Com remédio em falta, pacientes têm vidas encurtadas
Pacientes portadores de fibrose pulmonar idiopática (FPI) cadastrados na Central de Medicamentos Juarez Barbosa estão sem receber medicamento que retarda avanço da patologia
Malu Longo
7 de março de 2025 às 06:45

Portador de FPI, o pedreiro aposentado Sebastião Rodrigues sofre os efeitos de não tomar o remédio indicado (Wildes Barbosa / O Popular)
Em meio a uma batalha judicial envolvendo duas indústrias farmacêuticas, pacientes acometidos de fibrose pulmonar idiopática (FPI), uma doença grave que pode levar à morte, aguardam a liberação, pela Central Estadual de Medicação de Alto Custo Juarez Barbosa (Cemac JB) da Secretaria de Estado da Saúde (SES), de remédios que evitam a progressão da patologia. Embora haja uma oferta de genéricos, a Sociedade Goiana de Pneumologia e Tisiologia (SGPT) aponta para uma intolerância a esse tipo de produto e para a observação clínica do crescimento de óbitos no Estado em razão da doença. Segundo a SES, 300 pacientes estão cadastrados para receber a medicação.
Presidente da SGPT, Fernanda Miranda explica que a FPI não tem cura e que até há alguns anos o tratamento era paliativo. No Sistema Único de Saúde (SUS), não existe protocolo clínico e diretrizes farmacêuticas para tratamento da doença. Quando surgiram as drogas para reter o progresso da patologia, a entidade apresentou à SES uma proposta de protocolo clínico visando atender os pacientes de Goiás via Cemac JB em razão do custo, hoje oscilando entre R$ 15 mil a R$ 18 mil mensais. "Foi uma luta longa, de anos", conta Fernanda Miranda. O protocolo foi assinado por volta de 2020 e a SES passou a ofertar o Ofev, nome comercial da molécula nintedanibe criada pela indústria alemã Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda, que retarda os sintomas graves da FPI.
O problema começou quando a indiana Sun Pharma Farmacêutica colocou no mercado o nintedanibe em duas versões, o Nidhi, similar ao Ofev, e o genérico, com preços menores. A SES passou a comprar o genérico da Sun Pharma, que tem a mesma bula do Ofev, gerando uma economia de 100 reais por paciente. A Boehringer decidiu se mexer juridicamente, alegando violação de patentes. A disputa com a Sun Pharma vem desde 2021, com várias ações em todo o País. A indústria alemã conseguiu na Justiça que fosse retirada da bula da Sun Pharma a indicação do nintedanibe para fibrose idiopática, mantendo apenas a indicação para doenças pulmonares fibrosantes progressivas.
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Off label
Por um tempo, a SES ainda continuou adquirindo o medicamento da Sun Pharma, se beneficiando de legislações da época da pandemia que previam compras off label (para usos diferentes do prescrito na bula), mas depois a medida foi suspensa. Após uma negociação com a Boehringer visando reduzir o preço do medicamento, a SES lançou um pregão, mas o edital foi impugnado a pedido da Sun Pharma, o que ocorreu em duas ocasiões. Em nota sucinta encaminhada à reportagem, a SES informa que "aguarda definição judicial relacionada a uma ação em curso entre duas empresas", embora esteja em andamento um processo de aquisição do medicamento nintedanibe. "A pasta está trabalhando para resolver as pendências legais que impactam essa aquisição", encerra a nota.
A pedido da SGPT, a Cemac JB divulgou em novembro de 2024 uma nota informativa explicando os motivos da suspensão dos pregões para adquirir o nintedanibe. Na nota, a Central de Medicamentos Juarez Barbosa orienta os pacientes a buscarem seus médicos para condutas alternativas. "Não há estudo científico dizendo que o paciente morre depois de parar de tomar esse remédio, mas a observação clínicas dos pneumologistas de Goiás indica que as mortes aumentaram. Está chamando a atenção", salienta Fernanda Miranda. A única opção disponível na Cemac JB é o pirfenidona, um remédio que atua sobre os aspectos fibrótico crônico e inflamatório da FPI.
Este é o medicamento que o pedreiro aposentado Sebastião Rodrigues do Nascimento, 79 anos, vem usando. São nove comprimidos por dia, bem diferente do nintedanibe, que tem prescrição de uma cápsula a cada 12 horas. "Ontem o almoço atrasou, tomei com o estômago vazio. Fiquei fraco e meu coração acelerou", relata. A presidente da SGPT explica que nem todos os pacientes se adaptam ao pirfenidona. "Além dos nove comprimidos diários, se o paciente não usar muito protetor solar, a pele escurece, ficando como um indiano", diz Fernanda Miranda. Segundo ela, na falta do nintedanibe, as prescrições do pirfenidona seguem de explicações detalhadas aos pacientes dos efeitos colaterais.
Pacientes buscam a Justiça na luta para sobreviver
A principal demanda entre Boehringer e Sun Pharma foi proposta no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e corre em segredo de justiça. Nela, a indústria indiana ajuizou uma ação declaratória de não infração de patentes para uma forma específica do composto nintedanibe e para uma formulação contendo o composto. A Boehringer garante que existem quatro patentes concedidas a ela pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) que protegem invenções relacionadas ao medicamento de referência Ofev. Enquanto não há uma definição judicial, proliferam ações exigindo que o nintedanibe seja fornecido, tanto no âmbito dos planos de saúde, quanto no SUS. Em maio de 2024, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) assegurou o fornecimento do medicamento a um paciente portador de FPI, mesmo que ele não esteja na lista do SUS. O pedido havia sido negado pela 10ª Vara da Justiça Federal no Ceará (JFCE).
"A gente se compadece dos pacientes porque às vezes é a única chance deles. É uma doença progressiva. Alguns vão rapidamente a óbito, mas outros podem viver muitos anos usando o remédio", ressalta Fernanda Miranda, presidente da SGPT.
O que é a fibrose pulmonar idiopática
Trata-se de uma forma crônica específica de pneumonia fibrosante de causa desconhecida. Os sintomas mais comuns são a falta de ar, cansaço e tosse seca persistente. A doença costuma acometer homens acima de 50 anos, geralmente com histórico de tabagismo. Quanto mais cedo for diagnosticada, mais qualidade de vida o paciente pode ter.
Há um grupo de doenças pulmonares intersticiais e algumas delas evoluem como fibrose pulmonar, sendo o tipo idiopática um dos mais prevalentes. A patologia leva à formação de cicatrizes (fibrose) nos pulmões, modificando sua constituição original e funcionamento. A evolução da doença leva à grave insuficiência respiratória e outras enfermidades, podendo chegar ao óbito.
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) estima que haja no Brasil de 13 a 18 mil casos de FPI. A prevalência é de 14 a 43 em cada 100 mil pessoas.