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Ruínas de Ouro Fino viram museu a céu aberto

Wildes Barbosa
Quem visitar ruínas encontrará muitas informações sobre Ouro Fino nas placas espalhadas pelo local

Durante anos entregue à própria sorte, o que sobrou do arraial de Ouro Fino, no município da cidade de Goiás, acaba de ser musealizado numa parceria entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Secretaria de Estado de Cultura de Goiás (Secult).

Nesta sexta-feira (15), a partir das 15 horas, autoridades apresentam o resultado das intervenções feitas no local onde o tropeiro Chico Mineiro foi baleado por um desconhecido numa Festa do Divino, lenda eternizada na canção de Tonico e Tinoco. As ruínas são um dos atrativos do Caminho de Cora Coralina, trilha de longo percurso que liga Corumbá de Goiás à antiga capital.

Para criar o museu a céu aberto, o Iphan fez um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com uma mineradora que, para efeito de compensação ambiental, investiu R$ 1 milhão no patrimônio arqueológico de Ouro Fino. O projeto, que contempla escoramento e consolidação das ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, instalação de alambrados, passarelas, placas informativas, bancos de concreto, plantio de árvores e gramado, é assinado pela arquiteta Noêmia Caiado, atual gerente de Fiscalização e Manutenção do Patrimônio Cultural da Secult.

“O que foi executado visa, primordialmente, proteger as ruínas que a cada ano vinham se dissolvendo por serem de adobe e tudo foi feito com acompanhamento do setor de Arqueologia”, explica o coordenador dos trabalhos, o arqueólogo Danilo Curado, do Iphan. Quem visitar o local a partir de agora vai encontrar um ponto de descanso e muitas informações sobre Ouro Fino nas placas espalhadas pelas ruínas. Inicialmente, chegou a ser cogitada a reconstrução da igreja.

“As normas internacionais não recomendam por criar um falso histórico. As ruínas fazem parte da gênese do histórico do sítio e temos de respeitar isso. Fizemos uma intervenção para estancar o arruinamento”, detalha o arqueólogo do Iphan.

As ruínas de Ouro Fino ficam dentro de uma propriedade privada e a musealização conta com o apoio do dono da área. “Ele foi bem proativo, fez o cercamento inicial porque o gado roçava o corpo nas ruínas”, comenta o arqueólogo. Danilo Curado lembra que o sítio arqueológico é gigantesco e a maior parte está no subterrâneo.

“Tivemos a sensibilidade de não cercar tudo por causa do pasto do proprietário. O pisoteio do gado não interfere no que está embaixo, o que seria diferente se fosse uma área de agricultura em razão do maquinário pesado.” A ideia do projeto é que o visitante passe rapidamente pelo museu. No local não há banheiros e até a cobertura prevista inicialmente foi abolida em razão dos ventos.

A arquiteta Noêmia Caiado explica que foram plantadas muitas árvores, ainda em mudas, mas que terão função dupla no projeto de requalificação do espaço. Além do sombreamento futuro, elas vão ajudar na contenção da erosão que ameaça as ruínas. “Plantamos uma ao lado da outra, próximo aos bancos.”

Houve necessidade de alterar o percurso do alambrado, previsto na proposta original por causa do cemitério, que fica ao lado da igreja. As placas informativas, de 90 x 60, mostram o antes e o depois de Ouro Fino e foram elaboradas por museólogos.

O conteúdo histórico-informativo levantado pelo Iphan e Secult na ação de preservação do antigo arraial levou em conta estudos realizados em 1997 e 2000 pelo arqueólogo Marcos André Torres de Souza e em 2010 pela arquiteta e urbanista Laura Ludovico de Melo. O primeiro comandou escavações que revelaram o traçado urbano de Ouro Fino. Ele elaborou um mapa das ruínas, identificou ruas, largos, acessos, alicerces e analisou a estratigrafia horizontal da área.

Com base nesse trabalho, Laura tentou entender como essa paisagem urbana se fixou na memória de pessoas que viveram ali. Em seu trabalho, a arquiteta reconstituiu edificações como a Igreja de Nossa Senhora do Pilar e o Seminário Santa Cruz.

As ruínas de Ouro Fino estão cadastradas no Iphan como sítio arqueológico. O Governo de Goiás iniciou o processo de tombamento no dia 24 de julho de 2021, quando o Conselho Estadual de Cultura aprovou relatório elaborado por equipes da Secult. O tombamento provisório é automático, mas para que haja o definitivo são necessários pelo menos 60 meses de trabalho. Conforme a pasta, o processo está em fase de pesquisa e documentação para a elaboração do dossiê.

Durante a cerimônia de inauguração do museu a céu aberto de Ouro Fino será firmado um Termo de Cooperação entre Iphan, Secult e Prefeitura da cidade de Goiás para a manutenção do ponto de visitação.

Decadência começou após mudança de seminário

O Arraial de Ouro Fino foi fundado por volta de 1727 por Bartolomeu Bueno da Silva Filho durante a corrida ao ouro do Rio Uru. A localidade, no antigo Caminho Real, alcançou certa prosperidade e tinha muitos moradores. A decadência veio na segunda metade do século 20. Em seus estudos, Laura Ludovico de Melo relata que um dos fatores que levou o local ao abandono foi a transferência para a então Bonfim, hoje Silvânia, do Seminário Santa Cruz. O prédio tinha sido construído em 1892 pelo bispo dom Eduardo Duarte da Silva e servia de estância de férias para seminaristas.

Segundo o historiador Antônio César Caldas Pinheiro, quatro anos após erguer o seminário, dom Eduardo foi transferido para Uberaba (MG) e levou junto a sede da Diocese de Goiás. O seminário ficou fechado e foi reaberto em 1909 por dom Prudêncio Gomes da Silva atraindo jovens seminaristas. Após oito anos, foi novamente fechado e dez anos depois transferido para Silvânia. A queda de uma ponte sobre o Rio Uru também contribuiu para a derrocada do lugar porque desviou a estrada que ligava Ouro Fino à Vila Boa, ainda capital. Com a construção de Goiânia, houve uma grande debandada de jovens em busca de melhores condições de vida.

A Igreja de Nossa Senhora do Pilar, em cujo largo ocorriam as festas religiosas, e o Seminário Santa Cruz foram as duas grandes edificações de Ouro Fino. O pouco que sobrou por lá são restos do templo religioso, do cemitério atrás dele e de algumas residências. Na estrada, a cruz atribuída a Chico Mineiro, também é uma referência. “O sítio arqueológico tem uma parte preservada, mas a outra foi muito mexida pela comunidade ao longo dos anos”, afirma o arqueólogo Danilo Curado. Do seminário, nada ficou à vista. “Tem uma riqueza absurda no subsolo, a gente percebe pelo gramado abaulado. No futuro, pensamos em ampliar esse trabalho.”

Se o tropeiro Chico Mineiro, da época do ciclo do ouro, passou por Ouro Fino, não há confirmação histórica. O que se sabe é que em torno dele foram criadas muitas lendas, embora ele realmente tenha existido e seu corpo estaria sepultado em Belo Horizonte, segundo historiadores mineiros. Tonico e Tinoco ficaram famosos com a triste canção que mostra a surpresa do chefe da tropa em viagem pelo sertão de Goiás ao descobrir que o amigo baleado era seu “legítimo irmão”. O tiroteio foi durante uma Festa do Divino e essa sim, fazia parte do calendário religioso de Ouro Fino.

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