A morte do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante, de 38 anos, ocorrida em 2021, é o ponto central da investigação que envolve a prisão de dez policiais militares em operação deflagrada pela Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO) nesta terça-feira (19). A Operação Tesarac investiga homicídios em Anápolis e Terezópolis de Goiás. A suspeita é de que a morte de Fábio tenha acarretado pelo menos mais sete assassinatos.O Daqui teve acesso à decisão judicial que permitiu que fossem cumpridos dez mandados de prisão temporária e 18 mandados de busca e apreensão em Anápolis, Caldas Novas, Nerópolis, Nova Veneza, Goiânia e Brasília. Para cometer os crimes, os policiais teriam supostamente usado de artifícios como tortura e a fabricação de cenas de confrontos policiais. Uma das vítimas tinha apenas 19 anos e estava grávida de sete meses. O caso corre em sigilo de justiça.Fábio foi morto a tiros no Setor Sul Jamil Miguel, em Anápolis, no início da noite do dia 23 de junho de 2021. O caso é investigado até hoje. Porém, a suspeita é de que ele tenha sido vítima de uma emboscada. A motivação do crime ainda não foi esclarecida. Fábio foi atraído até o local onde morreu por uma ligação feita por indivíduos que estariam interessados no processo de venda de uma lavanderia.Quando desceu do carro de viagem por aplicativo em que estava, Fábio foi alvejado por dois homens usando balaclavas. Os autores estavam em um Fiat Uno de cor prata. O motorista não foi atingido e levou Flávio até o Hospital Municipal de Anápolis, onde ele não resistiu aos ferimentos e morreu.Semanas antes da morte de Fábio, em 1ª de junho de 2021, um casal relatou à PC-GO ter sido vítima do roubo de dois celulares. De acordo com as investigações, um desses aparelhos teria sido usado para ligar para Fábio e atraí-lo para o local do crime. Segundo relatos do homem que foi roubado, supostamente um traficante, o casal estava em um motel quando foi abordado e o homem espancado. Foram reconhecidos como autores o policial militar Glauko Olivio de Oliveira e outro colega.Um mês depois da morte de Fábio e quase três meses depois do suposto roubo, Bruna Vitória Rabelo Tavares, de 19 anos, também foi assassinada, no bairro Jundiaí, em Anápolis. Ela, que estava grávida de sete meses, foi a jovem que relatou ter tido os telefones roubados em junho daquele ano. Segundo o companheiro de Bruna, os autores do crime foram dois homens em uma motocicleta, sendo que Glauko foi reconhecido como um dos atiradores.No mesmo dia, horas mais tarde, Glauko e os policiais militares Thiago Marcelino Machado, Adriano Azevedo Souza, Wembleyson de Azevedo Lopes, Jhonatan Ribeiro de Araújo, Rodrigo Moraes Leal e uma outra policial, teriam se envolvido em um suposto confronto com disparos de arma de fogo, o que ocasionou a morte de três amigos do casal: Gabriel Santos Vital, Gustavo Lage Santana e Mikael Garcia de Faria. Segundo relatos do companheiro de Bruna, o intuito era atribuir a morte da jovem aos rapazes.Pela análise de dados da quebra do sigilo de dados telemáticos, constatou-se que o policial militar Marco Aurélio Silva Santos passou orientações, por meio de aplicativo de mensagem, para Thiago e Adriano, sobre a localização das vítimas, refutando as declarações apresentadas pelos policiais junto à Subdelegacia de Terezópolis, de que não sabiam os dados do veículo e que, durante abordagem, as vítimas teriam causado acidentes de trânsito, fugido para uma região de mata e efetuado disparos contra os policiais, que revidaram.Em 19 de janeiro de 2022, situação semelhante teria voltado a ocorrer. Glauko, acompanhado de Thiago, Wembleyson e outros dois policiais, teriam efetuado disparos de arma de fogo em um suposto confronto. Bruno Chendes, Edivaldo Alves da Luz Junior e Daniel Douglas de Oliveira Alves morreram. Eles também eram amigos do companheiro de Bruna. Nas investigações da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), conclui-se que os três foram torturados até a morte (com lesões de defesa), para que fornecessem informações sobre o paradeiro do amigo.Neste segundo confronto, foram apreendidas armas de fogo e bloqueador de sinal de rádio, mas os policiais declararam que não encontraram nenhum celular. Eles também afirmaram que foram efetuados 35 disparos de arma de fogo, mas apenas uma cápsula foi encontrada pela perícia, considerado como um indicativo de adulteração do local do crime.TelefoneEm paralelo aos acontecimentos, o texto da decisão judicial relata que no