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Vítima agenciada por organizadora do Miss Goiás sofreu violência na Bolívia, afirma Polícia Federal

Reprodução/TV Anhanguera
Fátima Abranches Castro é uma das organizadoras do Miss Goiás

Uma das modelos que teriam sido agenciadas para programas sexuais fora do Brasil pela organizadora do Miss Goiás, Maria de Fátima Abranches Castro, denunciou que foi vítima de uma tentativa de estupro, em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, enquanto atendia um cliente.

A vítima, de cerca de 25 anos, teria sido enviada para o outro país, por meio da organizadora do concurso goiano, com o objetivo de ficar com um homem, mas o irmão dele teria tentado forçar relações sexuais com a jovem, que chegou a se trancar no banheiro para fugir do agressor.

O caso é narrado em um pedido de prisão preventiva da Polícia Federal (PF), que investiga um esquema de tráfico internacional de mulheres.

Maria de Fátima foi presa preventivamente no dia 27 de abril em casa no Setor Alto da Glória, em Goiânia, por exploração sexual, mas foi solta dois dias depois, após nova decisão judicial.

Outras cinco pessoas também foram detidas preventivamente em Foz do Iguaçu (PR), São Paulo (SP), Rondonópolis (MT), Portugal e Espanha. O esquema envolvia o tráfico de mais de cem mulheres, vários aliciadores e países, como Estados Unidos, Austrália, Singapura, China, Nova Zelândia e Catar.

A organizadora de Goiás é suspeita de aliciar jovens para se prostituir fora do País e ganhar uma parcela do pagamento. Sua parte no pagamento poderia chegar a R$ 30 mil ao enviar uma jovem para o Oriente Médio, segundo mensagem interceptada pela PF.

Essas mensagens revelam que Maria de Fátima Abranches era uma das pontes entre as mulheres vítimas e Rodrigo Cotait, suspeito de ser o chefe do grupo. Ele também chegou a ser preso, mas foi solto na última segunda-feira (3), após decisão judicial.

O caso mais emblemático envolvendo a organizadora do Miss Goiás é relacionado a Fernanda (nome fictício), modelo e ex-miss em outro Estado, que foi enviada para Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, e além de vítima de exploração sexual, também foi alvo de violência física. A reportagem optou por não identificá-la.

Fernanda foi “encomendada” por Cotait em mensagem para Maria de Fátima. Ele diz que precisa de uma “menina bem bonita”, “muito linda” e “nível miss”. Segundo o suposto chefe do esquema, o cliente seria um amigo e a vítima precisaria passar três dias na Bolívia.

O valor do cachê seria de R$ 10 mil para a jovem e cerca de R$ 2,5 mil de comissão para a organizadora de Goiás. No entanto, esse valor poderia aumentar, segundo mensagem de Cotait.

De acordo com investigação da PF, a viagem ocorreu e Fernanda foi enviada para ficar com um homem apelidado de “Primo”.

No entanto, a situação não saiu como previsto. Primo queria que a vítima fizesse sexo com um de seus irmãos, mas ela não aceitou. O irmão então teria atacado a vítima, tentando manter relações sexuais com Fernanda sem consentimento dela e mediante violência. A jovem então correu para um banheiro e se trancou. Lá de dentro, ligou para Maria de Fátima e para Cotait, pedindo ajuda, de acordo com relato da PF.

O relato da Polícia Federal não chega a detalhar como foi a conversa da vítima com a organizadora do Miss Goiás, mas descreve como foi com Cotait, o suposto chefe do esquema. A jovem teria denunciado que “quase foi estuprada”.

Em resposta, Cotait pede que a vítima dê “uma atenção especial pro irmão do nosso amigo” e tome um champanhe com ele. “O investigado responde demonstrando que não tem qualquer tipo de preocupação a deplorável situação vivenciada pela garota”, diz trecho do relato da PF. A investigação conseguiu identificar outras quatro mulheres que foram enviadas para a Bolívia nessa mesma situação.

A reportagem entrou em contato com a defesa de Maria de Fátima e pediu um posicionamento sobre esse episódio de violência sofrido por Fernanda, que teria sido agenciada pela organizadora de Goiás. O advogado Paulo Guilherme informou que ainda precisa ler todo o processo para se manifestar. Em nota, ele disse que recebeu com perplexidade as medidas contra a cliente, que foram imediatamente rebatidas judicialmente, resultando em sua liberdade.

Em resposta a reportagem veiculada pela TV Globo, a defesa de Rodrigo Cotait diz que ele foi alvo de um mandado de prisão ilegal e que confia que a justiça seja reparada.

 

Áudios documentam a prática ilegal

Áudios interceptados pela Polícia Federal (PF) revelam a forma como a organizadora do Miss Goiás, Maria de Fátima Abranches Castro, ofereceria mulheres para programas sexuais fora do País.

Ela era procurada por Rodrigo Cotait, suposto chefe do esquema de tráfico internacional de mulheres, segundo os investigadores, que descrevia o tipo de viagem e serviço. Em resposta, a organizadora do concurso de Goiás enviava a descrição, fotos e redes sociais das vítimas.

Tal prática é identificada como “book rosa” ou “ficha rosa”, que é o agenciamento de modelos para a prostituição, segundo a PF.

Em resposta a um dos pedidos de Cotait, Maria de Fátima descreve a vítima: “Essa menina é a que eu te falei que é a mais assim, uma beleza mais angelical, linda de morrer. Vinte anos. Belíssima. (...). Ela é magrinha, tudo natural, supernatural, muito maravilhosa, vou te mandar uma foto do corpo dela”.

A organizadora chega a detalhar os concursos de beleza que as mulheres ganharam e qual curso superior possuem. 

Depois de receber duas propostas de Maria de Fátima, Cotait elogia a parceria: “Fátima, meus parabéns viu. A gente vai fazer bastante parceria viu. Adorei essas duas, maravilhosas hein, você está com o faro certíssimo viu.”

Ainda falando com Fátima, Cotait revela que tem três perfis de clientes: o primeiro seriam os da Bolívia para viagens, o segundo seriam super exclusivos do Brasil e o terceiro para o Oriente Médio.

Os melhores pagamentos seriam do último tipo, que chegariam a R$ 150 mil em uma viagem de duas semanas, sendo que R$ 80 mil ficaria para a mulher e o restante seria dividido entre Cotait e Fátima. Para esses clientes do Oriente Médio é preciso enviar vídeos da modelo.

Cotait chega a pedir à Fátima jovens para enviar ao Oriente Médio. Nesse caso, depois de uma ter sido recusada, possivelmente por ser mais velha, ele sugere o seguinte perfil de vítima: “O ideal seria as meninas que estão começando com você, sabe, que você pegasse mesmo em garimpo, interior, aí. Sabe, novinha dezoito (anos), dezenove (anos), que não está formada”.

Mensagens interceptadas pela PF mostram um caso de abuso envolvendo uma jovem que foi enviada para o Oriente Médio, mas que não foi agenciada pela organizadora de Goiás. A vítima foi enviada para Doha, no Catar, mas por outra agenciadora, que mora em Barcelona e também foi presa.

Segundo a investigação, essa jovem relatou que o “trabalho” era feito em condições “extremas”. Ela chega a comparar a situação com “escravidão do sexo… entra um, sai um, entra um, sai um”. A vítima foi colocada fora do esquema e só conseguiu a passagem para o Brasil, após ameaçar de forma velada que denunciaria, segundo a PF.

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