Inaugurado em 1956, o Zoológico de Goiânia está longe de ser uma unanimidade numa cidade que cresceu muito além de sua projeção inicial. Hoje localizado numa área central, cercado de condomínios verticais ocupados por classes abastadas, o parque não só ganhou maior visibilidade, como também se tornou um incômodo. As falhas no cuidado com o plantel, o mato que cresce muito no período chuvoso, obras inconclusas e até mesmo a presença de urubus, aves hoje aclamadas pela ciência pela sua importância ecológica, são reclamações constantes de quem vive ao lado ou de quem visita o parque.Sob a responsabilidade da Agência de Turismo, Eventos e Lazer (Agetul), da Prefeitura de Goiânia, o Zoológico conta atualmente com um plantel de 430 espécies, entre aves, mamíferos e répteis. Bem menos do que em 2009, quando havia cerca de 600 espécies e o parque viveu uma crise sem precedentes, com a constatação de morte de vários animais de grande porte. Em 2021, segundo dados da própria Agetul, eram 470 espécies. Naquele ano, o órgão entregou uma impactante intervenção, a revitalização do lago dos macacos, obra que custou R$ 2 milhões.Nesta quinta-feira (7), a reportagem percorreu o Zoológico de Goiânia e constatou que obras anunciadas em 2022 ainda não foram concluídas. A mais importante delas é o banheiro, mais centralizado, que não está funcionando e continua cercado de material de construção. “Se uma gestante precisar usar o banheiro precisa andar até lá e cima”, reclama uma visitante. Hoje está à disposição dos usuários apenas um banheiro, nas proximidades do recinto do urso. Para chegar lá é preciso ficar atento às indicações improvisadas que aos poucos vão desaparecendo em razão das chuvas e do sol.“Estive aqui há 15 dias e todos os recintos estavam com mato muito alto. Hoje começaram a roçagem”, comentou a mãe de um garotinho de um ano que costuma levar o filho ali. Operários da Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg) comentaram que são escalados para a roçagem e poda no Zoológico quando são acionados, “em média de dois em dois meses”, disse um deles. Uma atendente de lanchonete disse que a limpeza só estava sendo feita porque uma equipe da TV Anhanguera esteve no Zoológico um dia antes, após denúncia de um telespectador. A reportagem apurou que a Agetul mantém um convênio com a Comurg para a roçagem e podas periódicas, com um repasse mensal em torno de R$ 70 mil.Recintos e dezenas de estruturas de placas indicativas estão vazias. Também não avançaram as intervenções para melhorar a acessibilidade como foi prometido em 2022. Na ponte de madeira, logo no acesso principal do Zoológico, é visível o perigo, em especial para crianças, idosos e pessoas com pouca mobilidade. Para consertar danos, duas placas de madeiras foram instaladas na ponte, desniveladas, oferecendo risco de quedas para pessoas desatentas. Há cerca de um mês o Zoológico perdeu um de seus mais antigos colaboradores, uma espécie de faz-tudo em décadas de dedicação. Augusto, ou Tinhá, como era conhecido, tinha olhos de águia para problemas como esse. Ele morreu de enfarte aos 65 anos.A obra anunciada pela Agetul em maio de 2022, na gestão de Valdery José da Silva Júnior previa aumento dos tanques em tamanho e profundidade, troca de vidros por material laminado no recinto dos grandes carnívoros, ampliação do pé direito no micário, reforma dos banheiros, melhorias nas escadarias, guarda-corpos e rampa de acesso, com instalação de piso tátil. Na época, o então presidente da Agetul explicou que seriam empregados quase R$ 1 milhão, dinheiro que estava parado desde 2011 no Ministério do Turismo. “Esses recursos seriam devolvidos para o governo federal em razão do prazo legal de dez anos, mas conseguimos reverter e mantivemos a captação”, informou ele na ocasião.O espaço dos lobo-guarás ganhou melhorias, assim como o recinto das cobras, mas na área dos grandes mamíferos são visíveis os resquícios de obras não concluídas. “A grande maioria desses animais a gente vê na natureza, no lugar onde moramos”, contou um casal de Confresa (MT) que visitava o Zoo nesta quinta-feira (7). “Eu achei aqui meio abandonado”, comentou a mulher.Mato serve de rota de fuga, diz supervisoraPara fortalecer a configuração política da base de apoio do Paço Municipal, o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) nomeou em outubro do ano passado a enfermeira Daiane Vieira Lopes para o cargo de supervisora geral do Zoológico de Goiânia. Ela substituiu o médico veterinário Raphael Cupertino Teixeira Mello, que respondeu pela função durante quase 19 anos. A enfermeira foi nomeada depois que Danilo Alvino assumiu a presidência da Agetul. Ela foi indicada pelo vereador Juarez Lopes, que integra o grupo da deputada federal Flávia Morais (PDT). Em resposta aos questionamentos do jornal, Daiane informou que, “quando necessário”, a roçagem do mato nos recintos é feita diariamente. Segundo ela, “alguns recintos ficam com pastagem mais alta para servir de rota de fuga e complemento de pastagem dos animais”. Sobre as placas de identificação, ela explicou que “já existe um processo de compra em andamento”. A supervisora geral do Zoológico explicou que não fala sobre as obras e que já está providenciando banheiros químicos para atender os visitantes até que a reforma do banheiro central seja concluída. O engenheiro civil Heitor Antônio, da Agetul, afirmou que as obras no Zoológico começaram no primeiro semestre de 2023 e têm previsão de término ainda neste semestre. Segundo ele, grande parte do que foi anunciado já foi concluído, como o aumento dos tanques nos recintos dos grandes carnívoros. “A medida que o clima permite, os serviços estão sendo executados.” O engenheiro explicou ainda que o banheiro que está paralisado, “demanda apenas pequenos ajustes, já em andamento como pintura externa e montagem de louças e metais”. Segundo ele, “a entrega será em breve”.Urubus são faxineiros aladosAo longo da história os urubus são vistos como aves de mau agouro, sinistras, feias e sujas por se alimentarem de carniças. E, talvez por isso, ainda incomode tanto quem visita ou vive nas proximidades do Zoológico de Goiânia, o ponto da capital onde são mais vistos, no chão e no alto. Há muito tempo, porém, essas aves foram redimidas pela ciência, fato que pouca gente sabe. A espécie, principalmente o urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), o mais conhecido e mais urbano, é aclamado por especialistas como lixeiros da natureza, daí a sua importância ecológica. Como eliminam até 95% das carcaças de animais mortos (muitos são oferecidos na alimentação de algumas espécies que formam o plantel do Zoológico), contribuem para evitar a propagação de doenças e a multiplicação de microrganismos. As bactérias presentes nas carcaças causam doenças como botulismo, antraz, raiva e cólera que poderiam afetar outros animais, inclusive domésticos, e contaminar o lençol freático. O urubu não é uma ave suja. Mais da metade do dia fica se limpando porque a plumagem precisa estar em perfeitas condições para decolar. E é lá do alto que consegue ver e sentir o cheiro do alimento disponível por causa da visão e olfato apurados. A espécie fica horas planando, aproveitando as correntes de ar quente. Num movimento que nasceu na África do Sul e na Inglaterra, vários países do mundo já celebram o Dia Internacional de Conscientização sobre os Urubus. Ele é comemorado no primeiro sábado de setembro. Zoológicos do País, parques e instituições dedicadas ao estudo de aves de rapina têm atuado para ampliar o conhecimento da sociedade sobre a importância dos urubus para a natureza. E o recado é simples: “Quem vê cara, não vê coração.”