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Saúde de Goiânia enfrenta falta de itens, de analgésicos a antibióticos

Fábio Lima
Vista externa do Cais Finsocial: local tem mato alto, mofo nas paredes, telha quebrada e janela fechada com lona

Os profissionais das unidades de saúde de Goiânia relatam um cenário de falta de insumos, insegurança e problemas de infraestrutura nestes locais, conforme descrevem à reportagem. Os transtornos se repetem em várias regiões da capital, narram os trabalhadores. As queixas graves têm chegado ao sindicato da categoria e, inclusive, com registro de morte por falta de medicamento.

Trabalhadora da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Itaipu, na região sudoeste de Goiânia, uma mulher que pediu para não ser identificada, afirma que faltam insumos básicos e os profissionais estão expostos a um ambiente inadequado vistas as más condições de infraestrutura do local. “Nós não estamos fazendo exame de Covid-19, não realizamos a maioria dos exames de sangue, principalmente o hemograma completo, que define para o médico se a pessoa está com pneumonia, tuberculose, dengue - a pessoa pode até estar com dengue hemorrágica, apendicite”, completa. Ela resume a situação como “um caos”.

A reportagem teve acesso a uma lista de medicamentos do Ambulatório Municipal de Psiquiatria. Lá falta até paracetamol. De uma lista de 28 remédios, seis não estão disponíveis. Três deles são de controle especial. A servidora que encaminhou o relato também apresentou fotos que mostram uma lâmpada improvisada. “Uma colega trouxe de casa para a gente não ficar no escuro”, diz ela. No mesmo local, uma foto mostra uma cadeira sem nenhum dos apoios de braço.

A trabalhadora do Ambulatório Municipal de Psiquiatria relata também a falta de profissionais e que mesmo equipamentos simples, como um aferidor de glicemia, não está disponível na unidade.

“Aqui não está tendo papel toalha para secar a mão. As condições são super precárias. E detalhe, não tem servidor administrativo aqui, a gente tem de realizar duas funções”, relata outra servidora do Cais Jardim Novo Mundo, na região leste da capital. Sobre o Cais do Bairro Goiá, um servidor informou haver problemas na estrutura da unidade, na qual tem muito mofo e o reboco das paredes caindo.

Relatos como os citados acima têm chegado com recorrência ao Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (SindSaúde). É o que afirma a presidente da instituição, Neia Vieira. “No Cais de Campinas faltam insumos, medicamentos e há relatos de agressões contra médicos. Só na semana passada houve três. Elas fazem a prescrição, não tem a medicação na unidade ou fazem solicitação de exame e não é possível realizar, aí acabam sendo vítimas de violência”, afirma.

Segundo Neia, das três agressões, uma escalou para violência física. Um dos relatos de violência no Cais de Campinas foi repassado ao sindicato. O texto diz respeito a uma médica que foi vítima durante um plantão noturno. “Cada dia mais a unidade de pronto atendimento Campinas se torna mais insalubre para o desempenho da atividade médica. Os pacientes são agressivos, são os moradores de rua alcoolizados que não têm nenhum respeito ao profissional médico e são pessoas de diversas periculosidades que colocam nossa saúde física e mental em perigo diariamente”, escreveu um colega da profissional onde falta antibióticos.

Morte

Neia conta que na unidade houve um relato de uma médica que afirma ter perdido um paciente porque faltou um medicamento para socorrê-lo. “Não tinha furosemida. É um medicamento usado em pacientes que estão com hipertensão pulmonar e precisam de diurese para perda de líquido. Um faleceu na unidade segundo a médica.”

A insegurança é explicada pela presidente do SindSaúde por causa da falta de agentes da Guarda Civil Municipal (GCM). Segundo ela, durante uma visita do sindicato e da Comissão de Saúde da Câmara ao Centro de Referência em Diagnóstico Terapêutico (CRDT), eles tiveram acesso às áreas internas sem se apresentarem e sem nenhum impedimento. “Passamos pelo refeitório e pela farmácia, onde há medicamentos, inclusive de controle especial”, afirma Neia.

No CRDT, inclusive, Neia afirma existir 11 oftalmologistas que estão sendo pagos, mas sem condição de exercer os cerca de 200 atendimentos por dia.

Os casos que expõem os profissionais a condições inadequadas são encaminhados ao Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO). Nove unidades de saúde já foram alvo de ação civil pública (ACP). Para quatro delas já há sentença obrigando a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia providenciar correções em pontos que atentam contra o direito e a segurança dos trabalhadores.

As sentenças motivadas pelas ACPS são para as unidades: Cais Bairro Goiá, Centro de Saúde da Família Recanto do Bosque, Cais Vila Nova e Cais Jardim Guanabara. A unidade do Guanabara, inclusive, consta no plano de investimentos chamado de Goiânia Adiante, como prevista para passar por ser reformada e convertida em Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

As unidades que ainda aguardam sentença são Caps Noroeste, Cais Amendoeiras e Caps Noroeste. Os problemas do Cais Finsocial também figuram em uma ACP, mas o caso ainda está na fase de instrução.

Entre os problemas apontados pelo MPT-GO nos casos estão: ausência de um plano de gerenciamento de resíduos sólidos, Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), Procedimento Operacional Padrão (POP) relativo a todos os setores técnicos, Manual de Condutas em Casos de Acidentes de Trabalho com Material Biológico, Comprovantes de medidas de combate a pragas, insetos e roedores, Comprovantes de limpeza da caixa d’água e Certificado de conformidade expedido pelo Corpo de Bombeiros. Este último documento, inclusive, não está disponível para nenhuma das unidades, conforme a procuradora do Trabalho, Milena Cristina Costa.

“A maioria dos imóveis tem uma má conservação, aí a gente pede a regularidade quanto à limpeza que costuma ser precária. Há falta de equipamento de proteção individual (EPI) em quantidade suficiente para os servidores, regularização da rede elétrica, pois vemos muitas delas com fiação solta, é uma coisa horrorosa!”, relata a promotora.

As queixas dos profissionais da saúde também motivaram uma representação judicial. Conforme a promotora, a SMS de Goiânia foi condenada a cuidar da segurança dos trabalhadores. No entanto, isto não ocorre e a administração municipal tem efetuado o pagamento de multas.

Secretaria nega maioria dos problemas apontados

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia respondeu ao POPULAR a respeito dos problemas de infraestrutura que uma empresa foi contratada, via licitação, para realizar “manutenção e reparos nas unidades de saúde do município”. 

Sobre os equipamentos de proteção individual, cujos os trabalhadores alegam desabastecimento, a secretaria afirma haver estoques e distribuição suficientes. O mesmo a pasta afirma a respeito dos insumos. 

A SMS explicou os problemas com a carência de desabastecimento. “Alguns medicamentos estão em falta porque a empresa que ganhou o processo licitatório, pediu cancelamento. Diante disso, e com o intuito de adquirir os medicamentos o mais rápido possível, foi aberto um processo de compra emergencial.”

Sobre os oftalmologistas que estariam sem condição de atuar, a administração municipal afirmou que eles são concursados da Prefeitura de Goiânia e “com o fim do convênio, estão sendo lotados nos Distritos Sanitários de Saúde e nas maternidades do município”. 
A respeito do relato de um paciente morto por falta de medicamento, a SMS afirmou que não houve relação entre a não utilização do medicamento “e o falecimento”

Segurança
A segurança das unidades, afirmou a SMS, é realizada por meio de monitoramento de câmeras e rondas constantes da Guarda Civil Metropolitana.

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