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Rio que é opção de água para Região Metropolitana de Goiânia já está degradado

Diomício Gomes
Rio Caldas em Bela Vista de Goiás: vazão é de 6.720 litros por segundo

O Rio Caldas, apontado como alternativa para suplementar o abastecimento público na Região Metropolitana de Goiânia (RMG), apresenta bacia hidrográfica com sinais de degradação, principalmente próximo às nascentes dos cursos hídricos. O manancial nasce nas proximidades do Distrito Agroindustrial de Anápolis (Daia) e tem foz no Rio Meia Ponte em Bela Vista de Goiás, município no qual seria implantado futuro reservatório.

O estudo de alternativas é necessário, pois o Plano Municipal de Saneamento Básico de Goiânia de 2019 estima um déficit de 648 litros por segundo (l/s) para 2038, considerando seis municípios da RMG. Para se ter ideia da representatividade da diferença projetada, o Rio Meia Ponte fornece até 2.000 l/s atualmente para o abastecimento público. Além disto, os sistemas atuais têm projeção de garantir abastecimento até 2040.

Os municípios mencionados no plano da Prefeitura são: Goiânia, Aparecida de Goiânia, Trindade, Goianira, Abadia e Senador Canedo. O documento considera o Rio Caldas a alternativa “mais viável” para ampliar a captação de água. Especialistas em recursos hídricos e membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Meia Ponte também já fizeram a mesma avaliação ao Daqui.

A reportagem apurou que o manancial é objeto de estudos hidrológicos pela Saneago desde antes de o Ribeirão João Leite ser escolhido para a construção do reservatório, que deve garantir segurança hídrica até 2040. A concessionária, no entanto, não afirma que o Rio Caldas seja a opção mais provável (leia mais abaixo).

A situação ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Caldas merece atenção, pois está consideravelmente antropizada (com intervenções humanas sobre a condição natural) e com sinais de degradação do solo e matas ciliares, sobretudo próximo às nascentes dos cursos hídricos. A constatação é do Plano de Racionamento de Anápolis, elaborado pela Saneago.

“Tal degradação é oriunda, principalmente, da drenagem pluvial implementada inadequadamente, não se observando as condições do relevo e tipo de solo da região, principalmente a expansão das áreas impermeabilizadas (pátios das empresas e vias pavimentadas) que vêm contribuindo para a degradação das nascentes”, afirma a concessionária no plano.

A dissertação de mestrado Análise Geológica como Subsídio ao Planejamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Caldas-GO, de autoria da mestra em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Ana Caroline Rodrigues Cassiano de Sousa também apresenta diagnóstico preocupante para o Rio Caldas.

O documento acadêmico de 2021 verificou um intenso uso da bacia com “predominância das pastagens e das lavouras, além de constatarem a presença de exploração florestal de eucalipto, granjas, criações de porcos, piscicultura, atividade de mineração, linha férrea e dutos de petróleo enterrados.”

“Nossa principal preocupação é em relação a uma transição rápida da vegetação de Cerrado para pastagem. Os estudos evidenciam a forte presença de pastagem, muitas vezes na mata ciliar dos córregos, inclusive do Rio Caldas”, dignostica Ana Caroline, que estuda a bacia desde 2017 e acompanhou dados desde 1988 para o estudo.

Ao analisar dados de demografia, aspectos socioculturais, clima, chuvas, rede de drenagem, formações geológicas, relevo e formações de Cerrado, entre outros aspectos, Ana Caroline considera que a região mais propícia para a implantação do reservatório fica em Bela Vista de Goiás, sul da bacia, nas proximidades da ponte sobre a GO-020.

Expansão

A bacia está inserida em uma região de forte incremento demográfico, onde está, por exemplo, o município de Senador Canedo, o que mais cresceu no Brasil entre os com mais de 100 mil habitantes, conforme o Censo 2022 do IBGE. “Isto vai trazendo uma demanda muito grande por recursos, espaço, terra, e acontecem transições de vegetação nativa (para pastagem), que cuida do solo evitando erosões e também poluição do próprio Rio Caldas”, afirma a mestra em Ciências Ambientais.

A Bacia Hidrográfica do Rio Caldas já possui ao menos quatro pontos de captação. São eles: Alto Rio Caldas, cuja captação e tratamento são realizados pela Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego) - Distrito Agroindustrial de Anápolis; Córrego Milho Inteiro, afluente ao Rio Caldas em sua média bacia, que abastece o município de Caldazinha; porção mais superior da Sub- 57 bacia do Rio Sozinha, que abastece a Estação de Tratamento de Água (ETA) de Goianápolis e Ribeirão Bonsucesso, que abastece grande parte do município de Senador Canedo.

