-Imagem (1.2480717)Uma pesquisa da Açāo Cidadania, que está entre as maiores ONGs de combate à fome no Brasil, revela que 28,4% da população do Centro-Oeste vive com algum nível de insegurança alimentar. A informaçāo foi divulgada pelo diretor-executivo da entidade, Rodrigo Afonso, em entrevista a Cileide Alves durante o Chega pra Cá desta terça-feira (28).A insegurança alimentar pode ser leve, moderada ou grave e ocorre quando não há acesso garantido à alimentação básica necessária para a sobrevivência. Segundo a estimativa de população de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região Centro-Oeste tem 16,7 milhões de habitantes. Sendo assim, cerca de 4,7 milhões de pessoas vivem sem o Direito Humano à Alimentação Adequada na região do País que é destaque na produção agrícola.Para explicar esses números, Rodrigo Afonso citou o enfraquecimento das políticas públicas de estímulo à agricultura familiar e combate à fome, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o fim da política de estoques reguladores de preços da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), além da extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em primeiro de janeiro de 2019.O PAA e o Pnae são programas de aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar, que são destinados a escolas públicas e assistência social. ''Esses programas foram drasticamente reduzidos, o que tornou o pequeno e médio produtor, que produzia muito para esses programas, do dia para a noite tiveram que simplesmente se virar.'', afirmou o pesquisador. Segundo a ONG, cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil sāo produzidos pelo pequeno e médio produtor. Para Afonso, esses produtores enfrentam ''uma mudança radical da política de segurança alimentar''’.Rodrigo Afonso também avaliou o modelo de agricultura praticado pelos grandes produtores para explicar a fome no Centro-Oeste. De acordo com o boletim de grãos de junho da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Centro-Oeste deve bater o recorde de produção e colher 135 milhões de toneladas de grãos na safra 2021/2022. Nesta mesma região, 28,4% da população não tem garantia de alimentação adequada, segundo a ONG.''Estamos falando de milho, cana-de-açúcar, soja, que são itens que são comoditizados no mundo todo e que que se vende a preços internacionais para quem paga mais. E quem paga mais não é o Brasil, quem paga mais são os países da Europa, a China e outros países. Então no fim do dia a gente subsidia um grande agronegócio para alimentar outros países, e nem alimenta direito porque são alimentos ultraprocessados, e não se dá o incentivo à produção de alimentos aqui no próprio País.''De acordo com Rodrigo, a pesquisa revelou que a maior parte das pessoas que passam fome no Brasil estão no campo. O diretor da Ação Cidadania pontuou um desequilíbrio entre os incentivos a grandes e pequenos produtores, citando a isenção de ICMS para a exportação de grãos, prevista pela lei Kandir, além do número de empregos gerados pela produção agrícola no Brasil.''O agronegócio emprega, há 10 anos, 1,4 milhão de pessoas no Brasil inteiro. O pequeno e médio produtor, com um quarto das terras que o agronegócio tem, emprega 10 milhões e meio de pessoas. Então nem no emprego é uma coisa positiva, porque o agronegócio ano após ano se moderniza, no sentido de reduzir a mão de obra manual e botar equipamentos.''Rodrigo Afonso ressaltou que a ONG não defende o fim desse modelo de produção, mas uma mudança no direcionamento dos incentivos. ''Não é que a gente quer demonizar o agronegócio, no sentido de dizer que o agronegócio não deve existir. Ele deve existir, só que como ele é um negócio, como ele está olhando pura e simplesmente produzir para quem paga mais no mundo, vamos subsidiar quem coloca alimento na mesa do brasileiro, quem paga imposto aqui, que gera emprego aqui, que é o pequeno médio produtor.''Mapa da fomeEm 2014 o Brasil saiu do mapa da fome. Naquela época, o País tinha menos de 5% da população, cerca de 4 milhões de pessoas, enfrentando algum grau de insegurança alimentar. Até 2018, esse número subiu para 9 milhões e saltou para 22 milhões em 2020, no primeiro ano da pandemia de Covid-19, até chegar aos 33 milhões de hoje. ''É muito assustador. Parece que a gente está vivendo um pesadelo'', lamentou Afonso.Para ele, o problema teve início com o enfraquecimento das políticas públicas, a partir de 2016, mas se intensificou com o aumento do preço dos alimentos. ''Apesar de uma inflação de 70 a 80% dos alimentos só durante o período da Covid, se somar todo o período de 2017 para cá, é uma inflação de 150 a 200%'', afirma.Segundo ele, esse aumento dos preços faz com que o valor atual de R$ 400 do Auxílio Brasil, que tem validade até dezembro deste ano, seja insuficiente para combater a fome. Ele também citou o fim do programa de estoque da Conab, que comprava excedente de produção dos pequenos produtores, o que possibilitava a regulação dos preços dos alimentos e o fomento à producāo.Combate à fomeA Ação Cidadania promoveu na semana passada o Encontro Nacional contra a Fome, reunindo 27 organizações sociais do Brasil para analisar o atual cenário e encontrar saídas para o problema. Segundo Rodrigo Afonso, 600 pessoas compareceram presencialmente e 7.000 remotamente.A ONG foi fundada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, com apoio do então presidente da República, Itamar Franco. Naquela época, o Brasil tinha 32 milhões de pessoas em situação de fome e foi declarado estado de emergência. Em 2022, 33 milhões de pessoas estão passando fome e outras 65 milhões têm alguma restrição alimentar, segundo dados da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).-Imagem (1.2481371)