que os planos ainda são obrigados a fornecer os procedimentos em casos de tratamento órfão, quando não existe outro tipo de atendimento para determinada doença. Mas também é necessário que tenham sido esgotados todos tratamentos ofertados pelo plano para aquela moléstia. “Não vai poder usar de cara. Vai ter que usar todos os procedimentos. Esgotados, não funcionando, aí (o paciente) poderá fazer o que não está na lista.”

Outra exigência imposta é que o tratamento precisa ter evidência médica. Ela diz se preocupar com a medida. “Muita gente vai morrer esperado medicamento, tratamento e cirurgia porque nem tudo tem evidência médica. Tem coisa que está em fase de estudo. Nem a vacina contra Covid tem evidência médica cientifica comprovada ainda. Tô falando de medicação para tratamento com potencial de cura que todo mundo sabe que funciona e o estudo não está finalizado, por exemplo.”

Requisitos

Entre as obrigações que os pacientes que tenham tratamentos e medicações fora da lista da ANS, além da da comprovação de evidência, Anaísa Banhara explica que será necessário ter validação do tratamento, medicação ou cirurgia órgão de renome, como Agência Nacional de Vigilância Sanitária e NATJUS, que é a ferramenta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para centralizar o trânsito de dados a respeito das solicitações e emissões desses pareceres, lastreados em medicina baseada em evidências.

Ela diz estar preocupada porque isso impacta diversos tipos de atendimentos importantes, muitos que garantem a vida das pessoas. Coordenadora da Associação Amigos do Coração, Martha Camargo diz que muita coisa muda para os cardiopatas. “A maioria dos cardiopatas precisam de terapias, visto que em cirurgia cardíaca alguns ficam meses internados, necessitando de uma equipe multidisciplinar. Isso é uma perda enorme .  Muitos cardiopatas têm síndromes associadas e sem contar que em alguns casos graves, exames complexos não constam no rol. Então a comunidade cardiopata está super insegura.”

Mãe de criança autista defende terapias 

Advogada e mãe de uma criança autista de seis anos, Maira Botelho já conseguiu decisão favorável na justiça para que Felipe Kiyoshi Botelho Tomo, de seis anos, faça psicologia, fonoaudiologia e psicopedagogia especializada em ABA e psicomotricidade. Ela atua na área e reforça que quem tem decisão com trânsito em julgado, sem possibilidade de recursos por parte dos planos de saúde, não perderá o benefício. Ela esteve esta semana em Brasília para participar de manifestação contra o rol taxativo.

Ela participa destas mobilizações porque diz saber da importância de um tratamento adequado. “Especialmente, para as crianças autistas e que agora correm risco de não ter nem no judiciário a salvaguarda desse direito à vida.” Ela ressalta que a preocupação, sendo mãe e acompanhando outras crianças que precisam do tratamento especializado, é que elas ficarão, literalmente, sem o tratamento adequado, o que traz situações danosas.

Maira diz que a decisão contraria o entendimento que existia há mais de 20 anos, de que era a prescrição médica é um ato soberano e o atendimento a esse é seria a obrigação do plano de saúde como consequência logica do contrato de cobertura integral de assistência a saúde firmado entre as partes.

A mãe do Felipe acrescenta que isso se refere a prejuízos a todos os usuários de planos. “Se o judiciário se filiar ao entendimento do STJ, nenhuma ação judicial garantirá a vida de uma pessoa que busque o plano de saúde E a consequência disso transcendem essas pessoas que precisam desse tratamento negado, essas certamente serão obrigadas a recorrer o SUS como única alternativa para sobrevivência, inchando ainda mais um sistema publico ineficiente com filas de espera intermináveis para tratamentos, ou seja, todos os brasileiros serão afetados.

Entendimento dos ministros do STJ

Por 6 votos a 3, prevaleceu o entendimento do relator, ministro Luís Felipe Salomão, cujo voto foi proferido em sessões anteriores do STJ. O ministro entendeu que haveria desequilíbrio nos contratos de plano de saúde se alguns usuários obtivessem na Justiça direito a coberturas que outros não têm. A consequência disso seria aumento dos custos para todos os usuários por conta do desequilíbrio econômico que a cobertura dos tratamentos fora da lista podem causar nas contas das operadoras.

O rol da ANS consiste em uma lista de “procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças e eventos em saúde” que os planos de assistência médica do País são obrigados a oferecer. Essa lista de procedimentos existe desde 1998 e determina o mínimo da cobertura da saúde suplementar. Nestes casos, o plano de saúde não pode negar atendimento. Essa lista deve ser atualizada de tempos em tempos para incorporar novos procedimentos e tecnologias. Como ainda não havia decisão que determinasse a lista de atendimentos e ela era tratada apenas como exemplificativa, pessoas já estavam acostumadas a entrar na justiça para conseguir tratamentos que não estavam no rol.

A limitação da cobertura pode afetar os cerca de 49 milhões de usuários de planos de saúde do país. O acesso a tratamentos e medicamentos, hoje protegidos pela Lei de Planos de Saúde e pelo Código de Defesa do Consumidor, pode ser negado, mesmo em caso de prescrição médica. A nova regra afeta especialmente pessoas com deficiência, doenças autoimunes, crônicas e raras, além dos idosos.

Vários tratamentos importantes como imunoterapia para câncer e alguns tipos de quimioterapia oral e radioterapia estão fora da lista, assim como bombas de morfina para doenças ósseas e musculares crônicas, análise do comportamento aplicado e integração sensorial, para crianças autistas ou com paralisia cerebral e a restrição de sessões de algumas terapias.

ANS aprova aumento de 15,5% em planos de saúde individuais

Mesmo diante da limitação da cobertura, no último dia 26, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou um aumento de 15,5% nos planos de saúde individuais e familiares, sendo considerado o maior percentual de reajuste anual autorizado pela agência desde 2000. Até então, o maior reajuste autorizado tinha sido de 13,57%, em 2016.

O aumento se refere ao período de maio de 2022 a abril de 2023 e só poderá ser aplicado no mês de aniversário do contrato, ou seja, no mês que o contrato foi assinado. A ANS diz que o reajuste foi motivado pelo aumento nos gastos assistenciais dos planos individuais no ano passado, em comparação a 2020, principalmente nos custos dos serviços.

Aproximadamente 8,9 milhões de consumidores de planos individuais de saúde no Brasil serão impactados pelo percentual de aumento. O reajuste divulgado pela ANS não vale para planos coletivos empresariais e por adesão. Em 2021, pela primeira vez, os planos individuais tiveram reajuste negativo (-8,19%) por causa da queda na utilização dos serviços da saúde suplementar e a consequente redução das despesas assistenciais em 2020 em razão da pandemia.

Para a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a oscilação de 2021 para baixo e de 2022 para cima são efeitos dessa transferência das despesas médicas por conta do período de isolamento para o combate da pandemia.

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