Compartilhados em diversos grupos de mães e condomínios de Goiânia, relatórios contêm dados de trabalhadoras com argumentos preconceituosos e difamatórios
A Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO) e o Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO) vão abrir procedimentos de investigação para averiguar supostos crimes cometidos por contratantes de trabalhadoras domésticas em Goiânia e região metropolitana. O caso se refere a existência de uma lista com nomes, telefones e comentários preconceituosos e difamatórios a respeito de babás, faxineiras e cuidadoras que atuam na capital e cidades próximas. O relatório, compartilhado em grupos de WhatsApp de mães e condomínios, é intitulado de "Lista de babás não indicadas" e existe há pelo menos três anos. O caso foi denunciado nesta terça-feira (18) pela repórter Giovana Dourado, da TV Anhanguera.
Segundo a PC-GO, há pelo menos três denúncias feitas por trabalhadoras contra contratantes, sendo duas em distritos de Goiânia e uma em Aparecida de Goiânia, que estão em procedimento de investigação. Já o MPT informa que vai formalizar uma denúncia com base na matéria exibida pela TV Anhanguera, "para que as providências necessárias, no âmbito do Direito do Trabalho, sejam tomadas". O órgão ministerial conclui que no primeiro momento serão realizadas investigações e audiências para averiguar as circunstâncias e ouvir as partes envolvidas. Para regularizar a situação, pode ser proposto um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para a solução administrativa ou, caso haja recusa, o ajuizamento de ação na Justiça do Trabalho.
O POPULAR teve acesso a uma das listas compartilhadas, que tinha sido atualizada em dezembro passado. O modus operandi das contratantes era de ir alimentando a lista conforme o interesse, sempre acrescentando um novo nome no último compartilhamento e relembrando o relatório sempre que alguém pedia indicação de trabalhadoras ou a lista das "não indicadas". Na lista que a reportagem teve acesso há relatos como "trabalhou por 1 mês só finais de semana e fez várias ameaças de entrar na justiça", "referência falsa", "sem compromisso", "colocou injustamente na justiça contra os patrões" e até "roubo de joias" e "uso de drogas". Há também comentários sobre maus-tratos a crianças ou sobre a pessoa ser "oportunista", "mentirosa" ou "dissimulada".
A reportagem apurou também que desde a divulgação da matéria pela TV Anhanguera as listas estão sendo apagadas pelas administradoras dos grupos ou pelos membros e há casos que até mesmo os grupos foram apagados. Nos grupos também houve comentários sobre a matéria, mas com condenações aos termos utilizados pelas contratantes, que seriam pejorativos, preconceituosos e discriminatórios. Houve também quem defendesse a existência da lista em relação a confiança nas profissionais, sem que houvesse comentários. Para a TV Anhanguera, o juiz trabalhista Rodrigo Dias afirmou que o caso configura como discriminação e pode desencadear uma ação coletiva.
Na reportagem da TV Anhanguera, a lista utilizada diverge um pouco da que O POPULAR teve acesso, com comentários diferentes e 98 nomes, enquanto a obtida pelo jornal conta com 72 nomes. O que mostra a existência de diferentes relatórios sobre as trabalhadoras na região metropolitana de Goiânia, a depender de cada grupo. As babás ouvidas pela TV, sob a condição de anonimato, contam que perderam trabalhos após a divulgação dos nomes nas listas. Uma delas diz que teve um problema trabalhista, mas o relato da contratante está como de maus-tratos às crianças.
Já na tarde desta terça-feira (18), após a divulgação do caso na televisão, as babás relataram ao POPULAR que estavam sendo ameaçadas por contratantes caso denunciassem o caso da lista. Muitas das contatadas queriam saber sobre como o repórter conseguiu o contato e a prova de que era do jornal e, ainda assim, preferiram não serem identificadas. Disseram, porém, que a lista tem informações inverídicas e que prejudicaram a continuidade em outros serviços posteriores.
A trabalhadora doméstica Isa Benevides, que não se encontra nas listas, formou um grupo de WhatsApp com as mulheres prejudicadas. "Como trabalhadora doméstica, fiquei extremamente incomodada com o que vi, mesmo que meu nome não estivesse lá. Fui lendo e ficando ainda mais perplexa. Além de expor nomes e números de telefone de 98 mulheres, alguns nomes vinham acompanhados de descrições horríveis e preconceituosas", diz ela, que mantém o perfil @lugardeempregada no Instagram. Ao adicionar as pessoas citadas ao grupo, ela conta que muitas saíram de imediato, mas outras continuaram e relataram os motivos de estarem citadas na lista.
"São trabalhadoras com mais de nove anos de experiência na profissão, empregadas domésticas, babás e cuidadoras de idosos, todas prejudicadas por motivos banais. Algumas foram incluídas simplesmente porque a patroa 'não foi com a cara delas', outras porque eram gordas ou a cor do cabelo incomodava a patroa. O impacto foi e ainda está sendo devastador. Uma dessas mulheres chegou a tentar contra a própria vida. Outra precisou sair de Goiânia por um tempo para conseguir se reerguer", conta Isa.
Ela diz que das 98 profissionais na lista divulgada pela TV Anhanguera, 10 conseguiram registrar o boletim de ocorrência, sendo que 7 destas já tinham feito o registro há dois anos, mas que a investigação não prosseguiu. Outras duas pessoas fizeram denúncias nesta terça-feira (18) e outras disseram que faria o registro ao longo desta semana. A ideia, porém, é que as pessoas que estão no grupo realizem uma denúncia coletiva contra a ação das contratantes em razão das listas.