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Prefeitura terceiriza gestão da Feira Hippie sem aviso e recua após repercussão

Diomício Gomes
Feira Hippie (foto) e da Madrugada seriam administradas por uma entidade que cobraria taxa de feirantes

Durou um final de semana um decreto autorizando a Prefeitura de Goiânia a contratar uma entidade sem fins lucrativos para fazer a gestão do espaço na Praça do Trabalhador onde acontecem a Feira Hippie e a Feira da Madrugada. A decisão de fazer este tipo de terceirização – publicado na edição de sexta-feira (18) do Diário Oficial do Município (DOM) - pegou os feirantes de surpresa, e no final da tarde desta segunda-feira (21) o Paço Municipal confirmou que o decreto será revogado.

A Prefeitura não explica o que aconteceu. Não fala sobre o que levou à publicação do decreto nem por que ele foi revogado em seguida. Também não se manifesta sobre as críticas feitas pelos feirantes. O Daqui entrou em contato com a assessoria de comunicação do Paço Municipal e com o titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Economia Criativa (Sedec), Diogo Franco, que assumiu a pasta em 7 de junho.

O documento a ser revogado regulamenta o processo de contratação da entidade, que deveria ser uma organização da sociedade civil (OSC), sem fins lucrativos, que poderia cobrar uma taxa dos feirantes para cuidar de serviços como montagem das bancas, limpeza, segurança, fornecimento de energia elétrica e de internet, zeladoria e marketing das feiras. No decreto, a OSC é chamada de “entidade parceira” e é dito que deverá seguir as diretrizes da administração municipal a respeito do funcionamento das duas feiras.

O decreto não aponta o valor da taxa, mas os feirantes acreditam que não seria barato. Só para montar uma banca é pago entre R$ 25 e R$ 40. Apesar de não haver um número oficial, fala-se em mais de 4 mil feirantes na Feira Hippie e 500 na da Madrugada. Atualmente, eles pagam R$ 20 para o funcionamento de dois banheiros alugados pela Prefeitura enquanto os que foram instalados na Praça do Trabalhador não funcionam e R$ 15 para custeio de energia elétrica.

A OSC também seria responsável pelo cadastro dos feirantes juntos ao Executivo Municipal. Nos últimos meses, o Paço tem falado sobre recadastramento dos mesmos, mas não consegue levar a iniciativa adiante. Caso o decreto fosse mantido, esta entidade iria juntar toda a documentação necessária dos feirantes para poderem trabalhar e encaminhar isso para a Sedec. A entidade também poderia proibir de trabalhar o feirante que não pagasse a taxa.

O decreto é assinado pelo prefeito Rogério Cruz (Republicanos), mas a justificativa que segue abaixo, no DOM, leva o nome do titular da Sedec. “A proposta objetiva promover a organização e administração eficiente das feiras e atividades assemelhadas na Praça do Trabalhador, em conformidade com os princípios de cooperação e interesse público, além de fomentar o empreendedorismo local e oferecer à população um ambiente propício para o desenvolvimento das atividades econômicas e o fortalecimento do terceiro setor, otimizar recursos e conhecimentos, e proporcionar um ambiente atrativo e seguro para feirantes e visitantes”, afirmou Diogo no despacho.

Surpresa geral

A segunda-feira foi movimentada nos aparelhos celulares de representantes das feiras, vereadores, deputados e autoridades municipais. Entre as mensagens trocadas nenhuma explicação, muitas declarações nervosas e no final da tarde começou a circular entre eles que o decreto seria revogado. Feirantes reclamaram não conseguir falar com Diogo para entender o documento.

A presidente da Feira da Madrugada, Patrícia Mendes, e o da Feira Hippie, Waldivino da Silva, afirmaram ao POPULAR que o assunto nunca foi discutido em nenhuma reunião com a Prefeitura. Waldivino diz que todas as decisões tomadas pela administração até então eram comunicadas previamente aos feirantes, o que não ocorreu com o decreto terceirizando a gestão da praça para feiras.

