A ideia de Pinóquio que temos na nossa imaginação é a de um boneco branquinho, de olhos azuis, cabelos pretos e vestido como um tirolês. Encantado por uma fada e acompanhado por um grilo falante, o Pinóquio da animação de 1940 de Disney se consolidou como ícone da infância idealizada.A nova adaptação de "Pinóquio" que estreia nos cinemas não se distancia desse paradigma apenas por ser em "live action", em vez de animação. O resultado, do ponto de vista plástico, nem tenta simular o padrão Disney que "A Bela e a Fera", "Dumbo", "Aladdin", "O Rei Leão" e "Mulan", entre outros, estabeleceram na última década.Refilmar títulos clássicos com atores e em espaços físicos é uma tendência atual, uma estratégia que permite dar roupa nova a histórias antigas ou muito conhecidas.A proposta, porém, não se resume ao valor comercial, à vantagem de agregar um título seguindo a lógica bem-sucedida de franquia.Se há diferença na "live action", ela revela-se na intensidade da impressão de realismo. É nisso que Matteo Garrone investe em sua adaptação do clássico romance "As Aventuras de Pinóquio" (1883), do escritor italiano Carlo Collodi.Aqui, Pinóquio deixa de ser a figura lisinha e perfeita da visão idealizada de Walt Disney, recupera sua imagem rústica e é reinserido num universo rude.Esta recuperação realista da fábula aparece desde o início na figura de Geppetto. A interpretação de Roberto Benigni é visivelmente despojada dos excessos cômicos do ator italiano. Sua caracterização, em vez de velhinho bonachão, é a de um senhor cansado e solitário, para o qual o boneco humanizado assumirá o papel de filho. As peripécias de Pinóquio, quando foge de casa e da vila, completam esse universo realista.O termo "realista" não se resume a descrever a aparência verossímil, fidedigna dos espaços e corpos, pois a maioria das situações que Pinóquio vive são com outros personagens fantásticos.Realista quer dizer também que, embora as imagens, figuras e espaços pareçam fantasia, eles expressam medos reais, misérias concretas, sofrimentos palpáveis.Mesmo que o filme conte uma história irreal e que ninguém acredite que um boneco de madeira possa se tornar gente de verdade, o "Pinóquio" de Garrone vive num mundo de trevas tal qual o nosso. PINÓQUIOAvaliação: BomOnde: Em cartazProdução: Itália/França/Reino Unido, 2019Direção: Matteo Garrone