Caracterização

A Bacia Hidrográfica do Rio Caldas (BHRC) faz limite com as microrregiões de Goiânia, Anápolis e de Pires do Rio. Ela abrange 11 municípios em um espaço total de 1.288,01 km². Desta área, 54% estão dentro de municípios da RMG. Leopoldo de Bulhões e Caldazinha representam mais da metade da área da bacia. A vazão do Rio Caldas é de 6,72 m³/s, semelhante à do Ribeirão João Leite: 6,23 m³/s, ou 6.230 litros por segundo.

O povoamento da bacia, conforme a dissertação, se iniciou por volta dos anos 1770. A descoberta de minas de ouro levou ao estabelecimento do povoado de Bonfim - hoje Silvânia - e Santana - hoje Anápolis.

Saneago pesquisa opções em raio de 60 km

O Caldas é um dos cinco rios objetos do Estudo Hidrológico de Goiânia e Região Metropolitana com o objetivo de complementar o abastecimento público da Região Metropolitana de Goiânia (RMG). O raio de abrangência do levantamento é de 60 km de Goiânia. Os outros quatro são: Rio Meia Ponte, Rio Inhumas, Ribeirão João Leite, Rio Caldas e Rio dos Bois.

“Dentre os critérios, estiveram as prováveis vazões aproveitáveis de cada bacia, nível de preservação, distância e possibilidades de barramento ”, afirma a concessionária.

O novo sistema de abastecimento público foi aprovado em 5 de maio de 2022. Atualmente, afirma a Saneago, o mesmo está em fase de requerimento das outorgas de uso e contratação de projetos.

Atualmente, Goiânia é abastecida por dois sistemas. A Estação de Tratamento de Água (ETA) Meia Ponte pode produzir até 2.000 litros por segundo (l/s). O ponto de captação fica no Bairro São Domingos, Região Noroeste de Goiânia.

O outro sistema é o João Leite, que leva o nome do ribeirão do qual retira água. Nele há o reservatório da barragem e a água acumulada é captada e tratada na ETA Mauro Borges, com capacidade de tratamento de até 4.000 l/s. Atualmente, este sistema não fornece este total de água, pois as ligações vêm sendo realizadas com o avanço de obras de linhões.

A ETA Jaime Câmara também utiliza água do João Leite. O ponto de captação fica no Setor Negrão de Lima. Ela pode produzir até 2.000 l/s.

A Saneago prevê que o novo manancial, junto com os atuais, garanta água para a RMG até 2070. “A operação plena das atividades de captação e tratamento do novo sistema produtor de água de Goiânia e Região Metropolitana está prevista para o ano de 2031.”

Embora o novo sistema possa apresentar diferenças em relação ao João Leite, o tempo precisa ser observado com atenção, por se tratar de obra complexa.

De agora até 2031 são 18 anos. Os estudos para a viabilização da barragem do João Leite são da década de 1970. A ordem de serviço foi dada em 2001 e a operação da estação de tratamento para uso do recurso hídrico reservado ocorreu em 2017.

Negativa

A Saneago não divulga o estudo hidrológico. O Daqui tentou por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), mas teve todos os recursos negados. O argumento é que a divulgação implicaria em possível “prejuízo para a competitividade da empresa”, conforme parecer de resposta ao último recurso, emitido pela Controladoria-Geral do Estado, de março de 2023. “O estudo foi encomendado com o custo inicial de R$ 1.757.712,77 (um milhão, setecentos e cinquenta e sete mil setecentos e doze reais e setenta e sete centavos) visando a montagem da estratégia empresarial da companhia até o ano de 2070”, diz parte da resposta.

Secretaria de Meio Ambiente diz monitorar mananciais

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) foi procurada pelo POPULAR para se pronunciar sobre a qualidade ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Caldas. A pasta afirmou, em nota, que acompanha esta como outras bacias por meio do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

O controle da vazão dos mananciais, informa a pasta, é feito a partir das outorgas de direito de uso para alinhamento entre oferta de água e demandas de uso. “Esse processo ocorre junto ao Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH). O propósito da negociação é sempre o de garantir que o usufruto dos recursos hídricos disponíveis seja sempre sustentável”, acrescenta a Semad.

Para preservar a qualidade ambiental, a Semad avalia a implantação de instrumentos de Pagamentos por Serviços Ambientais, com vistas à implementação do Programa Produtor de Água de Anápolis. “Esse programa resultará na promoção de ações voltadas para preservação da água e proteção dos mananciais de abastecimento urbano nas áreas de abrangência das bacias do Ribeirão Piancó, do Rio das Antas e do Rio Caldas (prioritariamente nas propriedades rurais localizadas em Anápolis).”

Ana Caroline sugere na dissertação de mestrado que sejam criadas unidades de conservação na bacia hidrográfica do Rio Caldas. Ela contabiliza 19 áreas com valor ambiental significativo que poderiam servir para aumentar a proteção ao manancial.

De acordo com Semad, o programa de incentivo à preservação de mananciais em Anápolis também vai propor agricultura de baixo carbono, incentivo de práticas sustentáveis, manejo e conservação da água e adequação ambiental das propriedades rurais.

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