“Isso pegou a gente de surpresa. Desconheço reuniões para tratar deste assunto do decreto. Estou esperando uma resposta ainda para entender o que aconteceu da semana passada para hoje. Tudo que vinha acontecendo a prefeitura nos deixava a par, mas com relação a este decreto não estávamos sabendo de absolutamente nada”, comentou Patrícia.

Na semana passada, Waldivino diz que estava agendada uma reunião no Paço, que foi adiada de quinta-feira (17) para sexta-feira, e que na hora marcada ele foi informado de que seria restrita entre representantes do Paço Municipal e do legislativo estadual e municipal com o prefeito. Essa comissão iria discutir vários pontos envolvendo as feiras, principalmente os dias de funcionamento. Conforme ele foi informado, a terceirização da gestão da praça não foi assunto do encontro.

O decreto é fruto de um processo interno que formalmente foi aberto no sistema eletrônico da administração municipal no dia 22 de junho, partindo do gabinete do prefeito. O público externo não tem acesso aos documentos, que apesar de não serem sigilosos ficam fechados no site da Prefeitura. Mas é possível acompanhar de forma superficial seu andamento. Entre os dias 10 e 14 de julho o processo passou pela Sedec e no dia 14 de julho pela Procuradoria Geral do Município (PGM).

Até os feirantes serem surpreendidos com o decreto, as preocupações deles eram outras. Os que estão na da Madrugada estão voltando para a Praça do Trabalhador neste mês após anos nas ruas da região da 44. Ela funciona das quatro da madrugada de quarta-feira até às 22h de quinta.

Já os da Hippie estavam vivendo um impasse sobre o funcionamento às sextas-feiras, com forte resistência por parte da Sedec. A permissão oficial é só para os fins de semana, mas desde a retomada econômica pós-pandemia da Covid-19 a Prefeitura estava liberando em ocasiões especiais, como véspera de feriados movimentados.

Procurado, o Paço só informou que o decreto seria revogado. O titular da Sedec visualizou as mensagens no celular , mas não as respondeu e nem atendeu à ligação.

Decreto não foi assunto de reunião

Horas antes da publicação do decreto, o prefeito Rogério Cruz se reuniu por mais de uma hora e meia na manhã de sexta-feira (18) com uma comissão formada pelo titular da Sedec, Diogo Franco, o secretário de Governo, Jovair Arantes (Republicanos), o deputado estadual Mauro Rubem (PT), e os vereadores Sargento Novandir (Avante) e Henrique Alves (MDB) para discutir a situação das feiras Hippie e da Madrugada.

O deputado disse que em nenhum momento se falou do decreto que foi publicado à noite e que dos cinco membros da comissão quatro não sabiam do documento, incluindo ele próprio e o secretário de governo. Mauro explica que essa comissão envolvendo políticos e secretários foi criada para buscar um consenso sobre os pontos divergentes sobre o funcionamento das feiras. “O decreto já estava pronto e ninguém nos falou nada.”

Mauro diz que até sair o decreto havia considerado a reunião produtiva e em um clima tranquilo, apesar de os representantes das feiras terem sido excluídos. Segundo o parlamentar, foi uma decisão do prefeito, que preferia que a comissão fosse formada por políticos e secretários. Mesmo assim, ele afirma que Rogério demonstrou vontade em resolver todas as pendências envolvendo as feiras.

Para o deputado, a terceirização da gestão das feiras vai fazer com que o feirante seja explorado. Além do aumento do custo para montar a banca, ele critica a concentração de poder. “Essa entidade vai fazer o que a secretaria e os feirantes já fazem.”

O presidente da Associação da Feira Hippie, Waldivino da Silva, vê na decisão da Prefeitura em terceirizar a gestão do espaço onde acontecem as feiras, sem avisar os feirantes, a influência de um grupo político próximo ao novo titular da Sedec. “Tem gente com acesso ao secretário, da panelinha lá, querendo ganhar dinheiro.”

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