dia seguinte ao roubo dos celulares, no dia 2 de junho de 2021, um colega de Glauko, que também teria participado da ação, realizou uma pesquisa sobre como destravar os aparelhos. Conforme as investigações, no dia 15 do mesmo mês, o policial Marcos Jesus Rodrigues consultou o número de CPF de Fábio no sistema MPortal, da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO), sendo que os dados de IP da consulta estavam registrados em nome do policial Almir Tomás de Aquino Moura.No dia 21 de junho de 2021, dois dias antes da morte de Fábio, Glauko realizou a conexão de internet na casa do Policial Militar Erick Pereira da Silva e usou o número de CPF de Fábio para cadastrar um chip relativo a uma linha telefônica. No mesmo dia, essa linha foi usada para se comunicar com a vítima por um dos telefones que pertencia a Bruna. Uma pessoa se apresentou como Fernando e disse ter interesse em uma transação de compra e venda de um imóvel. No dia 22, foi combinado o local do encontro. No dia 23, Fábio apareceu e foi morto.Segundo consta das investigações, nos três dias em que a linha telefônica funcionou, o celular esteve nas imediações do endereço residencial do policial Welton da Silva Veiga. No dia 23 de junho de 2021, o aparelho se deslocou para a antena localizada no Setor Sul Jamil Miguel, dia e horário em que ocorreu o homicídio de Fábio. Com a suspeita da participação de Welton no homicídio de Fábio, a Draco requisitou confronto balístico entre as armas apreendidas na casa do primeiro e os projéteis de arma de fogo encontrados na cena do assassinato do empresário. O laudo microbalístico foi inconclusivo.Em janeiro de 2023, Welton, com 43 anos, reagiu contra policiais durante a execução de mandados de prisão temporária e de busca e apreensão na casa em que morava por conta da investigação de outro homicídio. Posteriormente, ele cometeu suicídio. Na casa dele foram localizadas três armas de fogo, munições, duas máscaras tipo “balaclava”, uma placa de veículo e roupas sujas de sangue.SSP-GOEm nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) informou que “sobre a prisão de policiais militares na Operação, “o Comando de Correições e Disciplina da PM-GO acompanhou o cumprimento de mandados de prisões temporárias e de busca e apreensão expedidos pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis” e que “os policiais militares foram recolhidos ao presídio militar, onde permanecem à disposição da Justiça”.A pasta comunicou ainda que “a Corregedoria da PM-GO instaurou os procedimentos legais cabíveis” e que “ a SSP-GO, juntamente com todas as Forças de Segurança, reitera que não compactua com nenhum tipo de desvio de conduta.”Pai diz esperar que justiça seja feita no caso do filhoMais de dois anos depois da morte de Fábio Alves Escobar Cavalcante, de 38 anos, em Anápolis, a família do empresário ainda anseia por respostas. O pai dele, José Escobar, de 72 anos, recebeu a notícia de que a investigação da morte do filho está em andamento com alívio. “É bom saber que estão fazendo alguma coisa. Queremos justiça pela morte dele”, enfatiza.Assim que o assassinato aconteceu, o caso começou a ser investigado pela Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO) em Anápolis, pelo delegado Wilisses Valentim. Depois, o inquérito policial foi para a Delegacia de Investigação de Homicídios (DIH) e, por fim, encaminhado à Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco).José, que é consultor político e ex-vereador de Anápolis, afirma que desde que Fábio morreu a família tem enfrentado um período doloroso de luto. “Minha esposa morreu algum tempo depois de puro desgosto. É uma dor grande demais. Somos os maiores interessados em ter uma solução para o caso dele”, desabafa.Desde que o filho foi morto, José insiste no fato de que a morte dele foi encomendada. “Eu nunca tive dúvida nenhuma disso”, diz. Ele acredita que os policiais envolvidos são “peixes pequenos” dentro do esquema que resultou no assassinato de Fábio. “Espero que os desdobramentos alcancem os mandantes do crime. Sei que existem e estão soltos por aí”, destaca.Em maio de 2019, Fábio, que na época era coordenador da campanha do governador Ronaldo Caiado (União Brasil) em Anápolis, divulgou um vídeo em que dizia estar sendo ameaçado por ter feito denúncias de irregularidades no Partido Democratas Naquela época, ele ainda não havia se fundido com o Partido Social Liberal. “Eu recebi uma tentativa de suborno de um empresário, e era mais ou menos assim ‘ou pega ou morre”, relatou.