'Cidade Invisível' resgata folclore brasileiro para adultos e o apresenta a público internacional
Os personagens fazem parte da nossa mitologia, que assombra há séculos a imaginação dos brasileiros

Folhapress
12 de fevereiro de 2021 às 16:41
Modificado em 21/09/2024, 01:32

Marco Pigossi foi protagonista da série Cidade Invisível (Netflix/Reprodução)
Gerações de brasileiros cresceram com o Sítio do Pica-Pau Amarelo, lendo os livros de Monteiro Lobato ou assistindo às numerosas adaptações para a TV. E não são poucos os que acreditam que o Saci-Pererê, a Cuca e outras figuras fantásticas, recorrentes nas aventuras de Emília, Pedrinho e Narizinho, tenham sido criados pelo escritor paulista.
Esses personagens, é claro, fazem parte do nosso folclore --ou da nossa mitologia, como defendem alguns. Resultado da mistura de crenças indígenas, africanas e portuguesas, eles assombram há séculos a imaginação do Brasil, mas, no século 20, foram relegados ao universo infantojuvenil.
"Cidade Invisível", que estreou na Netflix no dia 5 de fevereiro, chegou para ressignificar essas criaturas e lançá-las no mundo moderno. Carlos Saldanha, o criador da série, afirma que se inspirou em produções internacionais como "American Gods", que introduz deuses e semideuses em contextos contemporâneos, sem a menor cerimônia.
Saldanha se consagrou com diretor de filmes em animação de enorme sucesso, como "O Touro Ferdinando" e as franquias "Rio" e "A Era do Gelo". Recebeu duas indicações ao Oscar. Antes de "Cidade Invisível", nunca havia trabalhado num projeto em live-action, com atores em frente às câmeras.
A primeira temporada tem apenas sete episódios, dirigidos por Júlia Pacheco Jordão e Luis Carone. Mirna Nogueira foi a chefe da equipe de roteiristas, que trabalhou em cima de uma trama desenvolvida por Carolina Munhóz e Raphael Draccon. Carlos Saldanha aparece nos créditos como criador e produtor executivo.
O protagonista é Eric Alves, um fiscal ambiental --o terceiro papel de Marco Pigossi em uma série da Netflix, depois de participações na australiana "Tidelands" e na espanhola "Alto Mar", e o primeiro em português. O ator mostra que está fazendo falta na Globo: sua atuação madura, perfeitamente calibrada, transmite a dor de um homem que passa por uma enorme perda logo no primeiro capítulo, e aos poucos descobre o segredo que envolve seu passado.
Crimes misteriosos vêm acontecendo no Rio de Janeiro, quase sempre na decadente --e extremamente fotogênica-- região central da cidade. Um boto cor de rosa, um animal dos rios amazônicos, é encontrado morto na praia do Flamengo. Depois de colocado na caçamba de uma caminhonete, o bicho assume forma humana. Intrigadíssimo, Eric segue as pistas e penetra, sem querer, na cidade invisível do título da série: um mundo povoado por seres fabulosos, que passam despercebidos no cotidiano da metrópole.
Este mundo é liderado informalmente pela Cuca, de aparência muito diferente do réptil de peruca loura a que nos acostumamos. Alessandra Negrini traz sensualidade e poder para essa versão feminina e brasileira do bicho-papão, usando até a cantiga "Nana Nenê" para seduzir suas vítimas. Também é ótima a sacada de fazer o Saci (Wesely Guimarães) usar uma prótese, para disfarçar a ausência de uma perna.
Mas o destaque do elenco é mesmo Fábio Lago, que literalmente pega fogo como o Curupira. O personagem só se revela em toda sua glória na reta final da temporada, para um desfecho apoteótico.
São muitas as qualidades, mas "Cidade Invisível" não é perfeita. Há uma certa barriga entre os episódios dois e quatro. Pouca coisa acontece, e o espectador fica ansioso para ver logo as criaturas em ação. O ritmo engrena do quarto capítulo em diante, deixando um belo gancho para a segunda temporada.
Que, aliás, ainda não foi confirmada, mas é bastante provável que isto aconteça em breve. "Cidade Invisível" chegou ao primeiro lugar entre os programas da Netflix mais vistos no Brasil, e está entre os Top 10 de 40 países, de Portugal a Omã. Parece que a plataforma finalmente conseguiu produzir uma série brasileira de repercussão mundial.